As lições estratégicas da jornada da Inteligência Artificial

“A jornada da inteligência artificial começou com Alan Turing (1912-1954), que em 1950 propôs um teste para medir quando uma máquina teria alcançado a inteligência humana: interagir de tal forma que um humano não soubesse dizer se falava com pessoa ou máquina”

As ferramentas de Inteligência Artificial estão sendo disseminadas de tal maneira que parecem um fim em si mesmas. Carecemos de uma reflexão acerca do nascimento e da trajetória do que hoje chamamos de inteligência artificial. Podemos ter lições valiosas.

Primeiro, a melhor definição de Inteligência Artificial remete ao matemático britânico Alan Turing (1912-1954). Em um artigo publicado em 1950 ele propôs, em abstrato, um teste que demonstraria quando uma máquina teria alcançado a inteligência humana: Ela se expressaria de tal forma que, numa interação com humano, este não saberia dizer se seu interlocutor era uma máquina ou humano.

jornada da inteligência artificial 
História da IA

O caminho para viabilizar este cenário foi traçado poucos anos depois, em 1954, do outro lado do Atlântico. Foi na tese de doutorado do então jovem matemático Marvin Minsky (1927-2016), em Princeton, nos EUA, a mesma academia de matemática de John Nash, do filme “Mente Brilhante”. Minsky tinha diante de si vários horizontes em matemática pura, de Euclides, Gauss, Euler a Ramanujan, mas ele apostou na sinergia com outras ciências. Percebeu avanços em neurofisiologia e psicologia cognitiva, em trabalhos recém-publicados de Donald Hebb, Warren McCulloch e Walter Pitts. Até o economista austríaco Friedrich Hayek contribuiu.

Minsky reuniu essas contribuições para propor algoritmo que emulasse o funcionamento dos neurônios. Acrescentou o viés físico, aproveitando os avanços em engenharia e seus artefatos pioneiros em aplicar propostas de Von Neumann (1945) e Shannon (1938, 1948) para que circuitos eletrônicos fossem dotados de uma linguagem própria, o início da computação eletrônica. Daí Minsky propôs o algoritmo e testou numa máquina concebida especialmente para esse fim. Seu modelo matemático elementar, análogo ao neurônio, foi nomeado “perceptron”.

eliza wikimedia commons
A década de 1970 presenciou a ascensão dos sistemas especialistas, o primeiro exemplo real de IA aplicada, que usava um conjunto de regras para solucionar problemas específicos.

Logo acadêmicos e profissionais perceberam quão promissor era esse novo campo de pesquisas e Minsky, ao lado de outro jovem matemático, John McCarthy, escreveram a uma ONG, a Fundação Rockfeller, pedindo fomento a uma reunião, por dois meses, dos dez proeminentes pesquisadores do que foi pioneiramente denominado “inteligência artificial”. Os pesquisadores ficaram nesse tempo imersos em reflexão e discussão, trabalho em equipe, regime de caserna, nas instalações da universidade de Dartmouth. Depois os participantes retornaram às suas instituições munidos de novos conhecimentos e avançaram no campo da inteligência artificial, cada um à sua forma. Entre as instituições estavam Harvard, MIT, Dartmouth, Rand, Bell e IBM.

Contudo, Minsky se deteve a uma limitação do perceptron, a incapacidade de resolver problemas não-linearmente separáveis, a função “ou”. Em artigo de 1969 ele desistiu de resolver essa limitação. Estocada fulminante foi dada pelo matemático James Lighthill diante do conselho científico do parlamento britânico, em 1973. Afirmou que essa limitação tornava inútil destinar recursos governamentais para pesquisas básicas nesse campo. Lighthill foi atendido, inaugurando o “Inverno da Inteligência Artificial”. 

O que temos hoje de IA foi uma superação dessa dificuldade. Em 1974 um matemático Paul Werbos propôs acrescentar ao perceptron uma camada oculta, que foi aplicada e aperfeiçoada por vários pesquisadores, resilientes, trabalhando mesmo às limitações daquele inverno. Destaque a Rumelhart, Hinton e Williams, que no final da década de 1980 disseminaram o mecanismo de retropropagação.

As lições? Sinergia entre diversas ciências e instituições. Entre o físico e o abstrato. O básico e o aplicado. O individual e o coletivo. Sobretudo: o que te parece impossível hoje pode ser possível para muitos outros, amanhã ou ainda hoje.

André Ricardo Costa
André Ricardo Costa
Doutor pela FEA USP e professor da UFAM

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