O ano de 2020 foi especialmente difícil para o Brasil. A cada dia, enquanto uma média de 672,2 brasileiros perdiam suas vidas em decorrência da Covid-19, cerca de 2 milhões de árvores, ou 3.795 hectares de vegetação nativa e toda a sua biodiversidade associada, eram perdidas para o desmatamento.
O Relatório Anual do Desmatamento no Brasil 2020, publicado nesta sexta-feira (11) pelo Projeto MapBiomas, revela que o desmatamento cresceu 13,6% em 2020, atingindo 13.853 km2 ou nove vezes a cidade de São Paulo. Os biomas Amazônia e Cerrado, juntos, responderam por 92% do que foi desmatado. O documento é resultado de uma análise inédita de 74.218 alertas de desmatamento no país e mostra que 99,8% deles, correspondendo a 98,9% da área desmatada, tinham indícios de ilegalidade. Apesar disso, apenas 2% dos alertas ou 5% das áreas desmatadas sofreram multas ou embargos pelo Ibama, revelando a baixa capacidade de resposta do governo federal.
Para Márcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima, os dados do MapBiomas são, no mínimo, constrangedores. “Temos cerca de 200 alertas por dia, em grande parte na Amazônia, revelando que grande parte deles é ilegal. Os dados são oficiais, então sabemos onde os problemas estão acontecendo. Os prejuízos para o Brasil são imensos. Embora tenhamos dinheiro e informação, nos falta vontade política e governo, principalmente no âmbito federal”, disse, em evento online onde foi lançado o relatório.
De acordo com Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas, o desmatamento cresceu em todos os Biomas. “As áreas de grandes desmatamentos aumentaram, e os maiores desmatamentos em termos de área estão ocorrendo no Pantanal, mas a maior área desmatada ocorreu em Altamira (PA), numa gleba pública federal. É uma área integralmente de grilagem de terra”.
Sobre a governança, Azevedo acredita que precisamos focar na responsabilização remota: “Ir a campo fiscalizar é mais difícil. É importante que tenhamos instrumentos remotos de responsabilização, pois temos 203 novos desmatamentos por dia no Brasil. Precisamos olhar o exemplo do estado do Mato Grosso, onde 47% dos desmatamentos ilegais tiveram ações consolidadas, como embargo preventivos. É possível responsabilizar 2/3 das áreas desmatadas”. Mauren Lazzaretti, Secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso (MT), explica o sucesso do estado como uma materialização da conduta: “Tivemos um aumento expressivo de 46% na autuação de infrações ambientais, além do somatório dos esforços com outros entes, como Ministérios Públicos Estadual e Federal e Segurança Pública”.
Para Azevedo, a fiscalização também precisa ser fortalecida: “Apenas 4,8% das áreas desmatadas tinham Autorização de Supressão da Vegetação (ASV), e apenas 5% da área desmatada em 2019 e 2020 foi objeto de autuação ou embargo pelo Ibama”. Ainda segundo o coordenador, é importante notar o crescimento do desmatamento em Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação (UCs) e áreas protegidas pelo Código Florestal: “7,3% dos desmatamentos ocorreu em TIs, crescendo cerca de 31%, o que é bastante, pois as médias de anos anteriores eram em torno de 1%. Já 12,4% dos desmatamentos ocorreram em UCs, crescendo 5%. Além disso, 39% de toda área desmatada se sobrepõe a Reservas Legais (RLs), Áreas de Preservação Permanente (APPs) ou nascentes”.
Para Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) e co-facilitador da Coalizão Clima, Floresta e Agricultura, o MapBiomas é uma espetacular evolução dos dados. “Auxilia nas análises de risco, administração e compliance, e traz à mesa a transparência de dados. Temos uma grande transparência de dados no Brasil. No entanto, é completamente irracional que em 2021 tenhamos um processo de ilegalidade tão grande em nosso país, e que ainda não tenhamos um diálogo franco e transparente entre os três setores da nação. A ilegalidade contamina cada propriedade legal e cada cidadão que atua dentro da legalidade no país”.
Os dados do MapBiomas Alerta cruzam informações de cinco sistemas de detecção do desmatamento, em tempo real, por satélite, e validam-nos com imagens de alta resolução, com o auxílio de inteligência artificial. De acordo com o Relatório, o desmatamento cresceu 9% na Amazônia, 6% no Cerrado, 43% no Pantanal e 99% no Pampa. Na Mata Atlântica, ele explodiu, subindo 125%. Na Caatinga o crescimento foi de 405%, mas se deveu ao fato de que o bioma agora conta com um novo sistema próprio de detecção de desmates por satélite.
Os indícios de ilegalidade detectados no Relatório podem advir da falta de autorização no Sinaflor, o sistema do Ibama onde em tese todos os pedidos de desmatamento precisam ser registrados e liberados, da sobreposição com áreas protegidas, planos de manejo florestal sustentável ou desconformidade com o Código Florestal. O índice de provável ilegalidade é mais baixo no Cerrado, onde 97,8% da área de alertas de desmatamento possui pelo menos um indício de irregularidade. Na Amazônia, ele é de 99,4%. A conclusão é semelhante à do primeiro relatório de desmatamento do MapBiomas, que no ano passado mostrou que 99% dos desmatamentos de 2019 tinham sinais de irregularidades.
O desmatamento é uma intervenção de alto impacto ambiental e, no Brasil, deve ser precedido de uma Autorização de Supressão da Vegetação (ASV), emitida pelos órgãos estaduais de meio ambiente (OEMAs) e o IBAMA, nos casos em que envolve áreas públicas federais ou projetos que envolvem dois ou mais estados. Ao cruzar os dados de desmatamento autorizados, que respeitam a Reserva Legal, APP e nascentes e com as sobreposições com áreas protegidas (UC e TI), apenas 120 dos 74.218 alertas ou 0,16% (1,06% em área) atendem às regras para legalidade. Estes dados apontam um nível de ilegalidade da área desmatada no Brasil acima de 98% considerando os dados oficiais.
A análise das ações realizadas pelos órgãos de controle ambiental para conter o desmatamento ilegal apontam que os embargos e autuações realizadas pelo IBAMA até abril de 2021 atingiram apenas 2% dos desmatamentos e 5% da área desmatada identificada entre 2019 e 2020. Na Amazônia, dos 52 municípios considerados críticos pelas políticas do Ministério do Meio Ambiente, apenas 2% dos alertas e 9,3% da área desmatada tiveram ações de punição. Nos 11 municípios definidos pelo Conselho da Amazônia como mais prioritários, 3% dos alertas e 12% da área desmatada tiveram ações desse tipo.
Apenas 50 municípios concentram 37,2% dos alertas e 49,2% da área desmatada no país. Eles são liderados por Altamira (PA, com 60.608 hectares, aumento de 12% em relação a 2019), São Félix do Xingu (PA, 45.587 hectares) e Porto Velho (RO, 44.076 hectares). Dos 20 municípios mais desmatados, apenas três ficam fora da Amazônia: Formosa do Rio Preto e São Desidério, no Cerrado baiano, e Corumbá, no Pantanal sul-mato-grossense.
O Estado do Pará lidera o ranking do desmatamento no país, com 33% dos alertas e 26% da área desmatada total (366 mil hectares), seguido de Mato Grosso, com 13%, e do Maranhão, com 12%.
Os dados do MapBiomas Alerta mostram que em pelo menos dois terços dos alertas é possível identificar os responsáveis pelo desmatamento: 68,3% das detecções validadas têm sobreposição total ou parcial com áreas inscritas no CAR, o Cadastro Ambiental Rural. No Pantanal e na Amazônia, esse número é ainda mais alto: 84,8% e 69,2%, respectivamente. Ou seja, em tese, esses proprietários poderiam ser multados até mesmo pelo correio, já que para ter registro no CAR é preciso fornecer os dados do requerente.
O relatório também apresenta um inédito cálculo da velocidade do desmatamento: pela primeira vez foi possível estimar quanto o Brasil perdeu de cobertura vegetal nativa a cada dia de 2020: foram 3.795 hectares desmatados em média, o que dá uma perda de 24 árvores a cada segundo durante todo o ano. No dia mais crítico de desmatamento, 31 de julho, foram desmatados 4.968 hectares, quase 575 m2 por segundo.
“Infelizmente o desmatamento cresceu em todos os biomas e o grau de ilegalidade continua muito alto. Para enfrentar o desmatamento é necessário que a sensação de impunidade seja desfeita. Para isso, é preciso garantir que o desmatamento seja detectado e reportado e que os responsáveis sejam devidamente penalizados e não consigam aferir benefícios das áreas desmatadas”, afirma Tasso Azevedo.
“Em mais de dois terços dos casos, também é possível saber quem é o responsável. É preciso que os órgãos de controle autuem e embarguem as áreas desmatadas ilegalmente e as empresas eliminem essas áreas de suas cadeias de produção”, prossegue.
Sobre o MAPBIOMAS ALERTA
O MapBiomas Alerta é uma iniciativa do consórcio MapBiomas, formado por mais de 20 organizações incluindo ONGs, universidades e empresas de tecnologia. Ele processa alertas de desmatamento emitidos por cinco sistemas: o Deter (do INPE, para a Amazônia e o Cerrado), o SAD (do Imazon, para a Amazônia), o Glad (da Universidade de Maryland, para Mata Atlântica, Pantanal e Pampa), o Sirad-X (do Instituto Socioambiental, para a bacia do Xingu), e o novo SAD Caatinga (da Universidade Estadual de Feira de Santana e da Geodatin).
Os alertas passam por processo de validação, refinamento e definição da janela temporal de ocorrência do desmatamento a partir de imagens de satélite diárias de alta resolução espacial. Em seguida, é realizado o cruzamento do dado de desmatamento com recortes territoriais (como biomas, Estados e municípios), recortes fundiários (Cadastro Ambiental Rural, Unidades de Conservação e Terras Indígenas, por exemplo) e situação administrativa (como existência de autorização, autuação ou embargo) e elaborados laudos completos para cada alerta de desmatamento.
Todos os dados e laudos são disponibilizados de forma pública e gratuita, em plataforma web. O relatório completo com todos os dados está disponível no site do MapBiomas Alerta.
Fonte: O Eco
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