E se não houvesse a Zona Franca de Manaus? Entrevista com Nelson Azevedo

Nelson Azevedo é empresário, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM) e uma das mais respeitadas lideranças da Zona Franca de Manaus (ZFM). Com mais de 40 anos de atuação no setor produtivo, tornou-se referência nacional na luta pela diversificação, adensamento e regionalização da economia amazônica. Ao longo de sua trajetória, tem defendido o fortalecimento do Polo Industrial de Manaus como plataforma estratégica de desenvolvimento sustentável, articulando políticas de inovação, educação, interiorização e bioeconomia.

zona franca de manaus

É reconhecido por sua capacidade de dialogar com os setores público e privado, e por atuar com firmeza e equilíbrio na defesa de um modelo que concilia geração de emprego, arrecadação e preservação ambiental. Azevedo é autor de propostas e ações que visam transformar os incentivos da ZFM em motores de valor agregado, formação de capital humano e ampliação da presença do Estado brasileiro na Amazônia. Para ele, o futuro da região depende de um novo ciclo industrial comprometido com a floresta em pé e com a inclusão social e produtiva de toda a população amazônida. Acompanhe a entrevista abaixo

O que aconteceria com a economia do Amazonas se não houvesse a Zona Franca de Manaus?

Nelson Azevedo: Seria o colapso imediato de uma economia que, hoje, tem no Polo Industrial de Manaus sua base de sustentação. Estamos falando de 138 mil empregos diretos, cerca de meio milhão de postos totais e mais de 85% do PIB do estado. Acabar com a Zona Franca seria condenar a Amazônia à estagnação e o Brasil a abrir mão da presença econômica mais sólida que temos no Norte do país.

A crítica de que a ZFM é uma renúncia fiscal bilionária ainda persiste. Como o senhor responde a isso?

Nelson Azevedo: Essa é uma narrativa simplista e mal-intencionada. A Zona Franca não é uma renúncia. É uma escolha constitucional de desenvolvimento regional. Em vez de pagar imposto em Brasília, geramos emprego, educação, arrecadação local e alternativas produtivas. Em 2023, o Amazonas arrecadou R$ 17,5 bilhões em tributos federais. Somos o maior arrecadador do Norte e do Nordeste. O problema não é a Zona Franca – é o desconhecimento sobre ela.

O Polo Industrial é chamado de “âncora econômica”. Na prática, o que isso significa?

Nelson Azevedo: Significa que sem a indústria, Manaus afunda. E o interior do estado perde qualquer chance de conexão com o futuro. A indústria sustenta o comércio, os serviços, o transporte, a arrecadação e, em muitos casos, a própria sobrevivência urbana. Isso é ser âncora.

Quantos empregos estariam em risco com o fim da Zona Franca?

Nelson Azevedo: Mais de 500 mil empregos diretos e indiretos. Sem exagero. E não estamos falando só da linha de montagem. É o motorista, o microempreendedor, o estudante da UEA, o fornecedor de serviços, a indústria criativa, o comércio do bairro. O impacto seria devastador.

O Amazonas é um dos maiores arrecadadores do país. Como o senhor explica esse paradoxo: beneficiário de incentivos e campeão de arrecadação?

Nelson Azevedo: Porque somos um modelo fiscalizado, regulado e que paga tributo sobre tudo o que produz. A diferença é que reinvestimos parte disso na própria região. Mas, sim, a Receita Federal e a Sefaz acompanham tudo com lupa. Aqui não tem paraíso fiscal — tem paraíso da fiscalização.

O modelo beneficia só a capital? E o interior?

Nelson Azevedo: Isso é meia verdade. O Polo Industrial já financia a UEA, o Fundo de Interiorização, o Fundo de Promoção Social, e programas de apoio à bioeconomia e tecnologia da informação. Agora, claro: precisamos dar um passo adiante. Interiorizar de verdade. Produzir fora da capital. Transformar o potencial em PIB. E isso requer política pública, não só discurso.

Diversificar a economia é possível com a ZFM?

Nelson Azevedo: É não só possível — é necessário. A Zona Franca é o que nos permite diversificar. Sem ela, não temos infraestrutura, capital, nem escala. Com ela, podemos ancorar novos arranjos produtivos: bioeconomia, turismo, mineração sustentável, energias renováveis. A Zona Franca não é o fim. É o meio.

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A Zona Franca ajuda a proteger a floresta?

Nelson Azevedo: Sim, mas não por decreto. Ajuda porque oferece outra forma de gerar riqueza, sem precisar invadir, queimar ou extrair ilegalmente. Os dados mostram uma redução modesta do desmatamento associada à formalização da indústria, mas o principal é que ela mantém gente ocupada e cidade funcionando. Isso é proteção indireta, mas poderosa.

A comunicação da indústria tem falhado?

Nelson Azevedo: Temos que admitir que sim. Falamos pouco, explicamos mal e deixamos espaço para narrativas falsas. Mas isso está mudando. Estamos mais articulados, mais atentos. O Brasil precisa saber o que está em jogo. Se a indústria não se comunica, será comunicada — pelos adversários.

O que o senhor diria a quem defende o fim da ZFM?

Nelson Azevedo: Diria: venha passar uma semana aqui. Fale com quem trabalha, estuda, empreende. Olhe nos olhos de quem sustenta sua família graças a esse modelo. Tirar a Zona Franca é tirar a base da economia legal na Amazônia.

Nelson Azevedo
Nelson Azevedo
Nelson Azevedo é economista, empresário, presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM

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