Usar a urina na agricultura pode mais que dobrar a produtividade de algumas culturas em comparação com solos sem fertilização, com um custo ambiental muito inferior ao de fertilizantes convencionais
Há alguns séculos, a urina era utilizada como fertilizante na Roma Antiga e na China. Agora, agricultores em Vermont, nos Estados Unidos, estão resgatando essa prática para aumentar a produtividade e cultivar de forma mais sustentável.
Segundo reportagem da BBC, o poder da urina como fertilizante vem de seu alto teor de nitrogênio e fósforo — os mesmos nutrientes adicionados aos fertilizantes sintéticos amplamente usados na agricultura convencional. No entanto, esses fertilizantes químicos têm um alto custo ambiental devido ao processo de produção de nitrogênio e extração de fósforo.
Hoje, cientistas descobriram que usar a urina na agricultura pode mais que dobrar a produtividade de culturas como couve e espinafre em comparação com solos sem fertilização, além de melhorar os rendimentos mesmo em solos de baixa fertilidade.

Menos emissões e economia de água
Nancy Love, professora de engenharia civil e ambiental na Universidade de Michigan, tem colaborado com a equipe do Rich Earth Institute (REI), uma organização sem fins lucrativos com sede em Vermont, ao longo da última década. Suas pesquisas mostram que o uso de urina como fertilizante, em vez de fertilizantes sintéticos convencionais, reduz as emissões de gases de efeito estufa e exige cerca da metade da quantidade de água.
Desde 2012, o programa Urine Nutrient Reclamation Project (UNRP), administrado pelo REI, estima ter economizado mais de 2,7 milhões de galões (10,2 milhões de litros) de água ao evitar descargas desnecessárias em vasos sanitários.
“Eu sempre fui uma pensadora sistêmica, e nosso sistema de água tem muitas ineficiências”, diz Love à BBC. “O que fazemos hoje é diluir ao extremo nossa urina, enviá-la para uma estação de tratamento, gastar ainda mais energia para processá-la e, no fim, devolvê-la ao meio ambiente em uma forma reativa.”

Como é preparada a urina na agricultura?
As doações de urina do Condado de Windham, um dos 14 condados do estado de Vermont, são coletadas por um caminhão e transportadas para um tanque grande, onde passam por um processo de pasteurização, sendo aquecidas a 80°C (176°F) por 90 segundos. Em seguida, a urina é armazenada em um tanque pasteurizado, ficando pronta para ser pulverizada nas terras agrícolas locais no momento ideal para a fertilização das plantações.
Iniciativa global
O UNRP é pioneiro nesse processo de “peecycling” (“reciclagem de xixi”) nos EUA, mas iniciativas semelhantes já estão em andamento em outros países.
Em Paris, voluntários estão coletando urina para ajudar a salvar o Rio Sena e fertilizar trigo usado na produção de baguetes e biscoitos. Na Suécia, empreendedores identificaram os danos causados pela proliferação de algas ao redor da ilha de Gotland e desenvolveram um produto que coleta urina e a transforma em fertilizante.
Projetos-piloto de peecycling também já foram testados na África do Sul, Nepal e República do Níger.

Desafios do uso da urina na agricultura
Um dos maiores desafios do reaproveitamento de urina é a falta de distinção legal entre resíduos humanos separados na origem e os fluxos de esgoto combinados, que apresentam maiores riscos à segurança.
Além disso, há dificuldades logísticas, já que a urina é pesada e difícil de transportar, e os caminhões que a coletam geram emissões de carbono. No projeto em Vermont, a urina é transportada localmente, dentro de um raio de até 16 km (10 milhas), mas expandir a iniciativa exigiria transporte por distâncias maiores.
Para resolver esse problema, uma empresa derivada do REI desenvolveu um sistema de concentração por congelamento, capaz de reduzir o volume da urina em até seis vezes. Esse método já está sendo utilizado na Universidade de Michigan, tornando o processo mais eficiente e sustentável.