A economia baseada na diversidade biológica é uma maratona que começou há alguns séculos nos desafios de enfrentamento da natureza. Segundo o pesquisador Charles Clement, INPA, os índios da Amazônia plantavam castanheiras racionalmente para perenizar essa preciosa fonte nutricional há 10 mil anos. Nessa entrevista, o pesquisador e pós-doutor Roberval Monteiro Bezerra de Lima (*) – Embrapa Amazônia Ocidental, consultor técnico-científico pela Fazenda Agropecuária Aruana, conta como se deu a domesticação da Castanha-do-Pará ou do Brasil no Estado do Amazonas, no município de Itacoatiara, a 215 Km de Manaus. Pesquisa e inovação, com suporte da Embrapa, INPA, Universidades locais, e determinação de ex-pecuaristas da família Vergueiro. Este pioneirismo se tornou referência amazônica de reflorestamento e domesticação de várias espécies, que antecedem e preparam um novo tempo de prosperidade, a Bioeconomia sustentável.
Alfredo Lopes
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1.Follow Up – Há 50 anos, a convite do governador do Amazonas, Danilo Areosa, empresários paulistas vieram fazer pecuária do Amazonas. Descobriram, rapidamente, que este não era o melhor negócio na região. Um deles, Sérgio Vergueiro, resolveu trocar pecuária por reflorestamento na área removida com o plantio de Castanha, Pupunha, Andiroba e Copaíba, entre outras espécies de alto valor comercial. Aproximadamente 3 milhões de indivíduos e distribuição de outras tantas mudas para os pequenos agricultores do Estado. Quais as vantagens e o risco desta escolha?
Roberval Monteiro Bezerra de Lima – Uma das grandes vantagens dessa tomada de decisão, feita pela Agropecuária Aruanã, foi exatamente recuperar uma área que estava se degradando com as pastagens e ter introduzido um componente florestal de ciclo longo, notadamente, a castanha-do-Brasil. De quebra, isso resultou num protocolo seguro e demonstrativo para outras espécies e regiões da Amazônia, algumas amaçadas pelo desmatamento. Tratam-se de espécies que fazem uma ciclagem de nutrientes anualmente, especialmente a castanha do Brasil, que depositam sobre o solo matéria orgânica que vai recompondo esse solo, além de atenuar a infiltração de água por chuvas torrenciais, assim evitando a erosão dos nutrientes. Ao mesmo tempo essas espécies atraem a fauna, a flora e micro-organismos para o próprio solo. Então tudo isso resulta que, num breve período de tempo, essas áreas são ser restauradas e incorporadas novamente ao processo produtivo. Mas não só isso, além dessa contribuição ambiental para Amazônia, tem um componente econômico importante que é gerado pelos frutos, principalmente da castanha-do-Brasil, que começam a dar lucro a partir dos 15 anos de idade. Então, esses dois pontos são importantes vantagens dessa estratégia. Um dos grandes riscos que se corria, há 30 anos, era a falta de informações sobre como essa espécie nativa da Amazônia iria se comportar em sistema de monocultivo, em espaçamentos mais adensados do que naturalmente ocorre na natureza. Em ambiente natural, a castanha-do-Brasil ocorre a uma taxa de 2 a 5 indivíduos por hectare, e nos plantios em monocultivo, atualmente, essas árvores são plantadas em uma densidade de 100 indivíduos por hectare num espaçamento de 10×10. E isso é uma grande diferença a favor do cultivo racional. Ninguém sabia como essa espécie iria se comportar, considerando as experiências com outras espécies valiosas como o cacau, a seringueira e o mogno que, quando adensados, não prosperavam em função da incidência de pragas e doenças. Felizmente, isso não ocorre com a castanha, uma espécie muito forte, bem adaptada aos nosso ambiente e, até hoje, não se tem notícia de nenhuma praga ou doença que seja limitante ao seu monocultivo. Além disso, por ela ser bem adaptada não é exigente em nutrientes, também o que é importante para o ambiente amazônico. O nome desse processo é domesticação e é um protocolo facilmente replicável em outras regiões degradadas na Amazônia.
2. Fup – Cientistas e pesquisadores que hoje visitam a Fazenda Aruanã, da família Vergueiro, costumam dizer que ali se forma uma plataforma de produtos sustentáveis para Bioeconomia. Você concorda com essa afirmação?
R.M.B.L – Sim, concordo e posso dizer porquê. Posso dizer também que no Amazonas, com domesticação de espécies nativas, a pecuária deu lugar a uma plataforma de Bioeconomia. Ali estão sendo domesticadas algumas espécies que tem essa vertente bioeconômica, com protocolos que irão escrever uma nova história do reflorestamento inteligente na Amazônia. Temos consolidados os plantios, principalmente de quatro espécies: castanheira-do-Brasil, cumaru, jatobá e andiroba. Todas essas espécies são espécies endêmicas da floresta nativa e que estão passando por um processo de domesticação para que possam ser utilizadas economicamente em maior escala de aproveitamento. É claro que, para se domesticar uma espécie e se conhecer todos os seus ciclos de produção em outro ambiente, necessitamos de pesquisas para determinar todas as condicionantes que possam assegurar crescimento e robustez. Já temos muitos estudos e muitos precisam ser feitos, desde a produção de mudas, que é onde tudo se inicia com coleta de sementes, até a colheita final. Para chegar até aí, consolidamos a melhor forma de plantio, as formas de adubação, tipo de espaçamento e o estudo da produção e da identificação das melhores árvores, as árvores plus que, no futuro, serão as matrizes de outros plantios. Então, além disso, na Fazenda Aruanã, consolidamos um banco de matrizes que poderão ser a base para outros programas de reflorestamento na Amazônia. É evidente que para se ter essa base genética é preciso que se tenha o máximo possível de diversidade do germoplasma. É fundamental ter todos os cuidados no momento da coleta, e selecionar as sementes de, pelo menos, 20 árvores da floresta para assegurar uma sólida base genética. Toda esse acervo de informações disponibiliza, com certeza, uma contribuição ao processo bioeconômico que se credencia, cada dia mais, como o modelo de desenvolvimento adequado para a floresta.
3. Fup – A castanha do Pará, ou do Brasil, tem um mercado secular garantido. A pupunha, tanto o fruto como o palmito, tem demanda reprimida de mercado. É um alimento região de altíssimo valor nutricional e de sabor consagrado . E o óleo da copaíba ou andiroba, tem aplicações medicinais surpreendentes. Você diria que as condições de Bioeconomia já estão ali asseguradas?
R.M.B.L. – No momento ainda não, pois esses protocolos não significam boas taxas de retorno por si só. Precisamos dar melhor condições estruturais para o desenvolvimento da Bioeconomia na Amazônia, precisamos de estradas, principalmente no Estado do Amazonas, ou estradas com uma melhor concepção/interação com nossas vias fluviais. Precisamos incentivar a cultura do reflorestamento. Isso desestimula o desmatamento e aponta para negócios inteligentes, rentáveis e sustentáveis. Isso supõe investimentos em qualificação de recursos humanos. Além disso tem a questão fundiária, regularização dos título agrários, este é um problema antigo e que precisa ser resolvido. E também, temos que rever as normas ambientais que podem ser simplificadas para que as pessoas que decidem investir na Amazônia se sintam em condições de fazê-lo. Por exemplo, entre muitas normas existe o SisGen, a nova Lei de Acesso à Biodiversidade, um sistema onde você tem que registrar todas as espécies nativas que está explorando e onde está assegurada a repartição de benefícios para as populações tradicionais. Evidente que isso é uma coisa importante, essa repartição de benefícios, mas precisa ser um sistema amigável onde o empresário, ou sua equipe, possa transitar facilmente e não ser tratado como meliante. Ou seja, é preciso desburocratização para o desenvolvimento da Bioeconomia na Amazônia. Outra questão importante é saber como o Brasil se tornou um dos maiores exportadores de polpa de celulose, o cavaco, para produção de papel. Isso ocorreu graças a uma política de contrapartida fiscal para esses plantios. Desse modo, o Brasil plantou 6 milhões de hectares, principalmente, com a espécie do gênero eucalipto e pinus. Como a política fiscal previa um prazo para se retirar, o tempo combinado foi suficiente para que o setor andasse com suas próprias pernas. Essa política cabe para a Amazônia, com algum tipo de incentivo fiscal para as pessoas que pretendem implantar espécies de interesse bioeconômico como castanha-do-Brasil, cumaru, copaíba, jatobá, andiroba, pau rosa, porque todas essas espécies são espécies de ciclo longo, com um tempo de maturidade para começar a produzir em torno de 10, 15 anos dependendo dos processos. Caso contrário, fica complicado para um investidor imobilizar seu recurso por 10, 15 anos para esperar o retorno. Com uma política de contrapartidas, fiscais como se fez com o Comércio e a Indústria no Amazonas, a Bioeconomia será rapidamente um fato que espalhará benefícios, sustentabilidade e dívidas para o país.
4. Fup – Energia da biomassa, tanoaria, madeira para movelaria com design tropical, são alguns dos outros subprodutos que a Aruanã já começou a empinar. Você acredita que este modelo pode ser replicado em outras áreas degradadas da Amazônia?
R.M.B.L. – Tenho certeza científica dessa modelagem, pois se trata de um modelo que prevê plantio de espécies florestais para recuperação de áreas degradadas. Em primeiro lugar, atende ao objetivo de recuperar essas áreas, um objetivo ambiental de recuperação de áreas esgotadas pelo mau uso. Ao mesmo tempo você pode dar um viés econômico a essas áreas de restauração. O importante é você sempre manter a cobertura florestal do solo. E se você faz uma recuperação adequada de uma área, pode explorar seus produtos, os frutos, a biomassa, incluindo os créditos ambientais, mas sempre deixando assegurada a cobertura florestal, e as vantagens ambientais que isso representa. O nome disso é sustentabilidade. Evidentemente você não vai poder restaurar uma área e explorar todas as árvores que você plantou. Tem que ter o manejo das áreas de modo a manter a sua viabilidade e liquidez permanente. Aqui na Amazônia nós temos 8 milhões de hectares de áreas em estado de degradação. Isso aproximadamente equivale a toda a área que nós temos de floresta plantada no Brasil. Então, nós não precisamos mais encurtar/desmatar a floresta para plantar árvores, seria contrassenso. Basta utilizar as áreas que já foram abertas e que em algum grau já estão em processo de degradação. Por isso, quando você planta uma árvore ela tem todo um conjunto de serviços ambientais que está sendo disponibilizado não só para o produtor, para aquele que plantou, como para todo o país e para o planeta. Então, essa árvore está sequestrando o carbono, principalmente, transformando aquele CO2 que está na atmosfera em alimento para ela e guardando, fixando, esse carbono nas suas estruturas. Além disso, você tem toda a questão do equilíbrio ambiental. Essas árvores vão fazer a fotossíntese, elas vão fazer ciclagem de nutrientes, vão recuperar o solo. Então nesse tema considero de fato importante você combinar o plantio de árvores na recuperação de uma área. Inclusive não pode ser só as árvores em monocultivo, você pode utilizar os sistemas agroflorestais, ou seja, você vai aproveitar o crescimento inicial das árvores com outras espécies que demandam mais luz, então você pode associar com milho, feijão, macaxeira, com outras espécies que poderão também beneficiar o produtor. É realmente uma estratégia bem interessante para Amazonia.
5. Fup – Castanha-do-Brasil virou tese na USP contra o mal de Alzheimer. Que outras doenças podem encontrar respostas nas espécies plantadas na Fazenda Aruanã?
R.M.B.L. – É curioso nessa história, que ganhou o Prêmio Jovem Cientista, foi o convite feito à pesquisadora, Dra. Bárbara Cardoso, orientada por Silvia Cozzolino, para atuar na Universidade de Melbourne, na Austrália, onde pesquisa e desenvolvimento anda de braços dados com o mercado. Aqui devemos fazer o mesmo. Vejam a relação da Embrapa com o Agronegócio. Em 2018, uma pesquisa conduzida pelo Instituto de Química e pelo Instituto de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas da UNICAMP apresentou resultados importantes do óleo de copaíba no tratamento de nove tipos de câncer, incluindo o câncer de mama. Na Fazenda Aruanã, onde Embrapa, Ufam, INPA, USP, entre outras instituições já descobriram que o Eldorado é verde, algumas espécies que têm sido plantados como Jatobá, cumaru, copaíba, castanha do Brasil, estão à disposição para mais estudos. Por lá, tem passado dezenas de pesquisadores atrás dessas respostas que inquietam a Humanidade. Nós sabemos que na Amazônia existem milhares de espécies que ainda são desconhecidas – que podem auxiliar na cura de doenças – sobretudo as espécies utilizadas há 20 mil anos pelas populações tradicionais. Então, é uma riqueza que nós temos e que precisamos preservar. É um banco genético de espécies com potencial para resolver problemas de saúde, alimentação funcional, cosméticos e insumos de diversas indústrias. Evidentemente que, a medida que cresce a demanda por alguma espécie nativa, essas espécies, naturalmente, devem passar pelo processo de domesticação, porque a coleta dessas espécies no ambiente natural é um tanto quanto difícil para os produtores. As espécies ocorrem em uma baixa densidade, então a pessoa precisa andar muito, carregar nas costas o produto, trazer para sua colocação e depois beneficiar de uma maneira muito precária, muitas vezes sem energia elétrica, e não tem como conservar o material. Então, esse processo de domesticação para fazer o adensamento dessas espécies em áreas produtivas, é uma das estratégias importantes, inclusive para essas espécies que podem ser utilizadas pela medicina, como: bioprodutos, bioativos, componentes de alguns remédios como já existem hoje em dia. Finalmente, gostaria só de enfatizar que hoje nós temos muitos acervos e coleções de espécies, algumas já muito bem documentados e outras ainda precisando de pesquisas e estudos, mas nós temos que considerar duas estratégias: uma que é a Conservação das nossas espécies nativas no ambiente natural e a melhoria do processo de exploração dessas espécies no ambiente natural para que seja viável ao produtor fazer essa coleta na floresta nativa. Com a Conservação, o desafio é a melhoria dos processos de produção dessas espécies na floresta nativa, e isso é importante para as populações tradicionais. E a outra estratégia é o plantio das espécies economicamente importantes, para que seja viabilizado um negócio florestal robusto com essas espécies. São espécies já consagradas e que podem viabilizar excelentes negócios com escalas de produção, com eficiência no sistema de produção e no sistema de colheita e pós-colheita, até o ponto da entrega desse produto ao seu consumidor final. E assim vamos consolidar o aproveitamento sustentável da diversidade biológica, ou seja, estaremos adentrando no terreno promissor da Bioeconomia.
(*) Roberval Monteiro Bezerra de Lima – Pós-doutorado (2017) pela Techinische Universität Bergakademie Freiberg, Alemanha, do programa Novas Parcerias Integradas CAPES/DAAD/GIZ, doutorado (2004) em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná. Tem experiência nas áreas de docência em Estatística,Recursos Florestais e Engenharia Florestal, com ênfase em Silvicultura, atuando principalmente nos seguintes temas: Amazônia, plantações florestais, recuperação de áreas degradadas, florestas energéticas, métodos quantitativos e plantios florestais. É líder do grupo de pesquisa do CNPQ: manejo e silvicultura de florestas cultivadas, agrofloresta e sistemas agrosilvopastoris na Amazônia.
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