“De pé ó vítimas da fome; De pé famélicos da terra”
Hino da Internacional Socialista
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O Dia Mundial da Alimentação começou a ser celebrado em 1981, como uma forma de conscientizar a população de que é preciso se manter informado em questões como nutrição e alimentação para manter a saúde em dia e para organizar a luta contra a fome. O Dia Mundial da Alimentação é comemorado em 16 de outubro em mais de 150 países. Esta data é marcada também pela criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.
A meta número 2 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de intenções aprovados pela ONU em 2015, estabelece como fim acabar com todas as formas de fome e má nutrição até 2030, de modo a garantir que todas as pessoas do mundo – especialmente as crianças – tenham acesso suficiente a alimentos nutritivos durante todos os anos. Para alcançar este objetivo, é necessário promover práticas agrícolas sustentáveis, por meio do apoio à agricultura familiar, do acesso equitativo à terra, à tecnologia e ao mercado.
O gráfico abaixo mostra que o número de pessoas passando fome ou subnutridas estava acima de 1 bilhão de pessoas no início da década de 1990 e caiu para 784 milhões nos anos de 2014 e 2015. Contudo, a tendência de queda foi revertida e o número subiu para 821 milhões em 2018. Os números continuam caindo na Ásia, mas sobem na América Latina e Caribe e na África Subsaariana.
Um estudo recente da Oxfam Internacional, realizado por conta da pandemia de covid-19, advertiu sobre o aumento da fome no planeta em função do surto pandêmico do novo coronavírus que gerou uma grande recessão global e lançou milhões de pessoas na pobreza extrema.
De acordo com dados da organização não governamental britânica, a crise alimentar que já vinha se acirrando nos últimos anos vai se agravar até o fim de 2020, pois um montante entre 6,1 mil e 12,2 mil pessoas poderão morrer diariamente de fome em decorrência dos impactos socioeconômicos da pandemia.
O gráfico abaixo mostra o aumento do Índice de Preço dos Alimentos da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) em 2020. O Índice de Preços de Alimentos teve média de 97,9 pontos em setembro de 2020, dois pontos (2,1 por cento) acima de agosto e 5% acima de seu valor um ano atrás. O valor de setembro, o maior desde fevereiro de 2020, representou o quarto aumento mensal consecutivo. Preços muito firmes de óleos vegetais e cereais estiveram por trás do último aumento do FFPI. Em contraste, os preços dos produtos lácteos permaneceram estáveis em geral, enquanto os do açúcar e da carne recuaram em relação aos níveis de agosto. O Índice tende a ser o maior dos últimos 5 anos.
O aumento do preço dos alimentos foi muito sentido no Brasil. Segundo o IBGE, o arroz ficou quase 20% mais caro desde o início do ano, o preço do feijão mulatinho subiu 32,6%, da abobrinha, 46,8%, e da cebola, 50,4%. As razões para esse comportamento estão ligadas, de forma direta e indireta, à pandemia — o que significa que o impacto pode se estender pelos próximos meses, embora haja dúvidas sobre um aumento persistente dos preços no curto prazo.
No longo prazo, as maiores ameaças à segurança alimentar vem das mudanças climáticas. Não só os efeitos climáticos extremos (como tempestades, secas, furacões, incêndios florestais, etc.) e o aquecimento global.
O artigo de Agnolucci e colegas (15/09/2020), “Impacts of rising temperatures and farm management practices on global yields of 18 crops”, publicado na revista Nature Food, mostra que as mudanças climáticas podem provocar a diminuição da produção agrícola global. Os países que já lutam com baixas safras serão os mais afetados pelo aquecimento do clima. Os pesquisadores avaliaram os rendimentos globais de 18 das culturas mais cultivadas – trigo, milho, soja, arroz, cevada, beterraba sacarina, mandioca, algodão, amendoim, painço, aveia, batata, leguminosas, colza, centeio, sorgo, girassol e batata-doce – culturas que, juntas, representam 70 por cento da área de cultivo global e cerca de 65 por cento da ingestão calórica global.
Os autores descobriram que as mudanças climáticas não só prejudicarão a capacidade dos agricultores de manter as safras atuais, mas também que os países que já enfrentam a insegurança alimentar serão afetados de forma desproporcional. Os pesquisadores investigaram as variações de temperatura, mas não examinaram os impactos do clima nos padrões de precipitação ou outros fenômenos climáticos como enchentes ou secas. Os países com maior impacto negativo na maioria das safras foram os da África Subsaariana e alguns países da América do Sul e do Sul da Ásia, como Índia, Brasil, Indonésia e Venezuela, entre outros.
O relatório “Climate Change and Land”, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, publicado dia 08 de agosto de 2019, também mostrou que existe um efeito perverso de retroalimentação entre a produção de alimentos e o aquecimento global. A crescente produção de comida agrava as mudanças climáticas e estas ameaçam a produção de alimentos. O relatório mostrou, de forma transparente, que o crescimento da população mundial e o aumento do consumo per capita de alimentos (ração, fibra, madeira e energia) têm causado taxas sem precedentes de uso de terra e água doce, com a agricultura atualmente respondendo por cerca de 70% do uso global de água doce. O aumento da produção e consumo de alimentos contribuíram para o aumento das emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE), perda de ecossistemas naturais e diminuição da biodiversidade.
Em síntese, o avanço científico e tecnológico aliado ao uso generalizado dos combustíveis fósseis possibilitou a redução da fome no mundo, que atingiu o nível mais baixo da história em 2015. Porém, a insegurança alimentar e a desnutrição global aumentou nos últimos 4 anos e pode aumentar muito no futuro próximo. A biocapacidade da terra está diminuindo e os meios naturais para o sustento da humanidade estão definhando. O futuro pode trazer notícias desagradáveis em relação à segurança alimentar, especialmente para os países que apresentam acelerado crescimento populacional e taxas de fecundidade acima do nível de reposição.
Mas diante do ataque populista ao multilateralismo e diante das dificuldades da governança global, o prêmio Nobel da Paz de 2020 foi concedido ao Programa Mundial de Alimentos da ONU, no dia 09/10, pelo combate a fome no mundo. Segundo a Academia Sueca, o programa foi premiado pelos seus esforços para combater a fome, pela sua contribuição para melhorar as condições para a paz em áreas afetadas por conflitos e por atuar como força motriz nos esforços para prevenir o uso da fome como arma de guerra e conflito. A organização atua em situações de emergência e em países afetados por conflitos, onde há mais risco de desnutrição.
Na análise do Programa Mundial de Alimentação a situação da insegurança alimentar aumentou com a pandemia de Covid-19 que, em 2020, fechou fronteiras, parou economias inteiras e deixou populações sem trabalho e sem renda. Três fatores foram determinantes para o aumento da fome: incremento dos conflitos no mundo; impacto das mudanças climáticas e a deterioração da situação econômica e social em alguns desses países.
O fato é que a emergência sanitária vai passar, mas a emergência climática vai continuar, deve degradar os solos e as fontes de água potável e vai gerar ondas de calor cada vez mais severas, devendo pressionar o preço dos alimentos, aumentar a fome no mundo e, provavelmente, engendrar mais vidas perdidas do que a pandemia da covid-19.
Fonte: EcoDebate
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