Não há indignação pelas queimadas, não há indignação pela falta de hidrovias. Ela é contida pela mídia do Império, que dá mais repercussão para o que se passa em Nova York ou Londres do que sobre o que se passa nos nossos narizes amazônicos. Cadê o Leviatã?
Por Augusto Cesar Barreto Rocha
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Recentemente publiquei um vídeo no YouTube deliberando sobre o difícil caminho da institucionalidade, na crise da cabotagem do Amazonas (https://youtu.be/oUMv9fI7hnQ). Após assisti-lo, um amigo me presenteou com um texto do Julyan Machado Ramos, discorrendo sobre o “direito à Amazonidade (https://www.amazonialatitude.com/2020/05/13/amazonidas-povo-sem-historia-breves-reflexoes-pelo-direito-a-amazonidade/).
Além de um café especial, foi um dos melhores presentes que recebi em 2023, não só pelo conteúdo histórico em si, mas também por todo o referencial teórico que o texto aponta, deliberando sobre a nossa trajetória desde o Grão-Pará, o que me lembrou também do Antônio Botelho e das suas reflexões sobre as Amazonidades como Ideário de Desenvolvimento.
A virtual ausência de Estado que vivenciamos no presente da Amazônia tem levado ao que chamei recentemente de “Leviatã Ensandecido” (https://amazonia.exame.com/a-amazonia-e-o-leviata-ensandecido/), pois muito do que é feito aqui pelo Governo é como se fossem ações de invasores, que anexaram terras ao seu bel-prazer, ao invés de perceber a Amazônia por seu potencial e atuar como um povo irmão e irmanado por propósito nobres e compartilhados.
Muitos de nós que nascemos, viemos e moramos na Amazônia, terminamos com uma virtual crise de identidade, uns agindo como invasores, outros atuando como invadidos. De sua parte, quem está fora da Amazônia também possui atitudes contraditórias com esta região: querem-na como um santuário, para venerar e nada fazer; como uma área distante para extrair recursos, seja madeira, minério ou impostos; ou como uma área para ser domada e subjugada, por sua grandeza e grandiosidade de oportunidades. É como se não houvesse povos aqui desde milênios, como já constatado exaustivamente. É como se não houvesse caminhos alternativos.
A imagem de Thomas Hobbes, de 1651, onde associa o monstro bíblico com o governo me parece relevante, pois nosso Leviatã está ausente e passa por aqui só nas emergências. Fora delas, busca impostos ou outras riquezas. Ainda não temos um Plano para dotar o Amazonas ou a Amazônia de infraestrutura. Não há orçamento alocado para isto.
É uma terra anexada, com pessoas espalhadas nela, vivendo em condições humanas inadequadas, com extensões de terra enormes, onde várias promessas já foram feitas e não realizadas ao longo da história. Enquanto isso, começa a ser quase natural conviver com a fumaça. Não há indignação pelas queimadas, não há indignação pela falta de hidrovias. Ela é contida pela mídia do Império, que dá mais repercussão para o que se passa em Nova York ou Londres do que sobre o que se passa nos nossos narizes amazônicos. Cadê o Leviatã?
Começam a ser esboçados planos de combate a fumaça e ao incêndio, mas não há planos de como avançar sobre a Amazônia com outra trajetória que não seja agrícola ou mineral. Atualmente, começamos a chamar o Agro de “bioeconomia”, o que é uma ação terrível, pois ao invés de agregar tecnologia e sustentabilidade estamos destruindo-a sob um novo nome, reproduzindo erros já cometidos no passado, seja por aqui, seja nos demais biomas nacionais.
Precisamos começar a deixar de agir como invasores e o respeito ao meio ambiente e aos povos da região será o começo desta mudança – se o monstro quiser ser um monstro respeitável e no Corredor Estreito prescrito por Acemoglu e Robinson. Fora disso, cabanagens silenciosas seguirão a acontecer, com as lições do passado – de uma história que tentam apagar, mas segue na cultura e atitudes regionais ou nacionais.
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Augusto Rocha é Professor Associado da UFAM, com docência na graduação, Mestrado e Doutorado e é Diretor Adjunto do CIEAM
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