Entre a retórica do compromisso e a prática tímida, o Brasil chega à COP30 cercado de expectativas sobre o protagonismo empresarial. As tragédias de Mariana e Brumadinho ainda ecoam como o contraponto à retórica da sustentabilidade.
Coluna Follow-Up
A COP da “aceleração” e o déjà vu dos discursos proféticos
A COP30, marcada para a 2ª semana de novembro, em Belém do Pará, vem sendo chamada de “a COP da virada”, nas palavras da presidente do CEBDS, Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, Marina Grossi.
Mas, à luz da experiência das últimas conferências, é difícil não reconhecer o padrão: discursos proféticos, promessas retumbantes e ações pífias.
Desde o Acordo de Paris, o planeta acumula compromissos climáticos em proporção inversa à redução de emissões.
A cada cúpula, a lucidez do diagnóstico se perde na lentidão da execução.
“Não é clima separado de modelo de desenvolvimento. Nessa COP na Amazônia, a gente vai juntar tudo”, disse Marina Grossi.
A frase inspira, mas o histórico recente recomenda prudência — as COPs têm se tornado conferências de intenções, onde a diplomacia da esperança ainda substitui a política da coerência.
O Brasil empresarial e a síndrome da autocomplacência
O setor privado brasileiro chega a Belém com discurso confiante e protagonismo anunciado, mas com resultados ainda tímidos.
As coalizões articuladas pelo CEBDS, os planos de descarbonização e as parcerias financeiras com BID e BNDES são sinais de avanço.
Entretanto, o ritmo das transformações segue aquém da urgência climática.
A indústria da floresta — expressão genuinamente amazônica do desenvolvimento sustentável representado pelo polo industrial de Manaus — ainda enfrenta barreiras de integração, acolhimento e continuidade.
Precisa provar o tempo todo sua utilidade, seus acertos, sua legitimidade; precisa demonstrar, a cada ciclo, que produzir com a floresta em pé é uma forma superior de economia, não uma exceção benevolente.
Entre a desconfiança do Sul e o desinteresse do Sudeste, falta ao Brasil um pacto de reconhecimento: de que a floresta não é um obstáculo à indústria, mas a sua reinvenção.
O retrato das contradições: Mariana e Brumadinho
Nada traduz melhor a distância entre narrativa e prática do que as tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019).
Ambas expõem o paradoxo moral do desenvolvimento à brasileira: lucro privado, dano público, impunidade corporativa.
São feridas abertas no imaginário nacional e testam a sinceridade dos discursos sobre ESG e responsabilidade socioambiental.
As vítimas ainda lutam por indenizações e reconhecimento, enquanto os relatórios de “sustentabilidade” seguem circulando com gráficos e compromissos em PowerPoint.
A COP30, portanto, não deve apenas falar de futuro — deve prestar contas ao passado.
O paradoxo do desenvolvimento sustentável
As críticas ao CEBDS e, mais amplamente, à lógica do capitalismo verde, não miram a instituição, mas o modelo que ela representa:
a tentativa de conciliar crescimento ilimitado com recursos finitos.
Entre as principais tensões estão:
- Insegurança jurídica, que afasta investidores e fragiliza o mercado de carbono;
- Contradição entre sustentabilidade e consumismo, o motor invisível da degradação;
- Greenwashing e discursos de fachada, que substituem práticas por marketing;
- Falta de aportes para adaptação climática, especialmente em biomas críticos;
- Eficácia restrita das ações, que ainda não enfrentam desigualdade, pobreza e escassez hídrica.
“Já está implementado, agora é hora de acelerar”, afirmou Marina Grossi.
Mas a aceleração exige limites éticos e estruturais — e é justamente o que o mercado resiste em admitir.
Os biomas como bússola e espelho
Se a Amazônia é o coração simbólico da COP30, os demais biomas brasileiros são os pulmões silenciosos da transição.
A Mata Atlântica, devastada e renascente, ensina que restauração é possível;
o Cerrado, pressionado pela agricultura, mostra a urgência da reconciliação entre produção e biodiversidade;
a Caatinga, resiliente e esquecida, cobra políticas de adaptação e convivência com o semiárido;
o Pantanal, queimado e ressurgente, revela os riscos da indiferença;
e a Amazônia, imensa e distante, lembra que o planeta só respira se o Brasil agir com coerência.
Ficaremos de olho — Entre a prestação e o faz de conta
A COP30 será, inevitavelmente, o palco onde se medirá a distância entre as promessas do discurso e a coragem da prática.
O SEEG, do Observatório do Clima, aponta que as emissões brasileiras cresceram 7,5% em 2024, puxadas pelo desmatamento no Cerrado e pelas queimadas no Pantanal.
A Amazônia, embora tenha reduzido o ritmo da destruição, ainda responde por 77% das emissões relacionadas ao desmatamento.
E o Observatório do Clima alerta: o país ainda não cumpre suas metas de NDC, com emissões líquidas 26% acima do previsto para o ciclo atual.
O Brasil tem moral para agir — mas precisa entregar obra.
A floresta não aguenta mais ensaio geral.
A COP30, realizada no coração da Amazônia, pode ser a virada da coerência ou a repetição da conveniência.
E o setor privado, que tanto reivindica protagonismo, será julgado não pelas suas promessas, mas pela profundidade de suas ações e pela sinceridade de seus compromissos.
Follow-Up é publicada pelo Jornal do Comércio do Amazonas, às quartas, quintas e sextas feiras, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, editor chefe do portal BrasilAmazôniaAgora