Apesar das recentes chuvas no Pantanal, os incêndios continuam a ameaçar a biodiversidade, com resquícios de fogo ainda ativos, colocando em risco as araras-azuis e outros projetos de conservação no Refúgio Ecológico Caiman
Apesar das chuvas que atingiram o Pantanal recentemente, a devastação causada pelos incêndios continua a ameaçar a biodiversidade da região. No Refúgio Ecológico Caiman, localizado em Miranda, Mato Grosso do Sul, um tronco de angico-vermelho (Anadenanthera colubrina var. cebil) ainda exibe sinais de combustão, mesmo após uma precipitação de 50 mm no dia anterior. O cenário é alarmante: resquícios do fogo permanecem ativos, colocando em risco a fauna local e os projetos de conservação.
Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul, destaca a preocupação com a persistência das brasas em grandes árvores. “Apesar da chuva, ainda vemos troncos soltando chamas. Isso é um grande risco, pois quando a chuva parar, esses focos podem se reativar e causar novos incêndios,” afirmou Guedes, enquanto observava um tronco ainda em brasa. Mesmo com a chegada da frente fria que ajudou a controlar parte dos incêndios, a situação continua crítica.
Guedes enfatiza que o fogo faz parte da dinâmica natural do Pantanal, mas a intensidade dos recentes incêndios é inédita. “Já enfrentamos vários incêndios ao longo dos anos, mas este é sem precedentes. Em 48 horas, as chamas varreram tudo,” lamentou.
Impacto na conservação das Araras-Azuis
O Instituto Arara Azul, que opera há mais de três décadas na Caiman, enfrenta agora um desafio sem igual. A fazenda, conhecida como o maior centro de reprodução natural da arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) no mundo, sofreu graves perdas com os incêndios. “A visão dos campos cobertos de cinzas e das árvores calcinadas é desoladora, especialmente agora, no início do período reprodutivo das araras-azuis,” destacou Guedes.
Pelo menos dez caixas-ninho, essenciais para a reprodução das araras, foram destruídas pelo fogo. Em uma árvore piúva, uma das caixas-ninho foi completamente consumida pelas chamas, junto com os dois ovos que abrigava. Este incidente é particularmente doloroso para a equipe do Instituto, que há anos acompanha o nascimento de filhotes nesta árvore.
Apesar das perdas, Guedes relata que ainda há esperança. Dos 21 ovos em ninhos ocupados pelos casais de araras-azuis na Caiman, apenas dois foram perdidos. “Agora, precisamos esperar e ver se os filhotes vão sobreviver, pois houve muita fumaça,” explicou.
A médica veterinária Maria Eduarda Monteiro, do Instituto Arara Azul, realizou monitoramentos nos ninhos para avaliar a saúde dos embriões. “Conseguimos realizar a ovoscopia e visualizamos dois embriões saudáveis, o que nos trouxe um pouco de alívio em meio a tanta destruição,” relatou Monteiro.
Os incêndios florestais não só destroem o habitat das araras-azuis, como também ameaçam a sobrevivência dos embriões, expostos à toxicidade da fumaça. A situação no Pantanal segue crítica, e os esforços de conservação enfrentam desafios inéditos à medida que o fogo continua a assolar a região.
Ações de resgate e esforços de conservação
Em meio ao cenário de devastação, equipes de resgate têm atuado incansavelmente para salvar a fauna sobrevivente. Um exemplo dramático foi o resgate de uma onça-pintada com as patas queimadas, encontrada tentando se abrigar do calor. Sob a orientação do Grupo de Resgate Técnico Animal do Pantanal, frutas e legumes são distribuídos em pontos estratégicos para alimentar os animais restantes. Médicos veterinários dos projetos Onçafari e Arara Azul estão na linha de frente, oferecendo cuidados emergenciais aos animais feridos.
Flávia Miranda, médica veterinária e presidente do Instituto Tamanduá, coordena os esforços de atendimento à fauna. “Estamos estabelecendo um hospital veterinário na base do Instituto na Caiman para prestar atendimento emergencial aos animais. Após estabilizá-los, encaminharemos para o centro de reabilitação de animais silvestres em Campo Grande,” explica Miranda.
Desafios e necessidade de adaptação
As imagens que emergem dos incêndios são impactantes: vegetação calcinada, ninhos destruídos, e animais feridos. Roberto Klabin, proprietário da Fazenda Caiman, destacou a importância de medidas preventivas e o manejo integrado do fogo para mitigar futuras tragédias. “Precisamos de uma resposta rápida e efetiva, incluindo a liberação mais ágil de licenças para ações de manejo integrado do fogo. Fazendas vizinhas devem se unir para criar sistemas de alerta e estruturas de resiliência, como armazenamento de água e abrigos para animais,” sugere Klabin.
Klabin também enfatiza a necessidade de entender e adaptar-se às mudanças climáticas. “O Pantanal tem potencial para se recuperar, mas precisamos aumentar sua resiliência e adaptação. O momento exige apoio científico e parcerias que garantam que o Pantanal continue a ser um santuário de biodiversidade, turismo de observação e produção de conhecimento científico,” conclui.
Enquanto as chamas continuam a consumir a vegetação, os esforços para proteger e revitalizar o Pantanal persistem, com a esperança de que, através da união e das medidas adequadas, este bioma único possa ser preservado para as futuras gerações.
*Com informações O ECO
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