“Sem resultados em Belém, o descrédito das conferências abrirá espaço para um atraso irreversível — e a consciência climática será posta à prova diante da catástrofe.”
Entre a memória e a urgência
As últimas cinco décadas deixaram claro que a crise climática não é apenas um problema ambiental, mas um fenômeno civilizatório. A retrospectiva elaborada pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará, demonstra como, desde a Rio-92, o mundo acumula diagnósticos certeiros sobre as causas e consequências da degradação planetária: emissões descontroladas, consumo fóssil, desmatamento e injustiça climática.
O que persiste, contudo, é o abismo entre ciência e política, entre previsões robustas e medidas concretas. A Amazônia sempre esteve no centro desse paradoxo: celebrada como esperança global, mas também submetida a queimadas, ciclos predatórios e uma negligência estrutural que se repete década após década.
COP 30 em Belém: encruzilhada histórica
A realização da Conferência das Partes número 30, em Belém, marca uma inflexão inédita. Pela primeira vez, uma capital amazônica sediará o principal fórum global de governança climática. Não se trata apenas de mais uma rodada diplomática: a COP 30 é a oportunidade de transformar a Amazônia de vitrine em protagonista, de periferia da globalização em epicentro de soluções.
Se a COP 21 em Paris consolidou compromissos de metas, a COP 30 precisa inaugurar um pacto de credibilidade: monitoramento rigoroso, financiamento direto, transparência radical e participação efetiva da sociedade amazônida.
O fracasso em Belém significará não apenas o descrédito das conferências, mas um atraso irreversível na luta contra a catástrofe climática.
Providências inadiáveis
A partir da retrospectiva crítica e das demandas históricas da região, algumas agendas emergem como prioritárias:
1. Financiamento climático justo e acessível: Recursos precisam chegar diretamente a governos locais, povos indígenas, comunidades ribeirinhas e organizações da sociedade civil, sem se perder em labirintos burocráticos internacionais.
2. Economia da floresta em pé: Bioeconomia, cadeias de fármacos, cosméticos, alimentos e novos materiais da biodiversidade devem substituir o modelo extrativista predatório, articulando ciência, mercado e cultura.
3. Transição energética amazônica: É insustentável que centenas de comunidades sigam reféns do diesel. A COP 30 deve selar compromissos globais pela substituição por fontes limpas: solar, biomassa, eólica de pequena escala.
4. Combate efetivo ao desmatamento ilegal: Nenhum país poderá alegar compromisso climático se a floresta continuar em chamas. Repasses internacionais devem estar atrelados a metas verificáveis de redução de desmatamento e queimadas.
5. Educação e consciência climática: Criar campanhas que unam ciência, arte e comunicação para formar uma consciência amazônica inspiradora para o Brasil e o mundo. Sem cultura climática, não haverá mudança estrutural.
Uma nova consciência climática
A Amazônia sempre foi tratada como fronteira a ser explorada ou reserva a ser tutelada. Chegou a hora de assumir outro destino: tornar-se plataforma de soluções planetárias. Isso exige mais que tecnologia e financiamento: exige uma nova consciência climática, capaz de alinhar soberania, justiça social e sustentabilidade como partes de um mesmo projeto.
A COP 30 será, portanto, uma encruzilhada: pode ser mais um capítulo de promessas incumpridas ou o marco de uma virada civilizatória. Da Amazônia pode nascer uma nova gramática de desenvolvimento — fundada na floresta em pé, na justiça climática e na cultura da paz. O tempo da Amazônia é agora. E o mundo inteiro será convocado a ouvi-la.