Voz, Voto e Poder: a revolução na politica pelo protagonismo da mulher

“Neste Dia Internacional da Mulher, a mensagem precisa ser enfática: a violência contra as mulheres é uma escolha da sociedade, e o feminicídio só será interrompido quando essa escolha for transformada pelo protagonismo da mulher na política e na tomada de decisões”

O feminicídio no Brasil não é um fenômeno isolado nem um problema restrito à esfera criminal. Ele é uma consequência direta da estrutura de poder que subordina e desumaniza as mulheres, perpetuada pelo autoritarismo político, pelo fundamentalismo religioso e pela negligência do Estado.

No Dia Internacional da Mulher, é essencial ir além da denúncia e compreender os mecanismos que sustentam essa violência, além de reforçar as ferramentas concretas de transformação, especialmente com a voz, o voto e o protagonismo das mulheres.

O Feminicídio como Produto do Autoritarismo

A relação entre autoritarismo e violência de gênero é histórica. Regimes políticos que se baseiam na submissão e no controle social tendem a reforçar normas patriarcais rígidas, que legitimam a posse do corpo feminino pelo homem e naturalizam a violência contra aquelas que desafiam essa lógica.

Wilhelm Reich, em Psicologia de Massas do Fascismo, mostrou que o autoritarismo não se sustenta apenas pelo medo e pela repressão política, mas também pelo controle da sexualidade e pela submissão da mulher. No Brasil, discursos políticos e religiosos que incentivam um retorno à “tradição” e aos “valores familiares” são, muitas vezes, códigos para justificar a dominação masculina e desacreditar a luta feminista.

A retórica conservadora que ataca políticas de gênero e promove a ideia da “família tradicional” não é inofensiva: ela cria um ambiente de permissividade para a violência doméstica e o feminicídio, reforçando a ideia de que a mulher que busca autonomia merece ser “corrigida” ou “punida”.

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A Religião como Instrumento de Controle Social

O uso da religião para justificar a violência contra as mulheres não é uma questão de fé, mas de poder. Friedrich Nietzsche, em Genealogia da Moral, denunciou a maneira como o cristianismo histórico inverteu os valores humanos, glorificando a submissão e transformando a culpa em uma ferramenta de dominação.

No Brasil, setores fundamentalistas promovem uma leitura deturpada das escrituras para reforçar a obediência feminina e o controle sobre seu corpo e sua sexualidade. Esse discurso cria um ciclo de aprisionamento moral e psicológico, no qual muitas mulheres são levadas a aceitar agressões como “testes de fé” ou “provas de amor”.

Michel Foucault, em Vigiar e Punir, descreveu como as instituições moldam comportamentos por meio da normatização e do medo. No caso da mulher, a religião institucionalizada é frequentemente usada para criar uma “consciência de culpa” que dificulta sua emancipação e, consequentemente, a denúncia de violências sofridas.

Enquanto a religião poderia ser um instrumento de libertação e empoderamento, sua manipulação pelo autoritarismo a transforma em um mecanismo de opressão, contribuindo para o feminicídio ao manter as mulheres em situações de vulnerabilidade e submissão.

A Banalização do Mal e a Indiferença Social

O feminicídio não se tornou um problema apenas porque os homens matam mulheres, mas porque o Estado e a sociedade permitem que isso continue acontecendo.

Hannah Arendt, ao desenvolver o conceito de banalidade do mal, explicou como a violência extrema pode se tornar parte da rotina de uma sociedade sem causar choque ou indignação. O feminicídio no Brasil reflete isso: mulheres são mortas diariamente, e muitas dessas mortes são vistas como “crimes passionais”, “desavenças pessoais” ou “fatalidades”.

Erich Fromm, em O Medo à Liberdade, mostrou como indivíduos em sociedades autoritárias tendem a buscar líderes que reforcem hierarquias rígidas, pois isso os faz sentir seguros. Da mesma forma, a resistência à igualdade de gênero e o desprezo pelo feminismo são expressões desse medo da liberdade.

A impunidade, a falta de investimentos em políticas públicas e a desvalorização do debate sobre feminicídio fazem parte de um projeto político de manutenção do status quo, onde a vida das mulheres continua sendo tratada como descartável.

O Voto Feminino Como Resposta Estruturante

Se a violência contra as mulheres é um problema político, a solução também precisa ser política.

As mulheres representam a maioria do eleitorado brasileiro, mas essa força ainda não se traduz em uma representação proporcional nos espaços de poder. Isso significa que as decisões sobre os direitos femininos ainda são tomadas, majoritariamente, por homens que não vivem essa realidade e, muitas vezes, têm interesse direto em manter a desigualdade.

O voto não pode ser apenas um direito: ele precisa ser um instrumento de autodefesa e transformação.

O que o voto feminino precisa exigir?

  • 1. Representação política real: Mais mulheres nos parlamentos e no executivo, ocupando cargos que influenciam diretamente as leis e políticas públicas.
  • 2. Compromisso com o combate à violência de gênero: Fortalecimento de redes de proteção, aumento do orçamento para programas de enfrentamento ao feminicídio e delegacias especializadas.
  • 3. Educação e conscientização: Implementação de programas de combate à cultura do machismo desde a escola.
  • 4. Autonomia econômica: Criação de políticas que incentivem a inclusão das mulheres no mercado de trabalho e garantam independência financeira.

Além do voto, a mobilização permanente das mulheres é essencial para cobrar transparência e compromisso dos representantes eleitos. Não basta escolher bem: é preciso fiscalizar e exigir ações concretas.

O Feminicídio Como Um Problema de Poder

O feminicídio no Brasil não é uma tragédia isolada, mas o reflexo de um sistema que se mantém pelo autoritarismo, pela manipulação da religião e pela conivência política.

A luta contra essa violência exige uma ação coletiva e estruturante, que passe pela desconstrução do papel da culpa e da submissão, pela defesa de políticas públicas eficazes e, sobretudo, pela mobilização do voto feminino como instrumento de resistência e transformação.

Neste Dia Internacional da Mulher, a mensagem precisa ser clara: a violência contra as mulheres é uma escolha da sociedade, e o feminicídio só será interrompido quando essa escolha for modificada pelo poder da participação política feminina.

Alfredo Lopes
Alfredo Lopes
Alfredo é filósofo e escritor

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