“Qual é a possibilidade de se instaurar uma nova revolução tecnológica na Amazônia a partir da recuperação fabril dos semicondutores? A resposta está no meio de nós, sem a menor conformidade com a dúvida cartesiana. De quebra, Manaus, num futuro não muito distante, poderia resgatar a vaidade de ser o maior Polo Tecnológico EletroBioEletrônico da América do Sul”.
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
Em um mundo cada vez mais interconectado, a indústria de semicondutores se torna uma peça central no tabuleiro geopolítico global. Diante da necessidade de diversificação da cadeia de suprimentos, a Malásia – quem diria? – se destaca como um exemplo de sucesso no desenvolvimento de uma indústria de semicondutores robusta, evoluindo de atividades de montagem e testagem para o design e fabricação de wafers e circuitos integrados. Este avanço representa um salto em valor agregado e uma atração magnética para investimentos globais, tendo Penang, uma antiga Zona Franca, capturado notáveis US$ 12,8 bilhões em investimento estrangeiro direto apenas em 2023.
Este panorama oferece uma lição valiosa para Manaus e para o Brasil. Com sua longa história como Zona Franca e um polo eletroeletrônico que já foi o maior da América Latina, já estabelecido, Manaus possui a infraestrutura básica e a experiência industrial para se posicionar como uma alternativa viável na América do Sul para a produção de semicondutores. Inspirada pelas histórias paralelas da Amazônia e da Malásia, uma nova frente de luta emerge, propondo transformar o Polo Industrial de Manaus no novo epicentro de inovação em semicondutores do continente.
Esta frente busca fortalecer a economia local e também assegurar uma posição estratégica no mercado global de tecnologia. Para que isso se torne realidade, é essencial um compromisso de maior atração de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, atração de talentos nacionais e internacionais e a criação de parcerias estratégicas com empresas líderes do setor. Não podemos esquecer, o crescimento frenético do polo digital de Manaus – um dos maiores do país – com uma grife que traduz avanços significativos na direção da floresta. Este ano teremos a terceira Expo Amazônia Bio&Tic, uma vitrine dessa movimentação promissora.
Além disso, a formação de uma mão de obra altamente qualificada se faz necessária para sustentar e expandir as capacidades produtivas locais. Portanto, diante das crescentes restrições à tecnologia chinesa e da busca por alternativas confiáveis, Manaus pode se posicionar como um hub vital na cadeia global de suprimentos de semicondutores, redefinindo seu papel no mercado global e trazendo prosperidade e inovação tecnológica para a região. A iniciativa não apenas alinharia Manaus com as necessidades globais de diversificação da produção de semicondutores, mas também marcaria um passo significativo na transformação econômica sustentável e de alta tecnologia da Amazônia.
Com todos os seus desastres climáticos, o Rio Grande do Sul investe pesadamente em qualificação de seus jovens, precisamente nesta área de inovação tecnológica. O mesmo precisamos fazer mais ainda na Zona Franca de Manaus, radicalizando a aproximação estratégica entre Polo Digital, Polo Industrial e Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), além dos demais centros e institutos acadêmicos e de pesquisa.
O aumento das restrições dos EUA à tecnologia chinesa, especialmente em semicondutores, tem tornado a Malásia um destino ainda mais atraente. Empresas não apenas da China, mas também da Coreia, Japão e do Ocidente estão estabelecendo ou expandindo operações em Penang, motivadas pela necessidade de encontrar alternativas seguras e estáveis para a produção de componentes de alta tecnologia.
A política também joga um papel complexo nessa dinâmica. Enquanto a Malásia se beneficia dos investimentos estrangeiros, principalmente dos EUA, existe uma preocupação constante com as possíveis pressões e restrições adicionais que podem ser impostas pela influência crescente de empresas chinesas na região. Isso cria um equilíbrio delicado para Kuala Lumpur, que deve navegar entre alinhar-se com os interesses ocidentais enquanto gerencia suas relações com a China.
O que se deu com a Malásia, beneficiada pela guerra dos semicondutores entre os Estados Unidos e a China, exemplifica como uma nação pode redefinir seu papel econômico global através da diversificação e especialização industrial. Este caso é particularmente ilustrativo quando consideramos a história de como os ingleses se apropriaram das sementes de seringueira da floresta amazônica, levando-as para cultivo nos seus domínios tropicais asiáticos. Lá obtiveram grandes lucros — um contraste com a Malásia, que, apesar de menos beneficiada inicialmente, agora surge como uma potência na indústria de semicondutores.
Essa transformação oferece lições valiosas para a região, especialmente no contexto da atual onda de industrialização que privilegia a sustentabilidade e a integração de bases florestais. Em meio aos países tropicais da Ásia que estão expandindo suas indústrias, surge a oportunidade de construir uma indústria sustentável que equilibre economia e ecologia, refletindo práticas que a Amazônia sempre buscou adotar. A movimentação política parlamentar em torno deste tema, incentivando debates e argumentações junto ao BNDES sobre os benefícios de investir em uma indústria de semicondutores, poderia ser uma força transformadora.
Os benefícios incluiriam não apenas a geração de empregos e o estímulo à inovação, mas também a proteção ambiental. Esta abordagem alinha-se perfeitamente aos objetivos da Nova Indústria Brasil, uma política do governo que visa a reduzir a dependência tecnológica e fortalecer a soberania tecnológica nacional. Já mencionamos aqui as promessas da empresa Adata, líder global na produção de memórias, com presença significativa em Taiwan, China e Brasil, que planeja investir R$ 374 milhões na fabricação de semicondutores, com o BNDES financiando 77% deste valor.
Esse investimento teria o potencial de revitalizar o Polo Industrial de Manaus, onde a produção local de semicondutores poderia integrar e potencializar a malha fabril já existente. A experiência de Manaus na produção inicial de celulares por gigantes tecnológicos como Nokia, LG e Samsung é um testemunho da capacidade técnica e inovadora da região. Os semicondutores eram fabricados aqui. Embora a fase pioneira tenha sido seguida por um declínio devido à concorrência asiática, a infraestrutura e o conhecimento permanecem.
Isso posiciona Manaus de maneira única para se beneficiar de uma nova onda de investimentos em tecnologia avançada, consolidando sua posição como um centro de inovação e produção tecnológica no Brasil. Em suma, o diálogo entre “chip e cipó” no Polo Industrial de Manaus representa uma oportunidade excepcional para alavancar a história e os recursos da região em prol de um desenvolvimento econômico sustentável e tecnologicamente avançado, respeitando e integrando os princípios de equilíbrio ecológico que têm sido parte da visão amazônica.
Respondamos entre os limites constitucionais da ZFM: Qual é a possibilidade de se instaurar uma nova revolução tecnológica na Amazônia a partir da recuperação fabril dos semicondutores? A resposta está no meio de nós, sem a menor conformidade com a dúvida cartesiana. De quebra, Manaus, num futuro não muito distante, poderia resgatar a vaidade de ser o maior Polo Tecnológico EletroBioEletronico da América do Sul.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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