Nesta semana, no Dia Internacional do Meio Ambiente, o governo federal anunciou, com pronunciamento da ministra Marina Silva e sem muita repercussão na imprensa, a Estratégia Nacional de Bioeconomia por meio do Decreto nº 12.044. A novidade traz esperança para alguns, por prometer ser um passo significativo para a promoção de um desenvolvimento sustentável e inclusivo na Amazônia.
Para entender melhor as implicações e os desafios desta nova legislação, Alfredo Lopes, do portal BrasilAmazoniaAgora entrevistou Carlos Gabriel Koury, diretor do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) e coordenador do Programa Prioritário de Bioeconomia da Suframa, o PPBio. Durante a conversa, Koury destacou a importância de aprimorar a cooperação entre diferentes setores, desenvolver instrumentos financeiros que incentivem práticas sustentáveis e investir em educação e capacitação profissional.
A entrevista também abordou o que ele achou da nova legislação, e o que espera para o futuro. Destacando o foco na inclusão social e na valorização dos conhecimentos tradicionais, associados a Ciência e Tecnologia, para manter a floresta em pé. Koury ainda compartilhou os avanços alcançados pelo PPBio, que tem sido crucial para impulsionar a bioeconomia na região.
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Alfredo Lopes: Carlos, tivemos essa semana a divulgação da Estratégia Nacional de Bioeconomia pelo governo federal, com a implementação do Decreto nº 12.044. Com isso algumas discussões têm surgido. Quais são os principais desafios que você enxerga que essa nova legislação enfrentará?
Carlos Gabriel Koury: Olhando a partir das tradicionais e seculares dificuldades da região, essa nova legislação surge como um grande passo. E pelo menos a princípio, anima! Anima quem está lutando por isso há tanto tempo como nós estamos. No entanto, existem alguns desafios críticos que precisamos explicar.
O Decreto embasa o que será tratado como bioeconomia pelo Brasil, definindo as diretrizes e objetivos, sem deixar de prever também os veículos para a implantação da estratégia, como a criação da Comissão Nacional de Bioeconomia, o Plano Nacional de Bioeconomia, e o Sistema Nacional de Informações e Conhecimento sobre Bioeconomia. Ele define esse termo como modelo de desenvolvimento econômico intimamente vinculado a valores de ética e inclusão, capaz de gerar produtos, processos e serviços com base no uso sustentável, na regeneração e na conservação da biodiversidade, norteado pelos conhecimentos científicos e tradicionais e pelas suas inovações e tecnologias.
Caso prefira: leia na íntegra o Decreto assinado nesta semana
Dessa forma temos um ordenamento ao que o Brasil passará a enquadrar como bioeconomia. E isso um grande passo. Nos permite ir a frente para sua implementação orientados pelos mesmos conceitos e princípios. Estamos falando a mesma língua agora.
Outro ponto importante é que as diretrizes definidas abordam diretamente os problemas enfrentados na prática do dia-a-dia de quem, como o Idesam, atua na implementação das cadeias produtivas de biodiversidade amazônica. Desafios enfrentados e que temos levantado como prioridade para destravar e promover a bioeconomia, passando pela capacitação profissional, a agregação tecnológica, a diversificação de atividades na cadeia produtiva, e principalmente, inclusão socioprodutiva com reconhecimento da cultura e do direito dos povos e populações tradicionais, e a conversão para sistemas produtivos de baixo carbono.
Promover instrumentos financeiros e econômicos que realmente incentivem a bioeconomia é outro tema que vale a pena mencionar. Significa criar mecanismos que tornem viável e atrativa a adoção de práticas sustentáveis por parte comunidades locais e sobretudo das empresas. Iniciativas como subsídios, linhas de crédito acessíveis e incentivos fiscais que permitam a transição para uma economia verde sem que isso signifique perdas financeiras imediatas para os envolvidos, será de grande ajuda.
Por último, a necessidade de aprimorar as articulações e cooperações entre o setor público, privado, acadêmico e a sociedade civil. Isso será mais do que crucial para que as diretrizes dessa nova estratégia de caráter nacional se concretizem. Precisamos de um esforço coordenado e contínuo para que essas políticas se traduzam em ações concretas. Esse Decreto se apresenta pra isso, com o Comissão Nacional de Bioeconomia.
Antes de tudo, o que é o PPBio?
O Programa Prioritário de Bioeconomia é uma iniciativa idealizada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) que busca oferecer oportunidades de negócios sustentáveis a partir do investimento em Bioeconomia para as empresas do Polo Industrial de Manaus que obrigatoriamente (Lei de Informática) precisam destinar parte de seu faturamento em Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento.
Para ler mais matérias sobre o programa, CLIQUE AQUI. E para acompanhar um pouco mais do trabalho deles, clique aqui.
Alfredo Lopes: Quais são as principais razões para o seu otimismo em relação a essa nova legislação? E também conte um pouco do trabalho no Programa Prioritário de Bioeconomia, que conta com sua liderança e coordenação do Idesam.
CGK: Há várias razões para otimismo. A nova legislação coloca um foco importante na inclusão social, na justiça e na valorização dos conhecimentos tradicionais. Pontos cruciais para garantir que os benefícios da bioeconomia sejam amplamente distribuídos, atingindo todos os segmentos da sociedade, das comunidades tradicionais aos pesquisadores e empreendedores de biotecnologia, passando também pelos investidores e educadores. Está definição traz todos pra dentro da bioeconomia, integrando agendas que são necessárias para a efetiva implementação da bioeconomia. Isso significa desenvolvimento sustentável de verdade, de forma ampla.
Aqui dou um destaque especial para a ciência e tecnologia, tão necessárias para a agregação de valor e conexão do conhecimento da floresta e da cidade. Temos na história da Amazônia a perda de receita de ativos locais por falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento. A borracha mudou o mundo mas não mudou a Amazônia. Atualmente o açaí tem a maior parte de sua agregação de valor também fora daqui. Os peixes ornamentais já passaram por essa situação, e o tambaqui segue pelo mesmo caminho.
Temos conhecimento suficiente na região para promover a agregação de valor localmente, mas esse conhecimento precisa de apoio, custeios, infraestrutura, capacitação empreendedora e integração de cadeias produtivas. Os resultados do PPBio mostram isso.
“A borracha mudou o mundo mas não mudou a Amazônia”
E o PPBio tem sido um pilar fundamental nesse cenário. Contando com o apoio da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus) e a supervisão do CAPDA (Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia), temos uma estrutura sólida para impulsionar projetos inovadores que podem transformar a Amazônia em um polo de bioeconomia sustentável. O programa direciona recursos obrigatórios de P&D para desenvolver novos produtos, serviços e negócios que utilizam a biodiversidade amazônica de forma sustentável.
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Diversos estudos do mundo já se debruçaram sobre o potencial trilionário da bioeconomia na Amazônia. Alguns afirmam que esses negócios podem faturar anualmente cerca de US$ 284 bi até 2050, exemplo.
Alfredo Lopes: O que diferencia o Programa Prioritário de Bioeconomia do IDESAM de outras iniciativas semelhantes?
CGK: O que realmente diferencia o nosso programa é a abordagem integrada que adotamos. Temos ajudado a Ciência e Tecnologia a se posicionar na cadeia produtiva, viabilizando desde a inclusão socioprodutiva de comunidades locais – com valorização e incorporação de seus conhecimentos e práticas tradicionais – até a agregação de valor para entregar à sociedade soluções de problemas de ampla ocorrência, como doenças da ordem de diabete e dores crônicas até alimentos saudáveis. Tudo com tecnologia de produção inovadoras. Necessariamente inovadoras.
A tese de impacto adotada pelo Idesam para a conduzir o Programa Prioritário de Bioeconomia da Suframa/MDIC busca não apenas promover a floresta em pé, mas também fortalecer cadeias produtivas locais, gerando emprego e renda para comunidades tradicionais, indígenas e ribeirinhas, acadêmicos e empreendedores. Estamos criando um ecossistema econômico resiliente e sustentável na Amazônia, onde a inovação e a sustentabilidade andam de mãos dadas.
Alfredo Lopes: Quais são os principais resultados alcançados até agora pelo Programa Prioritário de Bioeconomia?
CGK: Estamos muito satisfeitos com os resultados alcançados até agora. Na primeira temporada do programa, apoiamos de forma estruturada em 4 cadeias produtivas importantes para a Amazônia – castanha, açaí, óleos vegetais e reflorestamento -, e ainda outras 17 cadeias apoiando iniciativas específicas, como pescado, sistemas agroflorestais e frutas regionais. Ao todo 71 iniciativas foram apoiadas com mais de R$145 milhões investidos. Os negócios apoiados já movimentam alguns milhões de reais de faturamento anual.
Também promovemos a inclusão de mulheres e jovens nas atividades dessa economia, o que tem sido um grande diferencial. E pudemos levar esses resultados graças ao suporte do MDIC e a sensibilidade de 38 empresas do Polo Industrial de Manaus, o qual agradecemos imensamente.
Estamos muito satisfeitos com os resultados alcançados até agora. Na primeira temporada do programa, conseguimos implementar vários projetos de sucesso, incluindo iniciativas de agricultura regenerativa e manejo florestal sustentável. Também promovemos a inclusão de mulheres e jovens nas atividades de bioeconomia, o que tem sido um grande diferencial. Enfim, acabamos contando com um considerável investimento das empresas, projetos formidáveis apoiados e mais tantos outros em execução. E muita coisa a ser feita ainda. De certo este novo plano nos ajuda a concretizar esse objetivo com a floresta.
Além disso, nossos esforços para promover a repartição justa dos benefícios derivados do acesso ao patrimônio genético da Amazônia têm sido reconhecidos como modelos a serem seguidos. Também por isso conseguimos a renovação do contrato de coordenação do programa com a Suframa, isso significa que eles apoiam e acreditam no nosso trabalho.
Alfredo Lopes: Quais são as expectativas agora para o futuro do Programa Prioritário de Bioeconomia com a nova legislação em vigor?
CGK: São extremamente positivas. As diretrizes e objetivos para a bioeconomia do Brasil definidas na legislação passam a orientar melhor o trabalho do PPBio. Assim abre-se oportunidade para integrar as agendas fomentadas pelo programa com outras iniciativas do governo, e também da iniciativa privada, de setores que podem ter a Amazônia e seus ativos como agentes econômicos.
Agradecemos por poder contar com o suporte contínuo da Suframa e a supervisão do CAPDA. Temos um caminho longo pela frente, mas acreditamos que a Amazônia pode ser um exemplo global de bioeconomia sustentável.
Alfredo Lopes: Carlos, muito obrigado pela entrevista. Suas perspectivas são inspiradoras e nos dão uma visão clara do potencial transformador da bioeconomia na Amazônia.
Carlos Gabriel Koury: Eu que agradeço pela oportunidade de compartilhar nossas iniciativas. Estamos comprometidos em transformar a bioeconomia em um motor de desenvolvimento sustentável para a Amazônia e para o Brasil.
Carlos Gabriel Koury é engenheiro florestal formado pela USP, trabalha como Diretor Técnico no Idesam e coordenada o Programa Prioritário de Bioeconomia da Suframa
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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