Uma forte defensora dos direitos da mulher e uma cientista amadora, Eunice Foote foi a primeira pessoa a constatar a correlação entre o aumento de CO2 na atmosfera e o aquecimento global. Entretanto, sua contribuição passou despercebida até 10 anos atrás.
Texto de Eduardo Robaina
Quatro termômetros, dois cilindros de vidro e uma bomba de vácuo. Este foi todo o equipamento necessário à norte-americana Eunice Newton Foote para concluir que quanto mais dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera, mais quente fica a Terra. Esta correlação leva ao que hoje conhecemos por aquecimento global da atmosfera, fenômeno responsável pela autal crise climática. Foote chegou a esta conclusão em 1856, há 165 anos.
No último dia 30 de setembro completaram-se 133 anos desde sua morte. Foote foi a primeira a contribuir com seu conhecimento para o entendimento atual do efeito estufa, da mudança climática, do clima e da meteorologia. No entanto, seu nome foi quase esquecido.
O mesmo não aconteceu com o cientista John Tyndall, que ao longo dos anos tem sido lembrado e honrado. Ele tem sido considerado o primeiro a identificar os gases responsáveis pelo efeito estufa, tais como vapor de água, metano e dióxido de carbono. Tyndall apresentou suas descobertas em 1859, três anos depois de Foote.
Eunice Newton nasceu em 17 de julho de 1819 em Goshen, uma pequena cidade no condado de Litchfield, Connecticut (EUA). Ela tinha seis irmãs e cinco irmãos. Seus pais eram o fazendeiro e empresário Isaac Newton Jr. e a dona-de-casa Thirza Newton. Em 1841, a pesquisadora casou-se com Elisha Foote, advogado de patentes e juiz. Como ela, ele também era um cientista amador.
Durante vários anos, Eunice estudou no Seminário Feminino de Troy (posteriormente renomeado Escola Emma Willard), onde as alunas eram encorajadas a freqüentar aulas em uma faculdade de ciências das proximidades. Lá ela aprendeu o básico da química e da biologia. No entanto, ela nunca adquiriu um grande conhecimento no campo da física.
Além de ser uma pioneira na ciência climática e pintora de retratos e paisagens, Foote foi uma feminista proeminente. Ela fez parte do Comitê Editorial da Convenção de Seneca Falls de 1848, um dos primeiros eventos sobre os direitos da mulher nos EUA. Ela também foi uma das mulheres que preparou (e assinou) a Declaração de Seneca Falls. O documento, que também foi assinado por seu marido, apelava pelos direitos civis, sociais, políticos e religiosos da mulher.
Três anos antes de qualquer outra pessoa
A investigação de Eunice Newton Foote sobre a correlação entre o aumento do CO₂ na atmosfera e o aquecimento global foi apresentada em novembro de 1856 na reunião anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência. O estudo foi intitulado Circunstâncias que afetam o calor dos raios solares. Entretanto, não foi ela quem apresentou suas descobertas, mas Joseph Henry, então diretor fundador do Smithsonian Institution.
Para seu experimento, Foote isolou os gases que compõem a atmosfera e os expôs aos raios solares, tanto na luz como na sombra. Ao medir a variação de temperatura, ela descobriu que o dióxido de carbono (anteriormente conhecido como gás ácido carbônico) e o vapor de água absorviam calor suficiente para que essa absorção pudesse afetar o clima. “Uma atmosfera de tal gás poderia dar à nossa Terra uma temperatura elevada; e como alguns supõem, em algum período de sua história o gás foi misturado ao ar em uma proporção maior do que a atual, de modo que um aumento de temperatura deve necessariamente ter resultado de sua própria ação e do aumento do peso do ar”, escreveu Foote nas conclusões de seu artigo.
Em 1859, três anos depois de Foote, o físico e químico britânico nascido na Irlanda John Tyndall publicou seu famoso trabalho intitulado Note on the Transmission of Radiant Heat through Gaseous Bodies, publicado no Proceedings of the Royal Society of London. Nele, Tyndall não citava o trabalho de Foote. “Com exceção da célebre memória de M. Pouillet sobre a Radiação Solar através da Atmosfera, nada, até onde eu sei, foi publicado sobre a transmissão de calor radiante através de corpos gasosos”, declarou ele em seu artigo.
Roland Jackson, cientista, historiador e biógrafo de Tyndall, publicou em 2019 um artigo intitulado Eunice Foote, John Tyndall e uma Questão de Prioridade. Nele, Jackson argumenta que “de uma perspectiva contemporânea, pode-se esperar que Tyndall tenha sabido de suas descobertas [de Foote]”. Mas parece que ele não o fez, o que levanta questões históricas mais profundas sobre as conexões e relações entre os físicos norte-americanos e europeus em meados do século 19″. Ele também acredita que “Eunice Foote foi prejudicada não apenas pela falta de uma comunidade acadêmica na América e pela má comunicação com a Europa, mas por dois outros fatores: seu gênero e seu status de amadora”.
Ao contrário de Eunice Foote – “uma mulher norte-americana amadora em um país sem muita infra-estrutura científica”, diz Jackson – Tyndall havia obtido seu doutorado na Universidade de Marburg e depois trabalhou lá, em Berlim e em Londres com alguns dos melhores físicos experimentais da época. Ao longo de sua carreira, ele teve acesso às melhores e mais modernas ferramentas, o que facilitou seu trabalho.
Como a renomada climatologista canadense Katharine Hayho observou no The New York Times, “a conclusão a que Foote chegou é correta, mas não foi realmente apoiada por sua experiência”, porque ela não fez distinção entre radiação visível e infravermelha, “e o efeito estufa se deve principalmente a esta última, não à primeira”. Já Tyndall captou com mais precisão como o dióxido de carbono e o vapor de água poderiam aquecer o planeta. Ainda assim, Hayho insiste que Eunice Foote “foi a primeira pessoa a dizer por escrito que se os níveis de dióxido de carbono fossem mais altos, o planeta seria mais quente”, o que ela chama de “uma conquista incrível”.
Eunice Foote como referência
Beatríz Hervella, graduada em física de partículas e porta-voz da Agência Estatal de Meteorologia da Espanha, fala da figura de Eunice Foote: “Além de sua importante descoberta, gostaria de destacar seu espírito crítico, sua mente aberta e sua falta de preconceito; estas características, típicas de um espírito científico, ela aplicou além de sua disciplina, por exemplo, na luta pelos direitos da mulher. Agradeço que seu importante papel esteja sendo gradualmente reconhecido publicamente e que ela esteja se tornando um ponto de referência visível.”
Dos 16 artigos de física publicados por mulheres norte-americanas no século XIX, apenas dois foram publicados antes de 1889, e ambos por Eunice Foote. Mas ela permaneceu completamente esquecida até 2011, quando o pesquisador independente Raymond Sorenson publicou um artigo resgatando seu trabalho.
Na época da experiência de Foote, a concentração de CO2 na atmosfera era de cerca de 290 ppm. Agora já passa dos 410 ppm. Não havia então nenhuma mudança climática. Agora há uma crise do clima. E devemos a ela a pedra fundamental para a compreensão do maior desafio de nosso tempo.
Fonte: ClimaInfo
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