“Enquanto os homens exercem seus podres poderes/Morrer e matar de fome, de raiva e de sede/São tantas vezes gestos naturais”
Caetano Veloso
Por Belmiro Vianez Filho
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A fuligem em todo o canto, o calor dos infernos, a vazante, a morte dos peixes e da esperança. Pobre, Amazonas! O que será de ti? Os pássaros, assim como os rios, se foram. As noites de Manaus chegam mais cedo e o amanhecer parece não querer se apresentar. A Ciência insiste em explicar com sua linguagem fria um crime perpetrado coletivamente.
E explicar por que a destruição parou no ar, a desesperança nas águas e a negligência se espalha como a peste como se deu faz tão pouco tempo? Sim, faz pouco faltou oxigênio nos hospitais por mero descaso dos podres poderes. E agora, por inércia ou desamor, falta o ar respirável e vital para toda a população. A quem recorrer senão aos céus e à infinita misericórdia. Divina?
As empresas de navegação anunciaram a suspensão dos transportes de mercadorias de vinda e produtos de ida, aqueles fabricados em Manaus que geram empregos e fazem rodar a economia. Fica, assim, decretado o isolamento deste Estado, e o de Roraima, por tabela. É bem verdade que a rodovia que nos une está há trinta anos sem manutenção.
Desterrados do Brasil, resta apenas o modal aéreo com preços impensáveis. Pagamos as mesmas taxas, contribuições e tarifas do Sudeste brasileiro, onde o PIB é 10 vezes maior. É a diplomação do descaso, celebrada nos vários governos para ilustrar a indiferença crônica com que governantes tratam nossa terra. Qual a razão disso? Que tipo de raça estranha e ameaçadora somos nós?
Em pleno Século XXI, uma região estratégica economicamente, desejada pela comunidade internacional, que recolhe à União Federal 75% da riqueza que produz é tratada no chicote da indiferença. Um bioma que oferece, gratuitamente, serviços ambientais de que o mundo precisa pelos quais este mundo civilizado está disposto a pagar qualquer preço? O que fizemos de errado para o país que se diz soberano sobre a Amazônia? O que este povo trabalhador fez de tão inaceitável para ainda ter que passar por todo esse sacrifício, humilhação e desacato legal?
Por que, há mais de trinta anos, a União deixou de cumprir suas responsabilidades de manutenção das rodovias federais? Que diabo fazem nossos representantes no parlamento para não denunciar o descaso com este direito constitucional de ir e vir? E nossos juristas, ocorreu-lhes algum colapso na interpretação da Carta Magna, no capítulo de direitos individuais e/ou coletivos?
E qual é a alegação? Desmatamento da floresta? Conta outra. Nos já tivemos as mais hilárias desculpas. Lembro, há 20 anos, por uma imposição de uma Ong britânica, alegou-se para abandonar a estrada o risco de extinção de uma gralha e um macaco de cheiro supostamente ameaçados no traçado da rodovia BR-319.
O tal do trecho do Meio, um pedaço da estrada onde desafetos da rodovia soltaram generosas doses de dinamite. Estranha metodologia de manutenção… da negligência, claro. A gralha e o macaco foram esquecidos e em seu lugar veio o combate ao desmatamento.
Então vamos analisar esta justificativa. Assinamos embaixo da importância da floresta em pé, desde que o fator humano esteja igualmente bem tratado. Ocorre que nenhum nem outro escapam da negligência. O desmatamento, segundo o Observatório da BR-319, uma Ong que as corporações estimam, declara que, do jeito que estão as vicinais da estrada, a depredação alcançou índices alarmantes para um Estado que se orgulhava de sua performance conservacionista. Sonífero bovino, a inútil conversa pra boi dormir.
Se não for, alguém por gentileza me responda: é mais fácil fiscalizar o desmatamento com ou sem estrada? A resposta é óbvia. Com satélite, policiamento e infraestrutura, tudo ficaria mais fácil para as ações legais, proativas e favoráveis às pessoas e suas famílias e, claro, o meio ambiente.
Recentemente, em função da crise hídrica, uma missão federal, onde estava a ministra Marina Silva, foi agredida por seus pares da classe política. Lamentável. Nobreza e respeito com as mulheres devem ser absolutamente obrigatórios. A propósito, é demagógico o gesto, pois a ministra estava fora do governo há quase duas décadas.
Se a rodovia não foi recuperada temos que procurar as razões, primeiramente, em nós, na falta de pulso político regional e local. A propósito, também, houve um lamentável episódio de baixíssimo nível de agressão a uma Conselheira do Tribunal de Contas, por parte de um de seus colegas. Lastimável. A era da pedra lascada que fique lá atrás. Nobless oblige.
O que será de ti, Amazonas, com tantos direitos aviltados? Com essa epidemia do descaso que percorre os séculos desde que o Grão-Pará e Rio Negro ecoaram o grito da Cabanagem, um brado de liberdade contra o autoritarismo habitual do Brasil em cima de seu povo, tratado como cidadão e cidadã de segunda classe. Chega!
Esperamos, firmemente, que a representação político-parlamentar da Amazônia não negocie a redução de nossa compensação fiscal e constitucional, até que tenhamos assegurados os sagrados direitos de ligação terrestre com o restante do Brasil, o ir e vir que traduz justiça, equidade e responsabilidade civil. Chega dessa subserviência estúpida que nos marca e ameaça na conjugação da sobrevivência.
Desobedecer, talvez, seja o nosso caminho, animados pelos referenciais de nosso intrépido vizinho que assegurou com sua brava gente, um a um dos direitos, incluindo aqueles ilustrados por suas rodovias conservadas e demais itens de sua infraestrutura logística de transportes, a duras penas respeitada, é verdade, para o desenvolvimento e a prosperidade de sua gente.
Belmiro Vianez Filho é empresário do comércio, ex-presidente da ACA e colunista do portal BrasilAmazôniaAgora e Jornal do Commércio
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