“Enquanto manchetes travestidas de técnica reforçam preconceitos fiscais, a indústria da floresta continua devolvendo ao país o que muitos não reconhecem: soberania, trabalho e futuro.”
Coluna Follow-Up
Quando um número vira manchete sem contexto, o dado se transforma em arma ideológica. Foi o que ocorreu na publicação recente do Poder360, baseada em estudo da FGV, que anunciou “gastos tributários recordes em 2026” — como se o Estado brasileiro estivesse torrando recursos públicos em benefício de grupos privilegiados. O problema? O termo “gasto tributário” é, em si, uma fraude semântica.
O mito do gasto que nunca aconteceu
A ideia de que uma renúncia fiscal equivale a um gasto é economicamente equivocada e intelectualmente desonesta.
Ninguém “gasta” o que nunca arrecadou. Incentivos fiscais, quando bem aplicados, são instrumentos legítimos de política pública, usados para corrigir desigualdades regionais, estimular cadeias produtivas e gerar empregos.
Chamar isso de gasto é o mesmo que dizer que uma promoção de emprego é um “rombo na folha de pagamento”.
É uma inversão contábil que transforma investimento em pecado fiscal.
Dados corretos, leitura distorcida
O gráfico mostra o crescimento dos chamados “gastos tributários” — de 2,3% do PIB em 2002 para uma previsão de 7,1% em 2026 —, mas não explica de onde vêm esses números nem para onde vão. Mistura isenções produtivas (como a Zona Franca de Manaus, a Lei de Informática e os programas de inovação verde) com subsídios regressivos e benefícios financeiros de natureza questionável.
No mesmo balaio estão a política industrial amazônica, a redução de impostos sobre combustíveis, e até desonerações temporárias de governos anteriores. O resultado é um índice que assusta o leigo, mas não informa o cidadão.
Amazônia criminalizada pelo fiscalismo
Esse tipo de narrativa é usada sistematicamente contra a Amazônia. A Zona Franca de Manaus, que é o maior programa de interiorização do desenvolvimento do país, é retratada como “renúncia fiscal” — quando, na verdade:
- Gera mais de 500 mil empregos diretos e indiretos;
- Reverte à União e aos estados valores superiores ao que “renuncia”;
- E é a base de um modelo de desenvolvimento sustentável que mantém a floresta em pé.
Ou seja: enquanto o país subsidia o consumo de carbono, a Amazônia é punida por produzir com floresta. Isso não é ignorância técnica. É má-fé política.
O que o gráfico não revela
O infográfico ignora os efeitos multiplicadores dos incentivos regionais e setoriais.
Cada real “renunciado” na Amazônia retorna multiplicado em arrecadação indireta, geração de renda e preservação ambiental.
Além disso:
- Parte das empresas incentivadas investe compulsoriamente em P&D;
- Fomenta universidades, centros de pesquisa e tecnologias verdes;
- E sustenta cadeias produtivas limpas, de altíssimo valor social e ambiental.
Nenhum desses dados aparece na manchete ou no gráfico — porque o propósito não é explicar, é condenar.
O déficit real é de inteligência política
O Brasil não precisa de menos incentivos: precisa de incentivos mais inteligentes.
O que o país gasta não é dinheiro — é tempo e lucidez com análises superficiais que confundem o que é gasto, o que é investimento e o que é política pública.
A retórica do “rombo fiscal” virou um mecanismo de chantagem ideológica, que preserva privilégios e ataca os instrumentos de coesão regional.
E o resultado é previsível: a Amazônia é tratada como ônus, enquanto carrega nas costas o bônus ambiental da nação.
Isto posto, podemos concluir:
“O verdadeiro gasto tributário é manter a ignorância como política de Estado.”
Enquanto manchetes travestidas de técnica reforçam preconceitos fiscais, a indústria da floresta continua devolvendo ao país o que muitos não reconhecem: soberania, trabalho e futuro.
Follow-Up é publicada no Jornal do Comércio do Amazonas, às quartas, quintas e sextas feiras sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes.