Enquadrando os debates sobre a Amazônia: beneficiários e perdedores

“Nas análises de projetos na Amazônia, os maiores beneficiários estão fora da região. O consenso é que os projetos não avancem ou enfrentem forte oposição, exceto quando os benefícios são externos. Nos debates sobre a Amazônia, vale lembrar que o Amazonas destina 17% do PIB para impostos, acima da média nacional de 15%, e as desigualdades regionais permanecem sem solução”

Os debates sobre a Amazônia seguem sendo enquadrados sob uma ótica de ocupação. Não se faz conta, não se faz análise em profundidade. Ignoram-se as pessoas, o meio-ambiente, os sistemas econômicos existentes e tudo o mais que há na região. As análises do Governo Federal, da mídia “nacional” olham apenas sob a perspectiva central. São raríssimos os momentos em que isso não acontece.

A forma é tudo. A mensagem que se passa é valiosa. Afinal, quem não quer “explorar as riquezas”? Pouco ou nada se fala de passivo. Fala-se apenas do ativo e do ganho. As perdas viram genéricas sobre o “risco”, “meio-ambiente” e são tipicamente depreciativas, questionando a necessidade de pensar neste detalhe. Onde estão os contrastes entre ganhos e perdas? Em discussões sobre perdas, apenas os opositores são mencionados com nomes genéricos, sem a apresentação de seus argumentos. Não há um contraste de ideias, apenas de princípios, com uma vantagem recorrente para o capital, independentemente de quem o defenda.

Quando participo de discussões sobre a infraestrutura para o Amazonas, o que acontece é um olhar de prioridade para outra região e não para a Amazônia. Da mesma maneira quando se discute o petróleo na costa do Amapá. A questão é sempre o que o outro ganha. Por exemplo, toda a discussão sobre dragagem na região da Foz do Madeira não é para o interesse central do Amazonas, mas sim para a garantia do escoamento da soja nacional para a exportação. A questão recorrente, que permanece no cerne das preocupações nacionais, é como melhorar a exportação dos nossos produtos agrícolas.

Simplesmente está fora da pauta a questão do problema da indústria do Amazonas ou do comércio da cidade de Manaus. Pessoas? Nem pensar. Quando se olhou para a seca nos dois últimos anos, a questão crucial é se teria eletroeletrônico em tempo para a Black-Friday. Não havia, nem há hoje, preocupação e ação claramente voltadas para a correção dos problemas de infraestrutura de Manaus. Por isso seguimos numa conversa sem fim no assunto da BR-319. O centro do problema não é o meio-ambiente, mas quem vai se beneficiar.

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Há um enquadramento alternativo que proponho: vamos olhar quem são os beneficiários e quem são os perdedores de cada um dos projetos de infraestrutura ou grande porte na Amazônia. Quando estes beneficiários estiverem primariamente na região, a sua realização será desafiante ao extremo, tendo como consequência não fazer nada. Quando os benefícios forem para outros lugares do mundo, será observável a sua realização, sem muitas compensações.

Neste texto não explorarei o caminho para a mudança de cenário. Se o leitor conseguir começar a interpretar o enquadramento da Amazônia e das grandes questões de infraestrutura debatidas desta forma, teremos o objetivo alcançado. Isso talvez te faça repensar a questão da BR-319, das concessões de estradas e rios, do escoamento da soja ou da extração de petróleo. Olhar quem ganha, quem perde, quem se beneficia e demandar esta informação claramente pode ser transformador. 

Nas análises de projetos na Amazônia, os maiores beneficiários estão fora da região. O consenso é que os projetos não avancem ou enfrentem forte oposição, exceto quando os benefícios são externos. Vale lembrar que o Amazonas destina 17% do PIB para impostos, acima da média nacional de 15%, e as desigualdades regionais permanecem sem solução.

Augusto César
Augusto César
Augusto Cesar Barreto Rocha é professor da UFAM

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