A promessa de transformação econômica e social impulsionada pela exploração de combustíveis fósseis no Maranhão tem se mostrado distante da realidade vivida pelos moradores de Santo Antônio dos Lopes. Localizado no interior do estado, o município abriga o Complexo Parnaíba, operado pela Eneva, que lidera a exploração de gás fóssil na região.
No entanto, enquanto milhões de reais em royalties fluem para os cofres municipais, a população local ainda enfrenta precariedade estrutural, exclusão social e graves ameaças ambientais, com a iminência da adoção do fracking, uma técnica de exploração altamente controversa.
O contraste entre expectativa e realidade
Na entrada de Santo Antônio dos Lopes, ao longo da BR-135, um outdoor exibe a imagem de uma mulher uniformizada e sorridente, acompanhada da frase: “O gás natural da Eneva faz diferença pra você, pro Maranhão e pro Brasil”. Essa mensagem otimista contrasta brutalmente com a cena de um caminhão velho carregado de lixo hospitalar, seguindo pela estrada de terra em direção a um lixão a céu aberto. Lá, trabalhadores sem qualquer equipamento de proteção manuseiam descarte contaminado, incluindo tubos usados para coleta de sangue e colchões hospitalares, despejando os resíduos diretamente no solo. Esse lixão irregular fica a poucos metros da maior província de gás fóssil do Maranhão, uma área que deveria simbolizar desenvolvimento e progresso.
Apesar de mais de uma década de exploração de gás, Santo Antônio dos Lopes, com seus 14 mil habitantes, ainda sofre com infraestrutura deficitária. Apenas 5% dos domicílios têm acesso a saneamento básico adequado, segundo dados do Censo de 2022 do IBGE. O esgoto corre a céu aberto em muitas ruas, expondo os moradores a riscos sanitários. Além disso, a promessa de geração de empregos, um dos argumentos mais utilizados para justificar os projetos de exploração, não se concretizou: apenas 10% da população possui ocupação formal.
Um complexo de contradições
Desde o início da exploração de gás em 2013 até agosto de 2024, Santo Antônio dos Lopes recebeu R$ 166,7 milhões em royalties, conforme dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Contudo, esses recursos não se traduziram em melhorias significativas para a população. A administração municipal e estadual ainda não conseguem converter as receitas em serviços básicos, como saneamento, saúde e educação.
O Complexo Parnaíba, operado pela Eneva, é responsável pela extração diária de 8,4 milhões de metros cúbicos de gás fóssil, queimados para gerar energia elétrica que representa 9% da capacidade térmica a gás do Brasil. Ainda assim, os benefícios dessa exploração não chegam aos moradores. A empresa, em nota à imprensa, defendeu que os royalties pagos cumprem as exigências legais, mas afirmou não ter responsabilidade sobre a gestão dos recursos públicos.
Essa postura reflete um padrão comum nas cadeias de exploração de combustíveis fósseis, onde os lucros e as responsabilidades estão descompassados. Enquanto os ganhos financeiros fluem para grandes corporações e governos, os impactos sociais e ambientais recaem sobre as comunidades locais.
A sombra do Fracking
Diante desse cenário, a Eneva intensifica seu lobby para introduzir o fracking na região. O fraturamento hidráulico é uma técnica que utiliza água e produtos químicos em alta pressão para fraturar rochas subterrâneas e liberar gás. Embora seja considerada uma “oportunidade de negócios” pelo governo do Maranhão e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o método é amplamente criticado por seus c. Ele pode causar contaminação de aquíferos, poluição do solo e do ar, e até mesmo desencadear abalos sísmicos.
A técnica já foi banida em países como França, Alemanha e em estados brasileiros como Paraná e Santa Catarina, mas ainda encontra defensores no setor energético. Organizações da sociedade civil, no entanto, têm se mobilizado contra a adoção do fracking no Maranhão. A campanha Boas Energias: Maranhão Sem Fracking atua na conscientização da população, com a produção de cartilhas e realização de audiências públicas para alertar sobre os perigos da técnica.
Para João Octávio, integrante da coordenação da campanha, o fracking é “predatório” e atende exclusivamente a interesses econômicos, sem retorno social. Ele defende que a legislação ambiental seja aprimorada para evitar que desastres ocorram. “Não temos que correr atrás do leite derramado. Precisamos evitar desastres ambientais”, afirmou.
A resistência ao fracking no Maranhão é mais um capítulo na história de exploração predatória que marca a região. Embora os combustíveis fósseis sejam apresentados como um caminho para o desenvolvimento, a realidade tem mostrado que os impactos ambientais e sociais superam em muito os benefícios prometidos. A falta de transparência na gestão dos recursos, combinada com a ausência de políticas públicas eficazes, deixa as comunidades locais à mercê de um modelo econômico excludente e destrutivo.
A luta contra o fracking e a exploração desenfreada de gás no Maranhão simboliza uma resistência maior, que busca defender não apenas o meio ambiente, mas também o direito das populações locais a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável. A adoção de energias renováveis e políticas públicas que priorizem a inclusão social são alternativas que precisam ser consideradas para reverter o ciclo de promessas vazias que há décadas mantém o Maranhão entre os estados mais pobres do país.
Enquanto isso, Santo Antônio dos Lopes continua a ser um retrato das contradições entre riqueza subterrânea e pobreza na superfície, uma realidade que só mudará com maior conscientização, pressão social e investimentos responsáveis em infraestrutura e qualidade de vida.