“Nesse contexto, as recomendações do B20 Summit e os desafios enfrentados pela Amazônia reforçam a necessidade de que o Brasil lidere uma nova era de desenvolvimento sustentável, que garanta o acesso universal à energia limpa e uma economia que respeite as realidades locais, promovendo assim uma verdadeira reconciliação com a natureza e assegurando a preservação de uma das maiores riquezas naturais do planeta”.
Por Ronaldo Gerdes – UCB Power
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Coluna Follow-Up
O B20 Summit, realizado às vésperas do G20 no Rio de Janeiro, trouxe à tona um dos temas mais prementes da atualidade: a transição energética e o avanço da economia verde, enfatizando a importância de uma cooperação estreita entre governos e setor privado. O evento destacou um volume impressionante de investimentos — cerca de US$ 150 trilhões — como necessário para essa transformação, delineando a revisão de políticas públicas, a simplificação regulatória e a importância de fortalecer o papel da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em meio a esse cenário global, o Brasil destaca-se como um líder em energias renováveis, sendo impulsionado por inovações como o hidrogênio derivado do etanol e o uso de ondas e marés para geração de energia. Contudo, o contexto amazônico exige uma análise mais detalhada e uma adaptação de estratégias para atender suas particularidades.
Transição Energética na Amazônia
Apesar dos avanços, a Amazônia enfrenta uma situação peculiar no setor energético. As características da região — como a vastidão territorial, o difícil acesso e as particularidades ambientais — tornam a extensão das linhas de transmissão impraticável em muitas áreas. Hoje, mais de 3 milhões de pessoas na região amazônica ainda dependem de fontes de energia baseadas em combustíveis fósseis, como o petróleo, para garantir o funcionamento de termelétricas, que são práticas e bem conhecidas, mas emitem grandes quantidades de carbono.
Para tornar a transição energética uma realidade sustentável e viável na Amazônia, é necessário enfrentar quatro grandes desafios:
- 1. Compromisso com Contratos de Longo Prazo: Um primeiro obstáculo é o respeito aos contratos de longo prazo firmados para o uso de termelétricas. Esses acordos, que variam entre 25 e 30 anos, exigem que qualquer iniciativa de transição leve em conta o capital já investido e os compromissos assumidos. Para contornar esse desafio, soluções híbridas que integrem fontes renováveis com as atuais termelétricas podem ser uma estratégia de transição, aproveitando a infraestrutura existente enquanto reduzem as emissões.
- 2. Transição Justa e Gradual: Para evitar a desvalorização dos investimentos e facilitar a adaptação dos investidores, uma transição gradual deve ser planejada. Isso significa desenvolver políticas que introduzam gradativamente as energias renováveis em operações híbridas, onde termelétricas podem complementar a geração em períodos de baixa produção das fontes limpas, como a solar e a eólica. Além de proteger o capital dos investidores, esse modelo oferece uma ponte para um sistema mais sustentável.
- 3. Prioridade em Programas de Armazenamento e Sistemas Isolados: A inclusão de programas setoriais para armazenamento de energia se torna crucial na Amazônia, especialmente em regiões isoladas onde a energia solar ou eólica pode ser intermitente. Programas de armazenamento, como os desenvolvidos para reutilização de baterias de veículos elétricos, já mostraram grande potencial em áreas remotas da floresta. A capacidade de armazenar e distribuir energia durante períodos de baixa produção renovável é essencial para a estabilidade do sistema.
- 4. Incentivo a Tecnologias Simples e de Baixa Manutenção: No coração da floresta, a complexidade tecnológica representa um risco operacional. Equipamentos com baixo grau de manutenção e fácil manuseio oferecem mais segurança e economia no longo prazo. Assim, o Brasil deve promover tecnologias que reduzam os custos operacionais e que sejam robustas, especialmente nas condições severas da Amazônia.
A luta contra a pobreza energética
Outro ponto crítico é a chamada “pobreza energética”, uma realidade que afeta profundamente comunidades isoladas na Amazônia. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), cerca de 2,3 bilhões de pessoas em todo o mundo ainda dependem de fontes poluentes, como a lenha e o carvão, para atividades básicas como cozinhar. Na Amazônia, essa situação é agravada pelo isolamento e pela falta de infraestrutura adequada. Implementar soluções que garantam acesso à energia limpa é fundamental para integrar essas comunidades ao desenvolvimento sustentável e melhorar sua qualidade de vida.
Potencial Amazônico para a Economia Verde
A transição energética na Amazônia também deve ser vista como uma oportunidade para fortalecer a economia verde, desenvolvendo projetos que aproveitem os recursos naturais locais de maneira sustentável. Tecnologias como a energia de ondas e marés, ainda em fase experimental, mostram-se promissoras para áreas costeiras do país. A implementação de políticas voltadas para a inovação na Amazônia poderia transformar a região em um laboratório de soluções renováveis, com potencial para exportação de tecnologias e conhecimento.
Ciência e Desenvolvimento Tecnológico, as bases da mudança
Para que a Amazônia realmente ocupe seu lugar na liderança da transição energética, é necessário fortalecer os programas de ciência e tecnologia. A pesquisa e o desenvolvimento em energias limpas, adaptadas às realidades amazônicas, são essenciais para enfrentar os desafios locais. Além disso, investimentos em capacitação de recursos humanos permitirão que a região não apenas consuma, mas também desenvolva tecnologias inovadoras, aproveitando o potencial das universidades e centros de pesquisa locais.
Compromisso com a Sustentabilidade
Ao se preparar para receber a COP 30 em Belém, o Brasil deve reforçar seu compromisso com políticas que promovam a transição energética de forma inclusiva, levando em consideração as especificidades regionais da Amazônia. A criação de um fundo para a preservação da floresta em pé, em apoio à agenda ESG e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), oferece um passo promissor para integrar a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico.
Nesse contexto, as recomendações do B20 Summit e os desafios enfrentados pela Amazônia reforçam a necessidade de que o Brasil lidere uma nova era de desenvolvimento sustentável, que garanta o acesso universal à energia limpa e uma economia que respeite as realidades locais, promovendo assim uma verdadeira reconciliação com a natureza e assegurando a preservação de uma das maiores riquezas naturais do planeta.
Ronaldo Gerdes é Conselheiro do Centro da Indústria do Estado do Amazonas e Relações Institucionais da UCB Power