E se for politicamente inevitável? É possível elaborar e negociar um programa de sustentabilidade ambiental do investimento rodoviário, baseado em experiências internacionais, sincronizando os cronogramas físicos e financeiros, de tal forma que as liberações de recursos de obra física fiquem condicionadas à execução das ações de sustentabilidade ambiental, com supervisão tripartite.
Por Paulo Haddad
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Texto originalmente publicado em 12/06/2009 na Folha de São Paulo
A eventual autorização do licenciamento pelo IBAMA do asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, poderá representar um dos maiores desastres ecológicos no Brasil, na segunda década do século 21. Poderá representar muitas mazelas para o ecossistema da Amazônia: a conversão em larga escala de florestas em áreas degradadas ou em pastagens de baixa produtividade, aumento dos casos de malária, grilagem de terras públicas, etc.
Conheço bem o Estado de Rondônia. Estive lá em 1984 e 1985, coordenando uma equipe de consultores quando o Território se transformou em Estado, visando a assessorar o Governador Jorge Teixeira na estruturação da nova administração pública. Estou trabalhando atualmente no Estado com outra equipe de consultores com o objetivo de analisar os impactos socioeconômicos da construção da UHE de Santo Antônio sobre a microrregião de Porto Velho, assim como identificar oportunidades de investimento diretamente produtivos para absorver a mão de obra a ser liberada na ressaca do grande investimento hidroelétrico.
Trata-se de uma legítima preocupação política do Governo do Estado, uma vez que os grandes projetos de investimento em hidroelétricas no Brasil não conseguiram, em geral, induzir um processo de desenvolvimento sustentável nas regiões onde se localizaram. Dois exemplos marcantes são as Hidroelétricas de Xingó e de Tucuruí que constituem verdadeiros enclaves econômicos regionais, enquanto transportam a energia do progresso para as áreas mais desenvolvidas do País.
Também assisti de perto a implantação do projeto de asfaltamento da BR-364 financiado pelo Banco Mundial com seus impactos adversos sobre o desmatamento e a estrutura fundiária regional, assim como a elaboração do PLANAFLORA, igualmente financiado pelo Banco Mundial, que contribuiu positivamente para a elaboração do zoneamento ecológico e econômico do Estado, um marco diferenciador de Rondônia na Região Norte.
A polêmica em torno da BR-319
Há três grandes argumentos para que a opinião pública regional e nacional não venha apoiar esta iniciativa do Governo Federal que pretende acelerar o processo de licenciamento da BR-319. Em primeiro lugar, o projeto é anti-econômico quando se analisam os seus custos e os seus benefícios do ponto de vista não apenas financeiro, mas também do ponto de vista socioambiental.
Neste caso, é preciso projetar, no fluxo de caixa do projeto, os custos ecológicos (valor econômico da natureza destruída ou degradada) assim como os benefícios ecológicos (valor econômico dos serviços ambientais da floresta preservada e com manejo sustentável), pois o percurso ao longo da precária BR-319 é o de um mosaico de florestas ricas em biodiversidade, principalmente quando se considera a malha de estradas vicinais a ela ser acoplada.
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Em segundo lugar, do ponto de vista da logística de transporte, a região já descobriu uma solução que precisa ser amplificada, modernizada e sustentada politicamente, principalmente pelo próprio Governo do Estado de Rondônia. É indispensável que se transforme a bem sucedida experiência da Hidrovia do Rio Madeira na logística mais econômica e mais adequada do ponto de vista socioambiental, através da construção de um complexo portuário-industrial em Porto Velho com larga escala de investimentos públicos e privados.
Com a pavimentação da BR-319, Porto Velho irá perder sua centralidade dentro da logística de transporte intermodal como saída dos excedentes exportáveis do agronegócio do Centro-Oeste para o Atlântico e para o Pacífico. E Rondônia poderá se transformar em uma região de passagem dos fluxos comerciais dominantes.
Em terceiro lugar, há a questão da Rede de Precedência, que recomenda particular atenção no processo de planejamento à interrelação entre o sequenciamento, a cadência e a intensidade das ações que compõem um programa ou um projeto. Por exemplo: quando no início dos anos 1980, o Polonoroeste foi concebido como um programa de desenvolvimento regional integrado e que previa, além da pavimentação da rodovia Cuiabá-Porto Velho, um conjunto de projetos de desenvolvimento sustentável relativos à preservação dos ecossistemas nas suas áreas de influência, à questão cultural das comunidades indígenas, ao desenvolvimento do capital institucional regional, à legitimação dos títulos das propriedades rurais, etc.
Como o ritmo das empresas construtoras foi mais rápido nas obras da infraestrutura rodoviária do que o avanço na execução dos demais componentes, o Polonoroeste acabou por induzir um intenso processo de degradação ambiental no eixo amazônico de Cuiabá a Porto Velho, o mais notável daquela década.
Assim, não basta a boa intenção do Ministério do Transporte, com a conivência do MMA, em definir um conjunto de ações que deem ao projeto de asfaltamento da BR-319, que vai atravessar o coração preservado da Floresta Amazônica, um biombo de imagem ecologicamente amigável. Essas ações serão executadas por comando e controle de órgãos que, infelizmente, não têm a capacidade administrativa para acompanhar a cadência e a intensidade de eficientes empreiteiras em ansiosa busca de projetos de investimento numa economia brasileira em regime recessivo.
E se for politicamente inevitável? É possível elaborar e negociar um programa de sustentabilidade ambiental do investimento rodoviário, baseado em experiências internacionais, sincronizando os cronogramas físicos e financeiros, de tal forma que as liberações de recursos de obra física fiquem condicionadas à execução das ações de sustentabilidade ambiental, com supervisão tripartite.
Não se trata de uma solução de fácil implementabilidade pois pressupõe uma função de coordenação geral a nível do Governo Federal a qual tem se fragilizado ao longo do tempo, à medida que muitos órgãos da Administração Direta e Indireta se transformaram em feudos de partidos políticos, que fecham o seu território de decisão a esse tipo de coordenação.
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