Após meses de uma das mais severas estiagens registradas na Amazônia, os principais rios da região apresentam sinais de recuperação. Esse recomeça na Amazônia reacende a esperança, mas também evidencia os desafios que persistem diante das mudanças climáticas
Após meses de uma das mais severas estiagens registradas na Amazônia, os principais rios da região apresentam sinais de recuperação, permitindo a retomada parcial do transporte fluvial, essencial para a economia local e nacional. Contudo, os impactos das mudanças climáticas continuam a ameaçar não apenas a logística, mas também a vida das comunidades ribeirinhas e a biodiversidade.
Recuperação gradual na navegação fluvial
A melhoria nos níveis dos rios Madeira, Negro e Tapajós traz alívio ao setor de transporte de grãos, mas de forma desigual. Segundo informações da Reuters, o rio Tapajós, que enfrentava interrupções desde outubro, retomou as operações de transporte de soja e milho, mas ainda com apenas 50% da capacidade. Este é um dos principais corredores logísticos para o escoamento de grãos produzidos no Mato Grosso.
No rio Madeira, a recuperação foi mais significativa. Após interrupções desde setembro, o transporte voltou a operar com 100% da capacidade, permitindo o fluxo de grãos do oeste de Mato Grosso e Rondônia até os terminais exportadores do Amazonas. Já o rio Negro, que alcançou seu nível mais baixo em 120 anos de medições, apresenta uma recuperação expressiva: mais de dois metros de aumento apenas em novembro, chegando a 14,26 metros, segundo o G1. A melhoria permitiu a retomada do tráfego de navios cargueiros em Manaus, um ponto crucial para a economia regional.
Impactos econômicos e necessidade de infraestrutura
A seca expôs a fragilidade da infraestrutura fluvial da região, reacendendo debates sobre investimentos estratégicos. O Amazonas, que tem ampliado sua participação nos embarques nacionais de grãos, foi duramente afetado. O transporte interrompido impactou diretamente a economia regional, que depende do escoamento de produtos agrícolas. Contudo, como destaca o InfoMoney, os efeitos econômicos poderiam ter sido ainda mais severos se grande parte da soja brasileira não tivesse sido embarcada antes de outubro.
Especialistas defendem que, além de ações emergenciais, a região necessita de planejamento para adaptar sua infraestrutura às condições climáticas extremas que têm se tornado mais frequentes.
A estiagem não impactou apenas o transporte e a economia. A crise humanitária gerada pelo fenômeno é alarmante. Segundo o Boletim Estiagem 2024, divulgado pelo governo do Amazonas, mais de 850 mil pessoas foram diretamente afetadas pela descida das águas, com os 62 municípios do estado em estado de emergência. Além disso, 69% dos municípios amazônicos enfrentam índices de seca mais severos do que os registrados em 2023, conforme o Um Só Planeta.
Para as comunidades ribeirinhas e indígenas, a falta de acesso à água potável, alimentos e transporte é um desafio diário, agravado pela previsão de que a estiagem se intensifique até dezembro, segundo o Serviço Geológico Brasileiro (SGB).
Chuvas irregulares e alterações climáticas
Embora os níveis dos rios estejam subindo, as chuvas continuam abaixo da média histórica para este período, conhecido como “inverno amazônico”. Leonardo Vergasta, meteorologista do LABCLIM (Laboratório de Modelagem do Sistema Climático Terrestre) da Universidade do Amazonas, explica que o aquecimento anômalo do Oceano Atlântico Tropical Norte está atrasando o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), sistema responsável por trazer chuvas à região.
“As chuvas deveriam ser regulares neste momento, mas estão muito abaixo do esperado devido ao aquecimento do Atlântico Tropical Norte. Isso impacta diretamente o ciclo hidrológico da Amazônia, resultando em estiagens mais severas e períodos chuvosos menos intensos”, afirmou Vergasta
Impactos severos na biodiversidade
Além das consequências econômicas e sociais, a estiagem trouxe um impacto sem precedentes para a fauna amazônica. Em 2023, 209 golfinhos de água doce, incluindo botos-cor-de-rosa e tucuxis, foram encontrados mortos na região de Tefé (AM), segundo o Mongabay Brasil. O evento de mortalidade em massa foi atribuído ao superaquecimento das águas, que ultrapassaram os 40°C, um ambiente letal para essas espécies.
Com uma taxa de reposição anual de apenas 5%, a perda de mais de 200 indivíduos representa uma ameaça crítica para a sobrevivência dessas populações. Ambas as espécies constam na lista vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) como ameaçadas de extinção.
A recuperação parcial dos rios é um sinal positivo, mas insuficiente para reverter os danos causados pela estiagem histórica. A combinação de eventos climáticos extremos, irregularidades no ciclo hidrológico e aumento das temperaturas reforça a necessidade de estratégias robustas de adaptação e mitigação.
Especialistas alertam que os impactos observados em 2023 e 2024 podem ser apenas um prenúncio de desafios maiores para a Amazônia. Investimentos em infraestrutura, políticas públicas voltadas à segurança hídrica e preservação da biodiversidade são indispensáveis para proteger a região e as comunidades que dela dependem.
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