Pressão mundial por combate ao desmatamento e valorização da economia verde crescem, e Brasil volta a buscar investimentos para a região
Por Mariano Cenamo
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A Amazônia está no centro do mundo, mais uma vez. Só que agora como foco de atenção do governo brasileiro para sua conservação e preservação , e não mais para passar a boiada do desmatamento. Essa é a principal estratégia do atual governo para atrair investimentos externos e ganhar um espaço de destaque na diplomacia e no comércio internacional.
Há alguns dias participei do seminário Desafios do governo Lula para ambiente e clima, realizado por esta Folha de São Paulo (assista clicando o link abaixo), e tive oportunidade de contribuir com o debate sobre possíveis caminhos para se criar uma nova economia para a região amazônica.
Não existe bala de prata para resolver um problema tão complexo e urgente: zerar o desmatamento e promover a prosperidade na região. Isso nunca foi feito nas proporções e escala de um país como o Brasil, nunca foi testado em nenhum outro lugar do mundo.
O desafio é comparável às missões do homem para pisar na Lua ou à invenção da vacina para a Covid-19. Com uma importante diferença: para os dois últimos foram investidos centenas de bilhões de dólares, e para a Amazônia não.
É fundamental conciliar medidas de comando e controle e aumento da presença do estado. Me arrisco a dizer que é o único caminho para gerar resultados a curto prazo. Já vimos o sucesso dessa combinação no primeiro mandato de Marina Silva. Entre 2004 e 2012, o Brasil conseguiu reduzir as taxas de desmatamento da Amazônia em expressivos 80%.
No entanto, nos anos seguintes não foi possível sustentar as políticas de controle e o desmatamento voltou a subir. Analisando sistemicamente, a razão fundamental foi a ausência de um plano forte de desenvolvimento socioeconômico para substituir a economia do desmatamento. É preciso investir com mais ambição e a longo prazo. Essa é a nossa grande oportunidade como país para voltar a nos tornar relevantes na economia global.
A rota de zerar as emissões globais de carbono está traçada, seja por uma questão de inteligência ou sobrevivência. Mas até que os setores da economia global (empresas de energia, transportes, indústria e comércio) consigam descarbonizar completamente as suas cadeias vai levar algum tempo. E nós não temos esse tempo.
Em meio à transição tecnológica, empresas estão buscando formas de compensar já uma parte das emissões que não conseguem reduzir em seu ciclo de produção. Ou seja, abriu-se uma oportunidade enorme para o mercado de offsets ou créditos de carbono. Sem considerar o mercado regulado -que pode levar tudo isso a outro patamar-, o mercado voluntário de carbono girou, ano passado, algo em torno de 2 bilhões de dólares. O Brasil precisa atrair esses investimentos para construir uma nova economia de base florestal na Amazônia -já que é de lá que vem mais de 50% de nossas emissões nacionais de CO².
Existe uma transformação em curso na economia global, e o Brasil está no centro dela, extremamente bem-posicionado. Para tomarmos nosso lugar de destaque por mérito de detentores da maior floresta tropical do planeta, precisamos gerar riqueza e prosperidade para os mais de 25 milhões de brasileiros que vivem na região, especialmente para as populações tradicionais e povos indígenas que cuidam de nossas florestas.
Isso requer investir pesado em pesquisa, desenvolvimento e inovação, empreendedorismo e criação de novos negócios. Precisamos de políticas públicas para atrair investimentos privados. E precisamos de uma nova geração de empresas e de empreendedores dedicados à nossa Amazônia.
O Brasil não tem vocação para a economia digital, e nem vai conseguir competitividade com a China pela economia industrial. Mas seguramente temos as melhores condições para liderar uma economia de Soluções Baseadas na Natureza (SbN).
É inaceitável que um pirarucu, manejado de modo sustentável e gerando renda para comunidades da Amazônia, valha menos no mercado do que um salmão do Chile, por exemplo. Precisamos gerar competitividade para as cadeias da sociobiodiversidade.
A Amaz aceleradora de impacto, criada há dois anos pelo Idesam e parceiros, totalmente focada em negócios que atuam na Amazônia, vem para ajudar empreendedores e empreendedoras a fortalecerem seus negócios. Também para transformar projetos em negócios que tenham sustentabilidade para além dos recursos a fundo perdido investidos para implementação.
Os desafios para o desenvolvimento de negócios na Amazônia são muitos: logística, informalidade, ilegalidade, recursos humanos e comunicação. Precisamos avançar nessas soluções. A Amazônia representa 60% do nosso território, é nosso grande patrimônio planetário, e gera apenas cerca de 8% do PIB nacional.
Além da ação dos poderes públicos, precisamos envolver empresas, grandes e pequenas, empreendedores e investidores. Só assim é possível alavancar essa nova economia da sociobiodiversidade e garantir a conservação da floresta e uma vida digna para as comunidades e povos tradicionais que contribuem, com seus modos de vida, para manter a floresta em pé.
Hoje, 9 das 10 empresas mais valiosas do mundo estão relacionadas a tecnologias digitais. A Amazon é a primeira delas, e levou 25 anos para chegar lá.
Tenho plena convicção que, nas próximas décadas, a busca em torno de soluções para as mudanças climáticas vai revolucionar completamente a economia global. Da mesma forma como as empresas de tecnologia fizeram no início dos anos 2.000, com o surgimento da economia digital.
Acredito que teremos pelo menos 2 ou 3 empresas voltadas a soluções climáticas nessa lista. Espero que uma delas seja brasileira.
Matéria publicada originalmente na Folha de São Paulo com republicação autorizada pelo autor do texto
Mariano Cenamo é diretor de novos negócios do Idesam e CEO da AMAZ aceleradora de impacto
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