“O santo é, de fato, de barro, e por isso é preciso ir devagar com o andor. A procissão do desenvolvimento deve ser conduzida com prudência, cuidado e foco no bem coletivo. Somente assim será possível construir um futuro em que a riqueza seja mais do que um número: uma realidade vivida por todos.”
Por Belmiro Vianez Filho
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Reflexões do Cotidiano 20 Anos Depois
A sabedoria popular expressa no provérbio “Devagar com o andor, que o santo é de barro” permanece como um alerta pertinente, especialmente ao analisarmos as condições socioeconômicas do Brasil e do Amazonas duas décadas depois. Estamos, pois, revisitando os dados e reflexões apresentadas há 20 anos, Na Mira do Belmiro, atualizando informações e inserindo novas perspectivas sobre o desenvolvimento humano, a desigualdade social e os desafios regionais.
Euforia versus Realidade: O IDH e a desigualdade em 2025
Em 2005, o Brasil comemorava ter entrado no grupo de “alto desenvolvimento humano”, com um IDH de 0,800. Hoje, o país apresenta um IDH em torno de 0,765, de acordo com o PNUD, colocando-o novamente no grupo de “desenvolvimento humano alto”, mas abaixo da média global para esse segmento. O ranking reflete o impacto de crises políticas, econômicas e sanitárias que assolaram o país nas últimas duas décadas. A desigualdade, infelizmente, persiste: os 10% mais ricos ainda concentram mais de 50% da renda nacional, enquanto os 40% mais pobres sobrevivem com menos de 12% da renda total.
A alta concentração de renda continua sendo sustentada por mecanismos que privilegiam a especulação financeira em detrimento da produção e da inclusão social, um problema já denunciado anteriormente. Enquanto isso, a maior parte da população enfrenta desafios como acesso limitado à saúde, educação e saneamento básico, que deveriam ser pilares para reduzir a desigualdade.
O Amazonas no contexto nacional
Na década de 2000, o Amazonas apresentava números promissores em termos de crescimento do PIB, superando a média nacional. Em 2025, o estado mantém participação de aproximadamente 1,5% no PIB brasileiro, enquanto o PIB per capita local está estimado em R$ 26.500 anuais, bem abaixo da média nacional.
Embora a Zona Franca de Manaus tenha sido essencial para sustentar a economia regional, o modelo enfrenta críticas pela falta de diversificação e inovação. Projetos de bioeconomia e turismo sustentável, embora promissores, ainda carecem de escala e investimentos adequados. O estado segue lutando para equilibrar crescimento econômico com preservação ambiental, enfrentando desafios como desmatamento crescente e eventos climáticos extremos, como secas e enchentes.
Problemas estruturais e sociais
O acesso à saúde pública no Amazonas continua sendo um reflexo da precariedade nacional. Relatos de 2005 sobre a suspensão de cirurgias por falta de materiais ainda encontram eco em 2025, agravados por crises de financiamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Instituições regionais, como o Hospital Adriano Jorge, seguem lutando para manter serviços básicos, especialmente em áreas específicas.
Na educação, embora avanços tecnológicos tenham permitido maior acesso ao ensino remoto, a evasão escolar ainda é uma preocupação. As taxas de alfabetização entre adultos melhoraram, mas os indicadores de qualidade educacional permanecem aquém do desejado, refletindo na dificuldade de integração dos jovens ao mercado de trabalho.
A ponte Manaus-Iranduba e seus desdobramentos
A construção da ponte Manaus-Iranduba, iniciada sem ampla consulta popular como observado em 2005, trouxe benefícios logísticos e econômicos. No entanto, o desenvolvimento desordenado ao longo do eixo rodoviário resultou em impactos ambientais significativos, como aumento do desmatamento e urbanização predatória. A ausência de planejamento integrado demonstra que as críticas levantadas há 20 anos eram procedentes.
Reflexões e desabafos
O progresso do Brasil e do Amazonas, embora real em alguns aspectos, revela a fragilidade de um modelo de desenvolvimento que ainda negligencia a equidade social e a sustentabilidade. A euforia diante de avanços pontuais não pode ocultar a necessidade de reformas profundas em áreas estruturais, como saúde, educação, saneamento e geração de empregos. O Amazonas, durante a pandemia, caiu da 9ª para a 14ª posição no ranking dos estados brasileiros com maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 2002 a 2020 e teve sua participação reduzida de 1,5% para 1,4% em relação ao PIB nacional em 2022
O santo é, de fato, de barro. A procissão do desenvolvimento deve ser conduzida com prudência, cuidado e foco no bem coletivo. Somente assim será possível construir um futuro em que a riqueza seja mais do que um número: uma realidade vivida por todos.
Belmiro Vianez Filho é empresário do comércio, ex-presidente da ACA e colunista do portal BrasilAmazôniaAgora e Jornal do Commércio