Itália endurece, a “minoria de bloqueio” reaparece e o acordo UE–Mercosul volta à beira do calendário

“Premiê italiana, Giorgia Meloni, diz que é “prematuro” assinar agora e condiciona apoio a um pacote extra de garantias ao agro; França mantém veto político e a votação no Conselho pode escorregar para depois do fim de semana”

Coluna Follow-Up

O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, negociado desde 1999, entrou novamente na sua fase mais sensível: a fase em que a técnica já entregou quase tudo — e a política tenta reescrever o tempo. Nesta quarta (17) e quinta (18), Giorgia Meloni elevou o custo de uma assinatura imediata ao afirmar que a Itália não apoia o acordo “nas condições atuais” e que seria “prematuro” concluir o processo antes de um pacote adicional de salvaguardas e reciprocidade para proteger agricultores.

Com a França reforçando a oposição e outros países orbitando o desconforto, cresce a chance de a UE evitar uma votação formal e empurrar a decisão — o que colocaria em dúvida a assinatura prevista para o fim de semana em Foz do Iguaçu. 

O “não” italiano que mudou o peso do “não” francês

A França nunca escondeu sua resistência quando o tema é abertura comercial com impacto no agro. O que muda agora é o efeito de arrasto: quando a Itália deixa de ser apenas “prudente” e passa a declarar publicamente que a assinatura é prematura, o veto francês deixa de parecer isolado e começa a parecer coalizão em formação.

Meloni afirmou no Parlamento italiano que as medidas ainda “não foram totalmente concluídas” e disse estar confiante de que, no início do próximo ano, as condições estarão atendidas — o que, na prática, empurra a janela política para o início de 2026. 

O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, negociado desde 1999, entrou novamente na sua fase mais sensível: a fase em que a técnica já entregou quase tudo — e a política tenta reescrever o tempo. Nesta quarta (17) e quinta (18), Giorgia Meloni elevou o custo de uma assinatura imediata ao afirmar que a Itália não apoia o acordo “nas condições atuais” e que seria “prematuro” concluir o processo antes de um pacote adicional de salvaguardas e reciprocidade para proteger agricultores.

Salvaguardas viraram a nova moeda de negociação

A UE reagiu do jeito clássico: oferecendo travões. Na noite de 17, autoridades europeias acertaram reforços nas salvaguardas para conter “excesso” de importações e quedas abruptas de preços, tentando tornar o acordo palatável aos resistentes. Entre os pontos, ganhou força um mecanismo mais rápido e um gatilho numérico: o percentual que dispara proteção ficou em 8% (no volume importado ou no preço), após disputa entre 5% e 10%. 

Só que salvaguarda tem um paradoxo: quanto mais ela cresce, mais ela confirma que o tema é politicamente tóxico — e mais incentiva governos a pedirem “só mais um ajuste” antes de assinar.

A matemática do Conselho e o fantasma da minoria de bloqueio

No Conselho, não basta “fazer barulho”: é preciso ter número. E o número decisivo é a chamada “minoria de bloqueio”. Se um grupo de países reunir ao menos quatro membros e representar 35% da população do bloco, consegue travar a aprovação. É por isso que a Itália é a peça-chave: sem Roma, a oposição pode ser barulhenta; com Roma, ela vira risco real de bloqueio — e o Conselho tende a não pautar uma votação para perder. 

O relógio corre: assinatura no sábado virou diplomacia 

Do lado do Mercosul, o Brasil pressiona por conclusão imediata e Lula já sinalizou endurecimento caso o pacto não avance agora. 

Do lado europeu, porém, a própria agenda indica cautela: o tema não entrou na pauta oficial da cúpula e, segundo projeções de diplomatas, poderia ficar para o jantar de quinta, com a decisão empurrada para sexta (19) — exatamente o tipo de atraso que reduziu a chance de assinatura no sábado (20). 

O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, negociado desde 1999, entrou novamente na sua fase mais sensível: a fase em que a técnica já entregou quase tudo — e a política tenta reescrever o tempo. Nesta quarta (17) e quinta (18), Giorgia Meloni elevou o custo de uma assinatura imediata ao afirmar que a Itália não apoia o acordo “nas condições atuais” e que seria “prematuro” concluir o processo antes de um pacote adicional de salvaguardas e reciprocidade para proteger agricultores.

E de quebra há o ruído social: agricultores protestaram em Bruxelas no mesmo momento em que líderes discutiam o acordo, elevando o custo doméstico para governos indecisos. 

Como o Exército do Piauí

Faz que vai mas não vai. No fim, a História do acordo UE–Mercosul continua coerente consigo mesma: ele avança quando o mundo aperta por diversificação e segurança econômica; ele recua quando o campo europeu aperta por proteção e previsibilidade. A técnica fecha parágrafos. A política decide o calendário. De concreto, até aqui, somente a narrativa da reciprocidade. 

Vale a pena acreditar em justiça comercial como comunhão entre nações?

Se a Europa deseja mesmo “reciprocidade”, há uma reciprocidade maior — e mais nobre — do que tabelas e quotas: a reciprocidade civilizacional.

Isso significaria, no mínimo reconhecer que proteger agricultores europeus pode ser legítimo, mas não pode ser um veto perpétuo ao desenvolvimento alheio; 

Ou substituir a política do medo por uma política de transição: fundos, inovação, adaptação — para o campo europeu e para a sustentabilidade real no Sul, sem transformar o clima em barreira seletiva;

O que seria razoável é tratar o Mercosul não como “fornecedor de risco”, mas como parceiro estratégico num mundo em rearranjo, em que credibilidade é ativo escasso. 

O acordo não deveria ser a vitória de um bloco sobre o outro. Deveria ser a prova de que o comércio pode sair da lógica do saque e entrar na lógica do pacto: um pacto que respeite gente, território e futuro.

Porque há uma ironia amarga em tudo isso: o continente que, por séculos, se serviu do mundo como almoxarifado, agora hesita diante da ideia de dividir o mercado com quem sempre pagou a conta.

E talvez seja exatamente aqui que a história nos cobra um gesto: não o gesto de “concluir” um tratado, mas o de inaugurar um tempo — mais justo, mais simétrico, mais digno. Um tempo em que a comunhão entre nações não seja um slogan, e sim um critério: ninguém se salva sozinho; ninguém negocia para sempre sem decidir; ninguém tem o direito de congelar o futuro do outro.


Follow-up é publicada no Jornal do Comércio do Amazonas, às quartas, quintas e sextas-feiras, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, editor geral do portal BrasilAmazôniaAgora.

Alfredo Lopes
Alfredo Lopes
Alfredo é consultor ambiental, filósofo, escritor e editor-geral do portal BrasilAmazôniaAgora

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