Dos encaminhamentos finais do Fórum de Logística, organizado pelo CIEAM, ocorrido nos dias 2 e 4 de abril, ficou definida a adoção da dragagem para prevenir os danos de mais uma vazante como ocorreu em 2023. Anotada a presença da Capitania dos Portos, Antaq e DNiT, foram definidos os trechos a saber: no Rio Madeira, de Manicoré até a foz, e no Rio Amazonas, de Itacoatiara a Manaus. Uma questão ambiental sobre a dragagem foi levantada pelos organizadores do evento mas não foi explorada. Seus argumentos, porém, estão aqui anotados.
Anotações de Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
A iminência de mais uma vazante extrema dos rios da Amazônia colocou a dragagem em destaque nas discussões do último fórum sobre da Comissão de Logística do CIEAM. Enquanto essa técnica surge como uma resposta imediata para prevenir os danos vivenciados em 2023, seu planejamento e execução demandam uma abordagem meticulosa para evitar consequências socioambientais adversas.
A alternativa da dragagem, essencial para a manutenção e aprofundamento dos canais de navegação, enfrenta dilemas ambientais significativos. A composição dos sedimentos dragados, que inclui desde partículas minerais até resíduos tóxicos como mercúrio e cádmio, representa um risco potencial à saúde dos ecossistemas e das comunidades locais. As escolhas sobre onde e como dispor esses materiais requerem cuidadosa consideração dos impactos ambientais, incluindo alterações na qualidade da água e prejuízos à biodiversidade aquática.
A legislação ambiental, como a Resolução CONAMA nº 344, estabelece as diretrizes gerais e os procedimentos para a avaliação material a ser dragado em águas jurisdicionais brasileiras. Por isso, deve ser rigorosamente aplicada para garantir que os sedimentos dragados sejam tratados e, quando possível, reutilizados de maneira sustentável.
A dragagem cria um campo de tensão entre o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental. Enquanto facilita o comércio e a logística, pode comprometer os ecossistemas aquáticos e as economias locais dependentes de recursos naturais. Estes antagonismos necessitam de uma abordagem equilibrada, onde os benefícios logísticos não sobrecarreguem os sistemas naturais e sociais. Empreender na Amazônia implica sempre em precaução à vista da fragilidade do bioma, por isso são naturalmente ambientalistas aqueles que aqui empreendem.
E prevenção é a chave para uma gestão ambiental eficaz das atividades portuárias. Monitorar a qualidade da água e dos sedimentos, juntamente com uma seleção criteriosa do local de despejo, são etapas cruciais para minimizar os impactos negativos.
Para dar um exemplo, após garimpagem ostensiva do ouro ao longo dos anos, a presença de mercúrio no rio Madeira é uma questão ambiental séria que demanda atenção imediata devido aos riscos que representa à saúde humana e ao ecossistema. Esse metal pesado, encontrado frequentemente em atividades como mineração e na queima de combustíveis fósseis, pode acumular-se no ambiente aquático e na cadeia alimentar.
O metil mercúrio, sua forma orgânica mais tóxica, é particularmente perigoso, pois se liga a moléculas biológicas essenciais, afetando principalmente o sistema nervoso central, além de rins e fígado em mamíferos. A contaminação por mercúrio no rio Madeira não afeta apenas a fauna aquática, mas também as comunidades ribeirinhas que dependem do rio para alimentação e atividades cotidianas.
A dragagem é considerada uma atividade sensível pelo conjunto de metais e outros contaminantes depositados no leito dos rios da região. A proteção dos ecossistemas aquáticos e a saúde pública na região do rio Madeira dependem de uma gestão ambiental eficiente e da cooperação entre governos, organizações e comunidades locais.
Integração e inovação se impõem para mitigar os riscos associados à dragagem, com uma abordagem integrada e interdisciplinar.
Envolver comunidades locais, cientistas, empresas e governos no planejamento e na execução de projetos de dragagem vai proporcionar soluções mais sustentáveis e equitativas. A utilização de tecnologias avançadas e métodos menos invasivos pode reduzir os impactos ambientais, enquanto o tratamento, a reciclagem e o reuso de sedimentos dragados podem transformar potenciais riscos em benefícios ambientais e econômicos.
Enquanto a dragagem se apresenta como uma solução vital para os desafios logísticos da Amazônia, sua execução requer uma abordagem cuidadosa que equilibre as necessidades econômicas com a proteção ambiental e social. Transformar precauções em ações efetivas é essencial para garantir que a solução para um problema logístico não se transforme em uma nova crise socioambiental.
O diálogo entre as partes interessadas, incluindo comunidades locais, ambientalistas, empresas e governos, é fundamental para equilibrar as necessidades de desenvolvimento com a preservação ambiental. As decisões devem ser baseadas em evidências científicas sólidas e em uma compreensão abrangente dos ecossistemas amazônicos.
Portanto, enquanto a dragagem pode oferecer uma solução temporária para os desafios logísticos enfrentados pela Amazônia durante as vazantes extremas, ela não deve ser vista como uma panaceia. Seu planejamento e execução exigem uma avaliação cuidadosa dos riscos socioambientais, com um compromisso firme com a sustentabilidade ambiental e a equidade social para proteger este patrimônio único e frágil que é a Amazônia.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
Follow-up é publicada às quartas, quintas e sextas feiras no Jornal do Comércio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, editor do portal BrasilAmazoniaAgora
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