Plano Nacional de Logística: a fonte das desigualdades

“Enquanto não houver investimentos desiguais por regiões, onde as mais pobres com mais investimento, com 2,5% do PIB, ao menos, para as regiões menos desenvolvidas do país, seguiremos a aprofundar as desigualdades, ao invés de reduzi-las, como determina a Constituição Federal. Espero que o diálogo tenha sido útil para as mudanças necessárias no que foi planejado”

O Plano Nacional de Logística para o futuro até 2050 está em elaboração. Tenho a dor e a alegria de acompanhar a construção deste tributo a desigualdade faz cerca 20 anos, desde que era aluno de doutorado e o documento se chamava Plano Nacional de Logística e Transportes. Entra governo, sai governo e o plano do Estado brasileiro segue sendo o mesmo: manter tudo como está, com mais do mesmo.

Neste ano, pela primeira vez, tive lugar de fala em uma das audiências públicas, na semana passada. Por um lado, fiquei feliz, porque realmente estavam ali pessoas dispostas a escutar. Nas ocasiões anteriores, o máximo que consegui fazer foi uma carta, ofício ou artigo científico ou de jornal, registrando críticas ao documento em elaboração ou elaborado. 

O ritual da audiência seguiu as piores práticas: começou atrasado, acabou depois do horário, com uma parcela expressiva dos membros do governo saindo da sala para “pegar voo”. Assim, muitos só falaram e nem ouviram. Em plena Amazônia, o maior especialista do grupo dos elaboradores tinha adentrado 80km da Amazônia profunda. Veja só. Mas, mesmo assim, posso atestar que estive na frente de pessoas muito, muito dispostas a dialogar e a ouvir, mesmo com uma plateia muito esvaziada, decorrente do atraso desnecessário.

Desigualdades
Foto: Ricardo stuckert – Amazônia na seca

Os planos do Estado Brasileiro seguem uma ordem histórica de privilegiar os centros econômicos do poder. A metodologia adotada parte de um modelo clássico dos transportes, onde se começa a análise pela Origem-Destino das cargas e pessoas.

O grande problema deste método são muitos. Dentre os que me tocam, é que é ineficaz para a fluxos de longa distância, possui extrema dificuldade para capturar a intermodalidade, promove a manutenção da hierarquia territorial e, principalmente, não favorece a redução das desigualdades. Em minha breve fala, dei um nome para isso: tecnocracia da desigualdade.

A infraestrutura de transporte é anterior às atividades econômicas. Com sonhos ou sem sonhos, a prática da economia se dá pelo transporte, seja de dados, seja dos bens, seja das pessoas, o transporte é a condição principal para a produção, antes mesmo da energia e da educação. Sem transporte, não há possibilidades. Num mundo competitivo, como o contemporâneo, não há produção sem transporte rápido, com a modalidade apropriada para cada atividade, com fluidez e custo baixo. Fora disso, só carestia e impossibilidades.

A perspectiva metodológica poderia ter eixos estruturantes nacionais, com a filosofia do Transporte Orientando ao Desenvolvimento, métricas de estoques de infraestrutura, análises de centralidades regionais, perspectivas sociais e ambientais, corredores multimodais, análises espaciais e um respeito para uma equidade de investimentos, para redução das desigualdades regionais.

Enquanto não houver investimentos desiguais por regiões, onde as mais pobres com mais investimento, com 2,5% do PIB, ao menos, para as regiões menos desenvolvidas do país, seguiremos a aprofundar as desigualdades, ao invés de reduzi-las, como determina a Constituição Federal. Espero que o diálogo tenha sido útil para as mudanças necessárias no que foi planejado.

Augusto César
Augusto César
Augusto Cesar Barreto Rocha é professor da UFAM

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