Como o cocô de pinguim pode resfriar a Antártica e atenuar impactos da crise climática

O cocô de pinguim é altamente rico em nitrogênio e, ao se decompor, libera a amônia; em contato com o enxofre na atmosfera, ele forma nuvens – e isso faz toda a diferença

Um grupo de pesquisadores da Universidade de Helsinque descobriram algo peculiar sobre o guano de pinguim – nome técnico dado ao acúmulo de fezes desse animal. Em um artigo publicado na última quinta-feira (22) na revista Communications Earth and Environment, a equipe descreve como a amônia que se desprende das fezes de 60 mil dessas aves contribuiu para a formação de nuvens que podem estar isolando a Antártida e ajudando a resfriar o continente, que está aquecendo rapidamente devido às mudanças climáticas.

Isso ocorre pois durante o período reprodutivo, quando milhões de pinguins se concentram em colônias costeiras para se alimentar de peixes e krill, eles também produzem enormes quantidades de excrementos, que se acumulam no solo ao redor. Esse material é altamente rico em nitrogênio e, ao se decompor, libera a amônia. Ao entrar em contato com o enxofre presente na atmosfera marítima do Oceano Glacial Antártico, ela forma nuvens em poucas horas.

“Podemos levantar a hipótese de que haverá um efeito de resfriamento das nuvens porque, em geral, esse é o efeito mais proeminente das nuvens na atmosfera”, indica Matthew Boyer, doutorando em ciência atmosférica na Universidade de Helsinque, em matéria do portal Grist.

Matthew Boyer pilota um drone de coleta de dados sobre o potencial do cocô de pinguim no resfriamento da Antártida.
Matthew Boyer pilota um drone de coleta de dados | Foto: Zoe Brasseur

Uma melhor compreensão dessa dinâmica de formação de nuvens pode ajudar os cientistas a aperfeiçoar seus modelos sobre como a Antártida irá se transformar à medida que o mundo aquece. Agora eles podem investigar, por exemplo, se algumas espécies de pinguins produzem mais amônia e, portanto, têm um efeito de resfriamento maior.

“Esse é o impacto deste artigo”, disse Tamara Russell, ornitóloga marinha do Scripps Institution of Oceanography, que estuda pinguins, mas não participou da pesquisa.

Crise climática ameaça a biodiversidade

Mas é aqui que os impactos climáticos se tornam um pouco mais complicados. Os cientistas sabem que, em geral, as nuvens resfriam o clima da Terra ao refletir parte da energia solar de volta ao espaço. Embora Boyer, que participou do estudo, e sua equipe levantem a hipótese de que as nuvens enriquecidas com amônia de pinguim provavelmente ajudam a resfriar essa parte da Antártida, eles observam que não quantificaram esse efeito climático, o que exigiria mais pesquisas.

Um grupo de pinguins-de-adélia em pé na neve coberta de guano.
Um grupo de pinguins-de-adélia em pé na neve coberta de guano — Foto: Matthew Boyer

Essa é uma informação crítica, devido ao potencial do aquecimento global criar um ciclo de retroalimentação. Ou seja, à medida que os oceanos se aquecem, os pinguins estão perdendo acesso a parte de suas presas, e as colônias estão diminuindo ou desaparecendo como consequência.

Perder essas populações de pinguins — e ao seu guano — poderia significar menos nuvens e mais aquecimento em um ecossistema já frágil, o que, pela abundância de gelo no local, aumenta significativamente os níveis do mar em todo o mundo à medida que derrete.

“Se este artigo estiver certo — e realmente me parece um ótimo trabalho — haverá um efeito de retroalimentação, que vai acelerar as mudanças que já estão pressionando os pinguins”

Peter Roopnarine, curador de geologia da Academia de Ciências da Califórnia.
Estação de pesquisa na Antártida.
Estação de pesquisa na Antártida | Foto: Lauriane Quéléver

Roopnarine acrescenta que os cientistas agora podem buscar outras colônias de aves que também possam estar contribuindo para a formação de nuvens. Proteger essas espécies da poluição e da caça seria uma forma natural de “projetar” os sistemas da Terra para compensar parte do aquecimento global.

“Pensamos que é pelo bem das aves. Mas, obviamente, vai muito além disso.”

Peter Roopnarine
Isadora Noronha Pereira
Isadora Noronha Pereira
Jornalista e estudante de Publicidade com experiência em revista impressa e portais digitais. Atualmente, escreve notícias sobre temas diversos ligados ao meio ambiente, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável no Brasil Amazônia Agora.

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