“A opacidade de interesses na forma como estes algoritmos são manipulados é um grande ponto de atenção. Afinal, o pensamento crítico é difícil de desenvolver, e a manipulação de manadas humanas por interesses específicos sempre existiu — o problema atual é a escala”
Temos tipicamente uma opacidade dos interesses públicos, a partir de declarações. É relativamente difícil, sem uma base sólida de conhecimentos, fazer uma interpretação apropriada do que acontece. Uns se dizem “Liberais”, mas, na prática, são “Iliberais”. Outros tantos se dizem “democráticos”, mas, nos atos, são autoritários. Ademais, a flutuação de comportamento, ora autoritário, ora liberal faz com que alguns vários se confundam.
Há outros que falam de ditadura com tanta desfaçatez que só seria possível em um regime democrático. Se não houver uma atenção plena e uma divergência de vozes, é muito fácil ser enganado. Quando a curadoria de informações era feita apenas por Editoras de livros e Editorias de jornais, ficava relativamente fácil, pois alguns rótulos nos ajudavam a dizer qual era a linha ideológica do veículo. Afinal, apenas os outros possuem ideologias, pois quem pensa como nós, costumamos chamar de “bom senso”, por isso Descartes afirmava que esse é o recurso mais abundante do mundo, pois todos acreditam tê-lo.
Atualmente, os grandes intermediários entre os produtores de interpretação do mundo e as massas não são mais os Editores e seus olhares calibrados. O intermediário da tradução do mundo passou a ser um conjunto relativamente pequeno de grandes empresas de tecnologias, tipicamente norte-americanas, que com seus algoritmos cuidadosamente calibrados e que são modificados constantemente vão moldando o que cada um de nós vê. Mesmo aqueles de nós mais ativos, estaremos invariavelmente expostos a algoritmos que podem provocar bolhas cognitivas, queiramos ou não.

A opacidade como estes algoritmos são manipulados é um grande ponto de atenção. Afinal, o pensamento crítico é muito difícil de desenvolver e a manipulação de manadas de humanos, por interesses específicos, sempre existiu. O problema atual é a escala. Chegamos até na imprensa tradicional a achar “normal” a interrupção do trabalho do parlamento, como se isso fosse “liberdade”. Mais uma vez o iliberal falando como se fosse liberal. Uma tese de doutorado foi aprovada recentemente na UERJ (uma das referências nacionais em Direito Constitucional): “A complexa relação entre a opacidade algorítmica e a liberdade de expressão nas redes sociais: parâmetros regulatórios para o Brasil”.
Pelo meu relacionamento pessoal com a autora – Luciana Souza da Silva – tive a oportunidade de apreciar a defesa do trabalho orientado pelo professor Marco Aurélio Marrafon, que recebeu nota máxima e recomendação para publicação em livro. O que mais me chamou a atenção, fazendo com que pedisse a palavra ao final da defesa, é o quanto os pesquisadores e profissionais do Direito (e ali na banca tinha um panorama de advogado, juiz, promotor de justiça, servidores do STF e professores) possuem de clareza sobre o quanto “a transparência algorítmica é essencial para mitigar riscos à liberdade de expressão e para fortalecer a democracia digital no Brasil.”
Por cultura, falta-nos clareza de interesses. Por exemplo, meu interesse neste texto é influenciar de alguma forma na direção do que falei no dia da banca: os profissionais do Direito que refletem a ciência das políticas públicas precisam fazer parte do debate público.
Hoje temos uma penca de economistas do mercado financeiro, um quase nada de sociólogos e um conjunto amplo de velhos advogados com leitura antiga e dissociação dos problemas contemporâneos – que visam apenas defender o interesse de seus clientes. O debate público nacional precisa se pluralizar, não só nas regiões, mas também numa modernização de nomes e ciências. Fora disso, seguiremos como colônia de alguma nação estrangeira e falando mal do que é positivo para a sociedade e bem do que é bom para o império e apenas para os muito ricos.