“Não há nenhuma ameaça estrangeira à nossa soberania sobre a Amazônia. A ameaça vem daqueles que não obedecem às leis em vigor e enfraquecem o poder do Estado”.
José Goldemberg (*)
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Não há nenhuma ameaça estrangeira à nossa soberania sobre a Amazônia.
Apelar para teorias conspiratórias é uma arma usada frequentemente para desacreditar adversários, até mesmo governos.
Alguns exemplos mais recentes de teorias conspiratórias são os seguintes:
• O governo americano oculta até hoje a existência de discos voadores que trouxeram seres extraterrestres para nosso planeta.
• O lançamento de astronautas à Lua em 1969 foi uma montagem de Hollywood e nunca houve voos espaciais.
• O atentado terrorista que destruiu as torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, foi orquestrado pelo serviço secreto americano para justificar a “guerra ao terror” e a invasão do Iraque e do Afeganistão.
• O assassinato de John F. Kennedy foi promovido pelo governo de Cuba ou por grupos políticos americanos preocupados com as políticas liberais do presidente, e não por um assassino isolado como Lee Oswald.
Característica comum de todas elas – por mais inverossímeis que pareçam – é que são baseadas em suposições que contrariam os fatos ou a compreensão dominante dos eventos históricos e são imunes a argumentos racionais: uma verdadeira questão de fé. Só para dar um exemplo, existem estimativas do número de pessoas que teriam de fazer parte da conspiração de que o homem não pousou na Lua: cerca de 400 mil, contando os cineastas envolvidos, técnicos da Nasa, jornalistas e políticos de todo tipo e outros.
As origens das teorias conspiratórias são predominantemente psicológicas ou políticas. As psicológicas decorrem do fato de que para algumas pessoas a insegurança diante de eventos catastróficos é tal que as leva a criar paranoias conspiratórias. As políticas são mais concretas e têm que ver com vantagens políticas ou econômicas.
Um problema de natureza ambiental que foi objeto de teorias conspiratórias é o uso da fluoretação da água para reduzir a carie dentária, que é adotada em todos os países, mas ainda é contestada por alguns grupos como uma trama para dominar o mundo, provocar esquizofrenia e outras doenças. Afora isso, proteção ambiental em nível local e regional (basicamente para garantir qualidade do ar e da água) nunca foi contestada por teorias conspiratórias. Lamentavelmente, porém, problemas ambientais globais como o aquecimento da Terra e a proteção das florestas tropicais têm sido vítimas frequentes desses ataques.
Os que nos afetam mais de perto são os que dizem respeito à Região Amazônica. Esse é um problema antigo, começou na década dos 70 do século 20, quando a “ocupação” da Amazônia por colonos vindos do sudeste do País se tornou a política pública dominante para garantir a soberania nacional sobre aquela área, o que levou ao desmatamento da floresta. “Ocupar para não entregar” era o mote vigente, que tinha componentes de paranoia.
Participei em 1991, como secretário especial de Meio Ambiente da Presidência da República, de reuniões com outros membros do governo (ministros do Exército e da Justiça) que manifestavam, na época, preocupações com propostas de criação de uma área protegida internacionalmente na Amazônia para assegurar a sobrevivência dos ianomâmis, no extremo norte do Brasil.
Perguntei qual era a origem dessa informação, que eu ignorava, apesar de participar intensamente de todos os preparativos internacionais da Conferência sobre o Clima que se realizaria em dezembro de 1992 no Rio de Janeiro.
A informação que recebi era baseada num panfleto distribuído aos passantes no aeroporto de Houston, nos Estados Unidos, preparado por alguma obscura organização ambientalista americana. No aeroporto de Houston distribuíam-se panfletos de toda espécie. A fragilidade da informação era tão óbvia que o assunto foi abandonado.
Passados 30 anos, esse tipo de paranoia volta a circular em altas esferas do governo, apesar de não haver nenhuma evidência concreta de interferência na soberania nacional sobre a Amazônia. O que há são governos interessados nos problemas ambientais mundiais, como a Noruega e a Alemanha, que se ofereceram para ajudar financeiramente na implementação de programas do governo brasileiro na região que protejam a floresta. Imaginar que isso faça parte de um complô para nos tirar a Amazônia está claramente na categoria de teoria conspiratória.
Não há nenhuma ameaça estrangeira à nossa soberania sobre a Amazônia. A ameaça vem daqueles que não obedecem às leis em vigor e enfraquecem o poder do Estado.
Somente recursos do exterior não resolveriam todos os problemas do desmatamento nessa região, onde a carência fundamental é a ausência do poder público, como ocorre também nas favelas da Baixada Fluminense e do Rio de Janeiro dominadas pelo tráfico.
O fortalecimento do Ibama e a implementação gradativa da legislação fundiária é que levariam a cercear a ação dos “grileiros” e desmatadores da região. A crescente produção agrícola e de carne no País não necessita desse desmatamento predatório e da retirada clandestina de madeira. Há melhores métodos de utilizar a floresta.
(*) José Goldemberg: Doutor em Ciências Físicas pela Universidade de São Paulo da qual foi Reitor de 1986 a 1990. Foi Presidente da Companhia Energética de São Paulo (CESP); Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; Secretário de Ciência e Tecnologia; Secretário do Meio Ambiente da Presidência da República; Ministro da Educação do Governo Federal e Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Fonte: BrasilAgro
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