“Em suma, a discussão em torno da BR-319 e o desenvolvimento sustentável da Amazônia necessita de uma abordagem holística, que não apenas aborde os desafios imediatos, mas também pavimente o caminho para um futuro sustentável e economicamente viável para a região. E nós temos direito constitucional de decidir o ir e vir de nossos caminhos”.
Anotações de Alfredo Lopes
____________________________
Coluna Follow-Up
Padece de argumentos a alegação ambiental utilizada historicamente para postergar o direito de ir e vir dos brasileiros que vivem na Amazônia Ocidental. A recuperação da BR-319 não é o problema ambiental do Brasil. Mas talvez aí esteja parte da solução. Não existem obstáculos intransponíveis diante de necessidades essenciais. Soluções é o que não faltam quando oportunidades e direitos estão em jogo. Estamos com crédito sobrando na área da sustentabilidade. E desafiamos a quem se dispuser ao debate transparente e sincero para ratificar essa postulação.
No recente 1º Fórum de ESG Amazônia, o debate sobre a recuperação da rodovia BR-319 e sua sustentabilidade foi reacendido. Denis Minev, economista e empresário líder da Bemol, propôs novamente a ideia inovadora de rematamento, visando transformar a reabilitação florestal do Amazonas em um empreendimento lucrativo e sustentável. A iniciativa já está em andamento no município de Careiro Castanho, por conta e risco do empresário, e está acontecendo no traçado Amazonas da BR-319, evidenciando a potencialidade de negócios sustentáveis na região.
A questão central é quem deve assumir a responsabilidade pela vigilância e fiscalização das rodovias federais. Inteligência natural e artificial está sobrando. Com a BR-319 fora das prioridades federais, entretanto, a região enfrenta o risco de degradação contínua. Isso é efeito imediato do abandono. A rodovia, que já sofreu décadas sem manutenção adequada, torna-se alvo fácil para grileiros e desmatadores.
O desafio é identificar formas de proteger esta via crucial, atribuindo-lhe um valor econômico que possa justificar sua preservação e manutenção. A indústria amazonense, dependente de uma logística estratégica e alternativa, vê-se ameaçada pela falta de opções de transporte no modal rodoviário. A situação é agravada pela possibilidade de vazantes extremas, novamente em 2024, o que aumenta a vulnerabilidade logística da região: Indústria, comércio, serviços corriqueiros de emergências.
A despeito dos desafios, entretanto, o Amazonas não fica nem deveria ficar à margem no que diz respeito a investimentos para combate ao desmatamento. Iniciativas como o Edital Restaura Amazônia, anunciado na COP28, em dezembro último, mais o aporte de recursos do Reino Unido para o Fundo Amazônia. São demonstrações de um comprometimento financeiro substancial para a sustentabilidade na região. Proteger o bem natural é, principalmente, atribuir-lhe uma finalidade econômica. Os ingleses descobriram este mantra desde que enxergaram os negócios da borracha cultivada extensivamente.
Enquanto isso, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, anuncia obras que beneficiarão o Acre, mas deixa a BR-319 à margem de seus planos e metas. A estratégia parece beneficiar mais o agronegócio que a Zona Franca de Manaus (ZFM), revelando uma disparidade de interesses e prioridades. Nada contra o agrobusiness. Podemos compartilhar com muito gosto o portfólio fabril da ZFM. O negocio do Amazonas, porém, é outro, e exige tecnologia da inovação sustentável. O debate sobre a infraestrutura amazônica é frequentemente reduzido a uma dicotomia entre desenvolvimento e destruição ambiental. Isso está furado posto que foi contornado há quase seis décadas.
É imperativo adotar uma visão mais abrangente, que considere as necessidades econômicas, sociais e ambientais de forma integrada, para superar a noção de que o Amazonas está “distante” e desprovido de infraestrutura adequada. Em suma, a discussão em torno da BR-319 e o desenvolvimento sustentável da Amazônia necessita de uma abordagem holística, que não apenas aborde os desafios imediatos, mas também pavimente o caminho para um futuro sustentável e economicamente viável para a região. E nós temos direito constitucional de decidir o ir e vir de nossos caminhos.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
Comentários