O PLC nº 080, aprovado por deputados, reduz em cerca de 220 mil hectares o território de duas unidades de conservação. PGE vê inconstitucionalidade e orienta governador ao veto
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) de Rondônia emitiu parecer em que aponta a inconstitucionalidade do projeto de lei que reduz em cerca de 170 mil hectares a área da Reserva Extrativista Jaci-Paraná – quase 90% do total da unidade de conservação – e retira outros 50 mil hectares, aproximadamente, do Parque Estadual de Guajará-Mirim. A proposta legislativa (PLC nº 080) foi aprovada no final de abril pela Assembleia Legislativa de Rondônia e encaminhada ao gabinete do governador, Marcos Rocha (PSL), para sanção. O prazo para o posicionamento do governador se encerra nesta quinta-feira (20) e se ele não emitir um veto, parcial ou total, a tempo, o projeto é aprovado integralmente.
O parecer instrui o governador pelo veto à redução da reserva extrativista (resex) e do parque estadual, assim como do reconhecimento de posse aos que hoje ocupam irregularmente áreas dentro das duas unidades de conservação (artigo 15 do PLC). Ambientalistas alertam que projeto premia grileiros e estimula a invasão de terras públicas.
O texto da procuradoria lista uma série de pontos de inconstitucionalidade relacionados à aprovação do PLC nº 080, como não apresentar estudos técnicos prévios para embasar a decisão de diminuir as áreas protegidas, ferir o princípio de prevenção e precaução ao dano ambiental irreversível ou não sabido, e violar o princípio de vedação ao retrocesso ambiental.
“Qualquer projeto que possa acarretar significativo impacto ao meio ambiente deve ser precedido de estudos técnicos, inclusive projetos de lei que visem à redução de unidades de conservação, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade. Feitas essas considerações, cumpre observar que, no caso, o projeto de lei que resultou no Autógrafo de Lei ora em análise não foi precedido de nenhum estudo técnico relativo à desafetação que se pretende fazer na Reserva Extrativista Jaci-Paraná e no Parque Estadual de Guajará-Mirim”, aponta o texto da PGE, ao qual ((o))eco teve acesso.
Tais estudos teriam como objetivo mapear e identificar a população residente na unidade de conservação, diferenciar ocupações feitas antes e depois da criação das UCs e avaliar os impactos ambientais da redelimitação.
“Embora pareçam evidentes e elevados os riscos ambientais impostos pela proposição legislativa em apreço – que, relembre-se, prevê a supressão de nada menos que 219 mil hectares de espaços territoriais especialmente protegidos –, sua elaboração não foi precedida de nenhum estudo técnico, em grave afronta aos deveres de prevenção e precaução emanados do artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV, da Constituição Federal”, alerta o parecer da PGE.
O texto original é de autoria do próprio governador rondoniense, Marcos Rocha. Durante sua tramitação na Assembleia, o projeto recebeu cinco emendas de autoria coletiva dos parlamentares e aprovadas por maioria, nenhuma delas debatida anteriormente em audiência pública. Um dos principais efeitos das emendas foi a reconfiguração do desenho do parque estadual, que no texto original perderia uma porção de apenas 14 mil hectares, parcialmente compensada pela inserção de outra área, de cerca de 5 mil hectares, conhecida como “bico do parque” e com isso teria uma redução de apenas 10 mil hectares do território total, ao invés dos 55 mil hectares a menos em jogo com o texto modificado pelos deputados.
Na avaliação da procuradoria-geral do Estado, o recebimento de emendas não debatidas anteriormente com as populações tradicionais que moram na região, em especial na Resex Jaci-Paraná, configura outra grave violação constitucional, dessa vez ao artigo 6º da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT 169), ratificada pelo Brasil, e que assegura aos povos indígenas e tradicionais o direito à consulta livre, prévia e informada em qualquer medida legislativa ou administrativa que possa afetá-los diretamente, a exemplo de projetos de lei que alterem unidades de conservação onde vivem.
“No caso em apreço, tem-se que, após ser encaminhada pelo Poder Executivo à Assembleia Legislativa, a proposta de desafetação em exame sofreu uma séria de emendas parlamentares, as quais resultaram na desafetação de uma área significativamente maior do que aquela inicialmente proposta. Não obstante essa significativa alteração da proposta inicial, o fato é que as populações tradicionais diretamente afetadas, especialmente da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e das Terras Indígenas do entorno do Parque Estadual de Guajará-Mirim, em nenhum momento foram consultadas sobre tais emendas parlamentares, muito menos de forma livre, prévia e informada”, destaca a PGE.
Além da desafetação, o PLC nº 080 cria outras cinco áreas protegidas: o Parque Estadual Ilha das Flores, com 89.789 hectares; o Parque Estadual Abaitará, com 152; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bom Jardim, com 1.678; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro, com 18.000; e a Reserva de Fauna Pau D’Óleo, com 10.463 hectares. Somadas, as novas unidades representam aproximadamente 120 mil hectares de área protegida no estado. O texto original incluía uma sexta unidade de conservação, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Machado, com 7.890 hectares, retirada em uma das emendas aprovadas em consenso na Assembleia.
A procuradoria-geral destaca, entretanto, que “as áreas ofertadas para compensação são substancialmente inferiores em extensão às desafetadas, além de não reproduzirem os atributos únicos encontrados na Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim”, o que é atestado em um parecer técnico emitido pela própria Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam).
“As áreas desafetadas se encontram em uma das regiões mais relevantes e sensíveis do ponto de vista ambiental, compondo o único corredor ecológico que interliga diversas Terras Indígenas e Unidades de Conservação federais e estaduais”, reforça a PGE
Outras manifestações contrárias ao PLC 080
A Frente Ampla de Defesa das Áreas Protegidas em Rondônia, movimento social composto por 65 organizações, instituições e ambientalistas, enviou uma representação ao Ministério Público Estadual de Rondônia (MPE-RO) no qual cita irregularidades no projeto e na tramitação dele na Assembleia Legislativa, como a falta de audiências públicas e de transparência sobre o teor do projeto.
“As terras retiradas das unidades de conservação serão dadas como prêmio a invasores ilegais, que ocuparam a floresta com base na violência. Grileiros que expulsaram as comunidades tradicionais para colocar, em seu lugar, 120 mil cabeças de gado, destinadas inclusive à exportação”, denuncia a nota, que alerta ainda que a decisão terá impactos diretos nas Terras Indígenas Uru-eu-wau-wau, Karipuna, Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão, Karitiana e comunidades em isolamento voluntário na região, que não foram consultados em momento algum sobre as alterações nas unidades de conservação.
O próprio MPE encaminhou uma recomendação administrativa no dia 26 de abril ao governador, para que vetasse a proposta de redelimitação das UCs. No início de maio, organizações socioambientais se manifestaram contrariamente ao projeto através de carta aberta enviada ao governador, na qual solicitam o veto integral do PLC nº 080/2020.
Fonte: O Eco
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