Desafios do ano eleitoral para o campo socioambiental

2022 começou. O sofrimento do povo se agrava. Em outubro, será o momento de ele acertar as contas consigo mesmo. A campanha eleitoral já tinha sido deflagrada, no ano passado, pelo presidente Jair Bolsonaro, apavorado com a queda de popularidade e com os altos índices de rejeição, pois a maioria da nação não vê a hora de virar a página dessa história.

Apesar da fome que oprime mais de 20 milhões de brasileiros, da crise econômica e fiscal, assim como da precarização dos serviços públicos essenciais, só Deus saberá dizer o custo integral da disputa pelo poder.

O orçamento federal de 2022 reserva 5,7 bilhões de reais para o Fundo Eleitoral, a ser rachado entre os partidos na proporção da sua representação, e mais 16 bilhões para emendas do orçamento paralelo, que certamente irão favorecer governistas que já exercem mandatos federais. Fora os ilícitos que deverão ocorrer com outros recursos públicos e privados.

Com crises econômica, sanitária e climática, falência das políticas públicas e isolamento internacional do país, a prioridade máxima será livrá-lo do próprio Bolsonaro, condição indispensável para reunir credibilidade e os apoios necessários para tirá-lo do fundo do poço. A reconstrução do Brasil não será uma obra fácil e dependerá de um pacto que ainda não está dado.

Para os atores políticos e sociais em geral, o que está dado é um jogo em dois tempos: o da disputa propriamente dita, que será marcada, inevitavelmente, pelo imediatismo eleitoral e, na sequência, o da articulação da saída do poço. Os movimentos socioambientais, que alcançaram grande protagonismo político no enfrentamento ao atual governo, devem definir e adequar as suas estratégias ao ritmo real do jogo.

Retórica conservadora

A natureza dessa campanha eleitoral é ingrata. É o desmonte do bloco governamental de extrema direita que dá o tom da retórica predominante. Os demais candidatos disputam, sobretudo, os votos dos decepcionados com Bolsonaro. A crise econômica e social será o tema principal, mas haverá um turbilhão de fakes diversionistas para tentar confundir as pessoas e deslegitimar o processo eleitoral.

Bolsonaro e militares foto Amorim MJSP edited

Além de combater o diversionismo, o movimento socioambiental precisa articular as principais demandas relativas ao enfrentamento da crise climática, à reconstrução das políticas públicas desse campo, à urgência do combate à fome, ao desemprego e à estagnação econômica do país.

Alguns exemplos são as energias limpas, o acesso à terra e à produção de alimentos para quem precisa, as tecnologias sociais, mutirões de enfrentamento de carências básicas e situações emergenciais, reflorestamento em escala, estímulo à economia comunitária e ao pagamento por serviços socioambientais.

Os movimentos poderão orientar suas agendas próprias de mobilização para evidenciar as suas prioridades e abrir espaços para os candidatos que as acolham e se disponham a traduzi-las em ações concretas. Assim como poderão construir convergências com outros atores e campos políticos, que proponham agendas correlatas.

No entanto, as lideranças do movimento socioambiental precisarão de paciência para tolerar a retórica conservadora e diversionista que será intensa, sobretudo até o primeiro turno de votação. Paciência para mostrar a quem se dispuser, que essa agenda não interessa apenas aos setores mais atuantes nela, mas à toda sociedade, assim como à toda humanidade, porque as consequências da crise climática não escolhem suas vítimas.

Momento da reconstrução

Bolsonaro chegou da praia, onde passou o Natal, dizendo que “o Brasil está quebrado e que ele não consegue fazer nada”. Deveria renunciar ao cargo, mas, ao invés, disse também que “vão ter que me aguentar até o final de 2022, podem ter certeza disso”. Ele confessa que deixará o país sem rumo, por mais um ano, no meio dessa múltipla crise, e que andam baixas as suas expectativas reeleitorais.

Depois das eleições, a conversa será outra. Os eleitos terão que descer do palanque, unir o país e convocar pessoas e instituições que possam contribuir para a sua saída do fundo do poço. Será o momento em que a pertinência das propostas poderá se sobrepor à retórica belicosa que nos governa e que promete se arrastar até o fim. Propostas que precisam ser construídas desde já, apesar das contendas eleitorais.

O movimento socioambiental cresceu, ganhou visibilidade e aliados em outros setores da sociedade. Precisa ter maturidade para perceber os movimentos das ondas e fazer a sua parte, considerando as melhores opções diante da natureza de cada momento e confiando na essencialidade da sua agenda para enfrentar os grandes desafios do nosso tempo.

Rua tomada pelas aguas do Rio Negro em cheia recorde em Barcelos AM Aimas Barcelos
Rua tomada pelas águas do Rio Negro em cheia recorde em Barcelos, AM|Aimas Barcelos

Por Marcio Santilli, sócio-fundador do ISA

Fonte: Instituto Socioambiental

Redação BAA
Redação BAA
Redação do portal BrasilAmazôniaAgora

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