“Ore como se tudo dependesse de Deus e trabalhe como tudo dependesse de você”. Orar e trabalhar, incessantemente, deveria também ser o lema de quem empreende na Amazônia, mais precisamente, na Zona Franca de Manaus, tal o clima de insegurança jurídica que não nos deixa trabalhar em paz.
Por Nelson Azevedo
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A frase é de São Bento e descreve o mote cotidiano dos mosteiros que o santo implantou, e onde viveu até o final do Século VI. Oração e trabalho era seu lema. Séculos depois, outro santo, Inácio de Loyola, fundador da ordem religiosa à qual pertence o papa Francisco, os Jesuítas, arrematou e ampliou o lema beneditino: “Ore como se tudo dependesse de Deus e trabalhe como tudo dependesse de você”. Orar e trabalhar, incessantemente, deveria também ser o lema de quem empreende na Amazônia, mais precisamente, na Zona Franca de Manaus, tal o clima de insegurança jurídica que não nos deixa trabalhar em paz.
Aplaudido mundialmente
A Zona Franca de Manaus (ZFM), um programa de desenvolvimento regional aplaudido mundialmente, enfrenta uma nova ameaça com o retorno da proposta de reforma tributária à Câmara dos Deputados. O relator da proposta, deputado Aguinaldo Ribeiro, declarou aos jornalistas que não pretende criar exceções adicionais, o que inclui revisar regimes especiais como o da ZFM. O objetivo de Ribeiro é reduzir a alíquota média do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), contrastando com a abordagem do Senado.
Norte e Nordeste
Ora et laborat, reagiu Serafim Corrêa, secretário de Desenvolvimento, Indústria e Tecnologia do Amazonas, que expressou preocupação com as mudanças propostas, destacando a necessidade inadiável de união entre as bancadas do Norte e Nordeste. A reforma, aprovada no Senado e alterada na Câmara, propõe a unificação de cinco impostos sobre consumo em um único IVA, a ser dividido entre a União e estados/municípios. E como é comum ocorrer, a ZFM entra como o bode expiatório da estória.
Ninguém é unanimidade
A ZFM, apesar de celebrada e protegida pelos políticos do Amazonas, e defendida com obstinação desproporcional ao seu reduzido tamanho, a ZFM não reúne unanimidade nacional. Críticas vêm de políticos e especialistas do Sul e Sudeste, principalmente após a votação no Senado, conduzida pelo relator Eduardo Braga. O modelo do Senado para a ZFM sugere a criação de um tributo específico sobre produtos industrializados fora da Zona Franca e similares aos produzidos no Polo Industrial de Manaus. Com outros benefícios estendidos, Sociedades Anônimas de Futebol e a profissionais liberais, o consumidor final pode enfrentar custos mais elevados, especialmente se a alíquota do IVA for mantida em 27,5%, a mais alta do mundo.
Orações e assombrações
E como, apesar das constantes orações, mais assombrações aparecem, ainda por cima, está a caminho a edição da Medida Provisória nº 1185 de 2023, que chega numa hora complicada para a economia local. Vejamos os principais impactos dessa medida na Zona Franca de Manaus e nos estados menos industrializados do Brasil. Seu impacto significativo será, especialmente, nos estados mais pobres. Ela propõe a incidência de imposto de renda e PIS/Cofins sobre os incentivos estaduais de ICMS. Isso pode reduzir os benefícios que estados oferecem para atrair indústrias, aumentando as desigualdades regionais já existentes no país. O advogado Marcelo Ramos, ex-vice-presidente da Câmara dos Deputados, nos alertou, veementemente, sobre esses riscos e danos.
Sacolejos permanentes
E se não bastassem os sacolejos da insegurança jurídica, essa medida provisória afetaria permanentemente o contencioso tributário no Brasil, especialmente às vésperas de uma reforma tributária destinada a atenuar o manicômio fiscal. Afinal, ela vai contra o objetivo da reforma tributária de simplificar o sistema. Além disso, poderá provocar um aumento nas ações judiciais relacionadas a tributos que tiram do sério o investidor na Amazônia. O advogado Marcelo Ramos, ex-vice-presidente da Câmara dos Deputados, nos alertou, veementemente, sobre esses riscos e danos.
Mais do que um projeto regional
A situação da Zona Franca de Manaus (ZFM) na reforma tributária brasileira evidencia um descompasso na compreensão da dinâmica fiscal e das razões constitucionais para a existência deste programa. A ZFM é mais do que um projeto regional; ela desempenha um papel crucial na redução das desigualdades entre o Norte e o Sul do Brasil. Além disso, ao oferecer mais de meio milhão de empregos, o Polo Industrial de Manaus desempenha um papel vital na prevenção de práticas econômicas predatórias relacionadas à floresta.
Aceitação dos ilícitos
Esta falta de reconhecimento da importância econômica e social da ZFM pode ter implicações profundas. A ameaça de desmantelamento dos benefícios fiscais da ZFM, como proposto na reforma tributária, sugere uma aceitação implícita das atividades ilegais e prejudiciais ao meio ambiente, como o narcotráfico, o desmatamento ilegal, e o garimpo ilegal em terras indígenas. Estas atividades não só ameaçam a sustentabilidade ambiental, mas também a estabilidade social da região.
Vamos à luta
A ignorância travestida de maledicência sobre a ZFM, portanto, vai além de um mecanismo de incentivo fiscal. E aos maledicentes não importa que se trata de um baluarte contra desigualdades e práticas econômicas insustentáveis. O debate sobre a reforma tributária, portanto, não deveria apenas focar em alíquotas e regimes fiscais, mas também reconhecer o papel vital da ZFM na manutenção do equilíbrio econômico, social e ambiental do Brasil. Vamos à luta, um lugar que não podemos abandonar.
Nelson é economista, empresário e presidente do sindicato da indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.
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