O comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, disse nesta quinta-feira, 12, que as Forças Armadas brasileiras são “uma das menores do mundo” em relação ao território a ser defendido. “Estamos aquém do que o Brasil precisa”, afirmou ele, dizendo que “não podemos abrir mão da soberania sobre a Amazônia”.
A frase se encaixa no contexto, embora ele não estivesse comentando o caso, da já célebre ameaça que virou meme de Jair Bolsonaro (sem partido) contra o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden.
Na terça, 10, o brasileiro disse, ao citar o interesse do democrata sobre o desmatamento na Amazônia, que “quando acabar a saliva (a diplomacia), tem que ter a pólvora (dissuasão militar)”.
Pujol falava em uma live promovida pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa. No evento virtual, Pujol repassou a doutrina de emprego do Exército, que prioriza a soberania nacional. “Somos o celeiro do mundo, reserva de água e minerais estratégicos para o mundo”, disse, emulando a visão que pauta o Exército desde o começo do século 20.
“Não existe ameaça imediata, alguém querendo nos invadir para conquistar nossos recursos. Então, a sociedade e os políticos colocam uma prioridade baixa (sobre o tema). Eu até entendo”. “Mas muita coisa no nosso entorno estratégico é dinâmica. De um dia para o outro, as coisas mudam”, afirmou.
Sobre o tamanho das Forças Armadas, repetiu mais de uma vez que as considerava insuficientes, mas que será cumprido o acordo da reforma da carreira militar de 2019, de reduzir o efetivo em 10% em dez anos.
A fala de Pujol reflete uma ideia comum entre os militares, que esbarra na realidade. Na avaliação do respeitado Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, “as Forças Armadas brasileiras estão entre as mais capazes de sua região”.
O país tem um efetivo fardado de 380 mil pessoas, flutuando em torno da 15ª posição no ranking mundial. Isso não significa força, já que equipamento e logística colocam o Brasil atrás de muitos países bem menores. Para ficar na preocupação geográfica, são 22 km² para cada militar. Ou 176 militares para cada 100 mil habitantes.
Na região, a Colômbia tem uma realidade bem mais militarizada, com um fardado para cada 3,8 km² ou 592 a cada 100 mil moradores.
Mas o país vizinho está em guerra civil desde 1964. O último conflito travado pelo Brasil no continente foi a Guerra do Paraguai, há 150 anos. Isso não diz nada sobre o futuro, mas relativiza o presente.
De todo modo, se a bazófia diplomática de Bolsonaro fosse levada a sério, o Brasil teria problemas. Os Estados Unidos são a maior potência militar da história, e em duas semanas gastam o equivalente a todo o orçamento do setor no Brasil. Por sua área, o Brasil, em especial uma região florestal densa como a Amazônia, são inconquistáveis.
Mas os americanos, numa guerra hipotética que não levasse em conta as 3.800 ogivas nucleares à disposição de Washington, teriam outras opções à mão. Poderiam bloquear o país pelo mar, interrompendo nosso fluxo comercial e asfixiando a economia.
A capacidade de projeção de poder americana, com 11 grupos de porta-aviões que levam até 90 aeronaves cada um, permitiria o bombardeio à submissão de qualquer capital.
Como Pujol disse na live: “E se formos ameaçados? O inimigo virá com apoio aéreo. Precisamos dotar o Exército de capacidade antiaérea”.
De fato, o Brasil não dispõe de defesa antiaérea de média ou alta altitude. Claro que o general não falava dos EUA: na cabeça dos militares, é a Venezuela o risco mais iminente de problemas. Ele admite, contudo, que “a realidade econômica” não permite grandes sonhos.
A visão bolsonarista de uma ameaça militar na Amazônia vai ao encontro ao que os planejadores da Escola Superior de Guerra traçaram em cenários para 2040, num documento revelado pelo jornal Folha de S.Paulo no começo do ano.
Eles falavam que a França, com sua retórica ambiental e presença física na Guiana Francesa, seria a grande rival estratégica. O texto foi descartado, mas o sentimento, não.
Alternativas, no caso de a turma ter a razão? Em 1965, o líder paquistanês Zulfikar Ali “Bhutto disse que “iríamos comer grama, mas teríamos a bomba atômica”.
Seu país de fato gramou, mas obteve seu objetivo em 1998 e assim equilibrou um pouco a disputa com a rival Índia. A ditadura norte-coreana só está no poder porque tem a bomba e mísseis que ameaçam os EUA.
Como isso seria inconstitucional no Brasil, resta o planejamento de guerra assimétrica (como guerrilhas), algo que incomoda os americanos desde campanhas no Vietnã.
Mas os exercícios feitos recentemente na Amazônia não se tratam disso, e sim de repelir escaramuças fronteiriças com a Venezuela. Como disse Pujol, as 36 baterias de mísseis Astros-2, usadas na simulação, são o maior elemento dissuasório hoje do país. Numa guerra com os EUA, elas durariam poucas horas.
Fonte: Amazônia Atual
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