A relação entre o desmatamento na Amazônia e a economia global ganha um novo capítulo com a revelação de que grandes transportadoras marítimas estão diretamente ligadas ao escoamento de commodities de risco ambiental.
Um levantamento realizado pelo Bureau of Investigative Journalism (TBIJ), em parceria com a Repórter Brasil, mostrou que, entre 2022 e 2023, mais de meio milhão de toneladas de carne bovina e couro provenientes de áreas associadas ao desmatamento foram exportadas do Brasil para países como Europa, Estados Unidos e China.
A conexão entre transportadoras e desmatamento
O estudo identifica as principais empresas globais de transporte marítimo — Mediterranean Shipping Company (MSC), Maersk, Hapag-Lloyd e CMA-CGM — como participantes ativas na movimentação de produtos de áreas afetadas pelo desmatamento na Amazônia. Essas mercadorias foram processadas em doze frigoríficos vinculados às três maiores empresas de carne do Brasil: JBS, Marfrig e Minerva. Segundo o levantamento, essas instalações foram associadas a desmatamentos que somam 4,6 mil km² de floresta amazônica entre agosto de 2021 e julho de 2022.
O impacto desses números é significativo. A MSC lidera o volume transportado, com 190 mil toneladas, seguida por Maersk (119 mil toneladas), Hapag-Lloyd (87 mil toneladas) e CMA-CGM (46 mil toneladas). Entre as companhias mencionadas, apenas a CMA-CGM se manifestou, afirmando estar comprometida com a preservação da biodiversidade e a mitigação do impacto de suas atividades sobre áreas sensíveis.
Um mercado global impulsionado pelo desmatamento
A carne bovina e o couro são produtos altamente demandados no mercado internacional, mas frequentemente ligados a práticas ambientalmente prejudiciais. O desmatamento, em muitos casos, é a porta de entrada para a expansão de pastagens para a pecuária ou áreas de cultivo de soja destinada à alimentação animal. Mesmo diante de esforços globais para monitorar cadeias produtivas, o transporte marítimo continua a operar como um elo invisível, mas essencial, na logística dessas mercadorias.
O papel das transportadoras marítimas, nesse sentido, é estratégico. Elas são responsáveis por conectar mercados locais a destinos internacionais, facilitando a entrada de produtos em países com grande apetite por commodities. Entretanto, essa atuação raramente é acompanhada de mecanismos de responsabilidade ambiental ou de pressão pública suficiente para modificar práticas.
Embora a atuação de frigoríficos brasileiros e seus fornecedores seja frequentemente associada ao desmatamento ilegal, as empresas de transporte marítimo geralmente passam despercebidas no debate sobre responsabilidade ambiental. Segundo Alex Wijeratna, diretor sênior da organização ambiental Mighty Earth, essas empresas são “facilitadoras silenciosas” do comércio global bilionário de produtos associados à destruição de florestas. Para Wijeratna, a ausência de regulamentação e responsabilização direta permite que essas empresas continuem operando sem grandes restrições, mesmo quando transportam produtos claramente ligados a impactos ambientais graves.
Pressão internacional e possíveis soluções
O debate em torno do desmatamento na Amazônia e das cadeias globais de suprimentos tem crescido, especialmente em um momento em que o Brasil enfrenta críticas internacionais por sua gestão ambiental. Em paralelo, mercados consumidores têm adotado políticas mais rigorosas para evitar a importação de produtos ligados a crimes ambientais. A União Europeia, por exemplo, recentemente aprovou uma lei que proíbe a entrada de commodities associadas ao desmatamento ilegal, exigindo comprovação de origem dos produtos.
No entanto, a aplicação dessas leis depende de um esforço conjunto entre governos, empresas e organizações da sociedade civil. Para o setor de transporte marítimo, isso significa a necessidade de maior transparência nas operações e a adoção de critérios de rastreabilidade ambiental. Iniciativas como a exigência de certificações ambientais ou o desenvolvimento de tecnologias para rastrear a origem das mercadorias transportadas podem ser caminhos viáveis para reduzir os impactos negativos.
A conexão entre transportadoras marítimas e o desmatamento amazônico ilustra a complexidade do combate à destruição ambiental. Resolver essa questão exige uma abordagem holística, que envolva tanto os fornecedores de commodities como os intermediários logísticos e os mercados consumidores. Além disso, é fundamental que políticas públicas e regulamentações internacionais pressionem por maior responsabilidade em toda a cadeia de suprimentos.
Ao mesmo tempo, organizações e movimentos ambientais precisam manter a atenção sobre os elos menos visíveis dessa cadeia, como as transportadoras marítimas, que desempenham papel-chave no comércio global. Sem ações concretas, o comércio de commodities continuará alimentando o desmatamento, colocando em risco a Amazônia e contribuindo para o agravamento das mudanças climáticas.
Assim, a denúncia do TBIJ e da Repórter Brasil reforça a importância de um olhar mais atento para o papel das grandes transportadoras marítimas na preservação ambiental. Afinal, em um mundo cada vez mais consciente dos desafios climáticos, não há mais espaço para que elos tão importantes na cadeia produtiva permaneçam à margem da responsabilização.