Compensação por Serviços Ambientais valoriza papel de agroextrativistas na Amazônia. Mapeamento aponta áreas promissoras para plantio sustentável de castanheiras, fortalecendo a bioeconomia regional.
A compensação por Serviços Ambientais (SA) oferecidos pelos agroextrativistas da castanha-da-amazônia (castanha-do-pará) pode ser realizada não somente através de recursos financeiros, mas também mediante investimentos em energia, transporte, comunicação, saneamento e outras necessidades estruturais dos territórios onde há uma presença significativa de florestas com castanhais.
Desafios de infraestrutura
Nestas regiões, mesmo após décadas de iniciativas de desenvolvimento sustentável, uma grande parcela dos habitantes da floresta permanece sem acesso a infraestruturas básicas. Esta é uma das constatações de um estudo que agrega diversas pesquisas sobre formas de compensação pelos serviços ecossistêmicos e serviços ambientais associados aos castanhais e ao extrativismo da castanha na Amazônia.
“Tais oportunidades, bem como o pagamento direto pela prestação dos serviços ambientais, podem ser avaliadas em função das políticas públicas e na perspectiva do mercado privado”, enfatizam os autores do artigo “Serviços ecossistêmicos da floresta com castanheiras e serviços ambientais prestados pelos agroextrativistas – manejadores e guardiões da floresta em pé”. O texto foi incorporado como um capítulo do Volume I da coleção digital “Castanha-da-amazônia: estudos sobre a espécie e sua cadeia de valor”, lançada pela Embrapa em julho de 2023.
Regeneração dos castanhais
A contribuição do agroextrativismo (agricultura itinerante integrada à floresta) para a renovação dos castanhais é percebida pelos autores como um serviço ambiental crucial. Eles concluíram, após análise dos resultados de pesquisas realizadas na Reserva Extrativista do Rio Cajari (sul do Amapá) e em outros locais da floresta amazônica, que a regeneração e o crescimento de castanheiras são mais expressivos em áreas de cultivo e em capoeiras abandonadas na agricultura itinerante, do que dentro das florestas.
Conforme os dados coletados, as pequenas clareiras criadas pela agricultura itinerante favorecem o processo de colonização das castanheiras e a formação natural de novos castanhais, após a abertura e pousio das áreas. “Neste contexto, é crucial garantir períodos de pousio adequados para a recuperação da biomassa e do carbono emitido durante a abertura das áreas, bem como o controle do fogo na área que necessita ser preparada para plantio”, alerta Marcelino Guedes, pesquisador da Embrapa Amapá.
Agroextrativismo como serviço ambiental
Com essas precauções, o modo de vida agroextrativista, especialmente quando aliado a tecnologias socioprodutivas de manejo integrado, pode ser considerado um serviço ambiental que contribui para a formação dos castanhais e a conservação da floresta. Um exemplo dessa modalidade de tecnologia é a técnica “Castanha na Roça”, disseminada pela Embrapa Amapá.
Definições e legislação
De acordo com a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, do inglês Brazilian Platform on Biodiversity and Ecosystem Services), os serviços ecossistêmicos são as contribuições diretas e indiretas da Natureza para o bem-estar humano. Alguns exemplos incluem alimentos, água doce, regulação do clima, polinização, além da manutenção da biodiversidade e os benefícios não materiais, como a contemplação da natureza, por exemplo.
Os serviços ambientais são vistos como um subconjunto de serviços ecossistêmicos gerados como externalidades positivas de atividades humanas. Essa é a interpretação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, legislação brasileira que aborda a temática e define os serviços ambientais como “atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos”, sendo que esses serviços podem receber compensação financeira, também denominada pagamento por serviços ambientais.
Assim, os serviços ecossistêmicos da floresta de castanheiras referem-se às espécies ou à castanheira-da-amazônia. Já os serviços ambientais são prestados pelos agroextrativistas, pelas comunidades que vivem, protegem e coletam diversos produtos nessa floresta; por isso, são considerados os guardiões da floresta em pé.
Conservação e participação comunitária
Outro serviço ambiental relevante prestado pelos agroextrativistas está ligado à participação dos castanheiros na criação e na gestão de Unidades de Conservação de Uso Sustentável (UCs), como as reservas extrativistas. No Amapá, por exemplo, os castanheiros auxiliaram na criação de um mosaico de UCs de uso sustentável com cerca de 2 milhões de hectares de florestas protegidas, onde um grupo de agroextrativistas se dedica à coleta e comercialização da castanha-da-amazônia.
Essas áreas de extração abrangem pelo menos 4 mil famílias, que se beneficiam de sua cadeia de valor. Na Amazônia, as UCs e as áreas indígenas com extrativismo da castanha somam dezenas de milhões de hectares. Com base nos dados coletados em 2019, foram identificadas 74 UCs e 50 terras indígenas com presença confirmada de castanheiras. “Dessa maneira, é fundamental reconhecer a importância do agroextrativismo e dos serviços ambientais prestados pelas famílias castanheiras para a preservação dessa valiosa floresta”, enfatizou.
Provisão alimentar e serviços ecossistêmicos
Entre as quatro categorias de serviços ecossistêmicos conhecidas – provisão, regulação, cultural e suporte – a provisão se destaca notavelmente entre todos os serviços oferecidos pelas florestas de castanheiras, através da vasta produção de castanha. Segundo o programa Avaliação Ecossistêmica do Milênio, é na provisão que se enquadram os benefícios como alimentos, água, combustíveis, fibras e recursos genéticos e bioquímicos.
A castanha é colhida em toda a bacia amazônica, com destaque para o Brasil, Peru e Bolívia. Os autores do artigo enfatizam que “quase toda a produção provém do extrativismo em florestas nativas, representando uma atividade de alta importância socioeconômica para as comunidades tradicionais da Amazônia”.
Eles documentam que a castanha é uma fonte de renda e segurança alimentar para as populações tradicionais, incluindo comunidades indígenas e produtores rurais imigrantes, além de ser um componente de reprodução cultural das comunidades extrativistas, devido à atividade passada de geração em geração.
A publicação ressalta que as castanhas são consideradas um “superalimento”, devido às altas concentrações de compostos lipídicos e proteicos, e altos níveis de selênio e outros elementos antioxidantes.
“Particularmente, o selênio tem sido associado ao combate ao envelhecimento celular, combate aos radicais livres e proteção do cérebro contra doenças neurodegenerativas, além de ser apontado como um mineral antioxidante importante para a prevenção de alguns tipos de câncer e apresentar outras funções potenciais”, destaca o artigo.
As castanheiras também garantem outros serviços ecossistêmicos, como a manutenção da diversidade biológica (provisão de recursos genéticos e bioquímicos) e a conservação do solo e da água, além de serviços culturais, de regulação climática e biológica da fauna, com destaque para as cotias e grandes abelhas nativas, conhecidas como mamangavas, que possuem relações ecológicas específicas com as castanheiras.
Além disso, também oferecem serviços de suporte, como, por exemplo, a ciclagem de nutrientes e produção primária. “Assim, é possível comprovar que as áreas onde existem castanheiras representam florestas de alto valor para a bioeconomia, para a manutenção sociocultural dos castanheiros e para a estabilidade ecológica do ecossistema”, afirmam os autores.
A pesquisadora Kátia Emídio, da Embrapa Amazônia Ocidental, coordenou estudos na Amazônia sobre a diversidade vegetal associada às castanheiras, como subsídio à conservação e ao manejo dos castanhais e à quantificação de serviços ecossistêmicos associados aos castanhais.
Ela, que também é uma das editoras da coleção de livros sobre a castanha-da-amazônia, explica que a biodiversidade está relacionada com o número de espécies presentes e, quanto maior esse número, maior também é o número de estratégias para explorar os recursos do ambiente, a fim de manter os serviços ecossistêmicos.
Os estudos demonstram que o uso dos castanhais favorece a dinâmica florestal de espécies associadas às castanheiras. “Dessa forma, o manejo sustentável de castanhais nativos deve ser cada vez mais valorizado, inclusive sob a perspectiva da prestação de serviços ambientais, seja na atração de polinizadores ou por outras interações que têm reflexos positivos na produção de frutos”, relata a pesquisadora, acrescentando que a compreensão disso pode elucidar melhor as relações entre as castanheiras e as demais espécies vizinhas.
Mapeamento para plantio sustentável
Uma das joias da floresta amazônica, a castanheira-da-amazônia possui um valor cultural, econômico e de prestação de outros serviços ecossistêmicos inestimável, beneficiando não apenas a região, mas, em conjunto com todas as demais espécies florestais no bioma amazônico, contribuem para a regulação do clima em todo o planeta.
Atentas a essa importância, um grupo de instituições de pesquisa, incluindo a Embrapa, elaborou um mapa que indica áreas com alto, médio e baixo potencial para plantio de castanheiras e restauração de áreas desmatadas na Amazônia.
Os pesquisadores afirmam que a inclusão da espécie, seja em plantios isolados ou como componente dos sistemas agroflorestais em estratégia de restauração produtiva, pode tornar a Amazônia uma referência na Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), potencializando ganhos econômicos e a bioeconomia na região.
Clique aqui para acessar o estudo completo.
A pesquisadora Lucieta Guerreiro Martorano, da Embrapa Amazônia Oriental, uma das autoras do estudo, comenta que o mapa é uma contribuição científica da Embrapa e instituições parceiras aos tomadores de decisão, sejam instituições públicas ou privadas.
Os estudos apontam que a pressão causada pela ação humana, associada ao processo de desenvolvimento da região, ocasionou a supressão de 47% das castanheiras inventariadas pelo projeto RadamBrasil, evidenciando perdas de serviços ecossistêmicos prestados nas áreas com castanhais nativos nas décadas de 1970 e 1980.
Criado em outubro de 1970, o projeto Radam – Radar na Amazônia – acompanha sistematicamente a coleta de dados sobre recursos minerais, solos, vegetação, uso da terra e cartografia da floresta amazônica.
Segundo Martorano, o mapa foi construído com base na análise das condições topoclimáticas, ou seja, as condições de tempo e clima de um local, associadas ainda ao relevo de uma determinada região, aplicadas sobre os 20% de áreas alteradas pela ação humana (antropizadas), em toda a Amazônia Legal.
E o resultado, afirmam os cientistas, é a viabilidade de recuperar esse passivo ambiental e, com ele, os serviços ecossistêmicos e ainda aferir renda nesse processo.
O mapa indica que, sobre o passivo existente, 48% das áreas têm alto potencial para o plantio das castanheiras, visando ao pagamento por serviços ambientais (PSA). Outras 37% têm médio potencial e, em apenas 15% das áreas, o potencial é considerado baixo.
“Assim, considerando-se os cerca de 20% de áreas antropizadas, ou seja, o total com base nos percentuais de todos os estados da Amazônia Legal, é possível plantar castanheiras apoiadas pela política de PSA”, enfatiza Martorano.
A pesquisadora explica que, para se chegar a esses dados, foram analisadas variáveis climáticas como a temperatura do ar que varia com a altitude, chuva anual, mensal e trimestral, deficiência hídrica, entre outras. “As análises consideraram fatores associados às condições topoclimáticas para recomendar os locais mais propícios aos plantios dessa valiosa espécie nativa da Amazônia”, conta a cientista.
Os ecossistemas naturais oferecem uma variedade de bens e serviços importantes para o bem-estar humano, chamados de serviços ecossistêmicos. De acordo com a pesquisadora, espera-se que o mapa seja uma das bases de planejamento para fomentar polos bioeconômicos estratégicos, nas áreas com alto potencial nos estados da Amazônia.
“O mapa indica onde é possível fortalecer a bioeconomia na região usando as áreas potenciais para os plantios de castanheiras e, assim, conquistar os potenciais benefícios econômicos e socioambientais”, defende Martorano.
Com informações da Embrapa
Comentários