Acordos de governança multissetorial privados são chave para remediar as pressões ambientais causadas pela exportação de commodities entre Brasil e China. Segundo pesquisadores, a construção conjunta de estruturas, regras e políticas de comércio entre empresas nacionais e internacionais do ramo agropecuário ajudaria a conter o desmatamento e a perda de biodiversidade na Amazônia e no Cerrado.
A análise consta no artigo “Governança Privada: Iniciativas Multissetoriais e Moratórias”, publicado dia 25 de maio no livro “Desafios de Sustentabilidade da Agricultura Brasileira”. O capítulo foi escrito por André Guimarães, diretor executivo no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia); Paulo Moutinho, pesquisador sênior na instituição; e Marcelo Stabile, ex-pesquisador do instituto. O artigo apresenta e defende iniciativas conjuntas de empresas do mercado agropecuário no combate ao desmatamento brasileiros e na construção de uma cadeia produtiva sustentável.
Os autores salientam que, desde a virada do milênio, os sistemas alimentares do Brasil e da China tornaram-se interligados e sua relação passou a representar um ponto fundamental para a economia de ambos os países. O comércio de carne e grãos entre China e Brasil, no entanto, também representa um dos principais motivadores de transgressões socioambientais nas fronteiras da soja brasileira e em muitas regiões produtoras de gado, tanto no Cerrado quanto na Amazônia.
“Se a China adotasse legislações de diligência devida semelhantes às que estão em elaboração, ou já implementadas nos países ocidentais, isso poderia ter um impacto significativo no Brasil, dada a importância da China como cliente internacional. A exclusão de importantes cadeias de valor articuladas internacionalmente poderia fornecer um forte incentivo para a mudança comportamental em direção a práticas mais sustentáveis no setor agropecuário brasileiro”, afirmam os pesquisadores em um trecho do artigo.
O impacto das exportações brasileiras de carne bovina para a China também parece estar concentrado em regiões marcadas por baixos níveis de conformidade legal e fiscalização pública. Dos 1.200 municípios brasileiros que abastecem o mercado chinês com carne bovina, só 25 já correspondem a cerca de 50% de todas as emissões associadas a esse tipo de exportação.
A fronteira amazônica
Nos últimos 50 anos, a produção agropecuária na Amazônia Legal se guiou por políticas públicas que estimulavam a expansão acelerada de novas fronteiras produtivas. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população da região passou de 7 milhões para quase 27 milhões no período. Além disso, a expansão agropecuária na região causou um aumento de 423% no rebanho bovino amazônico e de mais de 3000% na produção de grãos da região entre 1985 e 2021.
“O crescimento agrícola na Amazônia contribuiu para que o Brasil se tornasse um dos maiores produtores mundiais. O avanço, porém, ocorreu às custas do alto desmatamento, ao mesmo tempo em que a concentração de renda e de terra também ficaram evidentes. Isso representa um dos desafios mais críticos para a agricultura brasileira: como conciliar a necessidade de produzir mais e a demanda por proteção ambiental necessária para evitar o agravamento da crise climática?”, diz outro trecho.
Embora o Código Florestal obrigue a preservação de pelo menos 80% da vegetação nativa das propriedades rurais na Amazônia, cerca de 78 milhões de hectares foram desmatados até 2021, principalmente para a abertura de pastagens. A derrubada de vegetação nativa, lembram os autores, vem acompanhada de incêndios, degradação florestal e conflitos socioambientais.
Por Lucas Guaraldo
Originalmente publicado pelo: IPAM
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