“Para superar a tecnocracia da desigualdade, precisamos começar a pesquisar a complexidade da Amazônia e dos seus rios a partir de uma perspectiva local e sistêmica. Enquanto tivermos pesquisadores e engenheiros de outras regiões do país para prescrever o que fazemos na Amazônia, estaremos longe de uma verdadeira república“
Há uma tecnocracia da desigualdade no Brasil – ela mantém as desigualdades. Os projetos e as políticas públicas são desenvolvidos e discutidos na esfera pública, conforme previsto. Esse processo normalmente ocorre sob a perspectiva dos grupos de interesse, o que é considerado habitual. Entretanto, é frequente que haja ocultação quanto aos reais beneficiários, fator que costuma ser aceito sem questionamentos.
Tipicamente os nomes são trocados e os alvos não são claros nos primeiros olhares. Usa-se liberal, quando poderia ser “iliberal”. Usa-se “interesse do mercado”, mas seria “interesse de quem tem muito dinheiro”. Usa-se população, mas poderia ser “capitalista”. Experimente ler as notícias de hoje com estas trocas e tire as suas conclusões quando isso se aplica.
Como exemplo, as soluções de concessões públicas em “parcerias público-privadas” são tipicamente para interesses privados, onde o público passa a pagar pelo que era grátis. O Decreto Nº 12.600, de 28/08/2025 que dispõe sobre a inclusão de empreendimentos públicos federais do setor hidroviário no Programa Nacional de Desestatização, incluindo as Hidrovias do Madeira, do Rio Tocantins e do Rio Tapajós planeja conceder a natureza para a cobrança de pedágios e busca garantir a navegabilidade destes eixos logísticos que levam produtos para o exterior, pelo Arco Norte. Não está na pauta o interesse da Amazônia ou de quem mora no entorno destes rios.
Há nesta concessão um risco objetivo de assoreamento da “hidrovia” do Rio Amazonas. Afinal, ao garantir a dragagem, onde serão colocados os sedimentos? O risco de assoreamento do Rio Amazonas está planejado? Não se verifica. O risco de interromper a passagem de grandes navios para Manaus está posto. Todavia, o escoamento da soja está garantido. O olhar é para o Centro-Oeste e para o exterior que compra soja. Assim, vamos concedendo a Amazônia e cobrando pedágio. Para quem vai o pedágio? Por que cobrar pedágio?
Para superar esta condição, precisamos começar a pesquisar a complexidade da Amazônia e dos seus rios a partir de uma perspectiva local e sistêmica. Enquanto tivermos pesquisadores e engenheiros de outras regiões do país para prescrever o que fazemos na Amazônia, estaremos longe de uma verdadeira república. As vitórias da democracia que tivemos nos últimos dias podem e precisam servir de inspiração para a construção de uma república e não aquela que investe apenas para atender aos interesses das regiões mais ricas. Podemos expandir o momento para outras questões de nosso país.
Os estudos de infraestrutura na Amazônia seguem com métodos que se preocupam com outras regiões. Não há planos para corrigir as necessidades de Manaus, Santarém ou Boa Vista. Precisamos de um projeto para planejar e realizar as correções das carências de infraestrutura. Por ora, há consultas e novos marcos legais para outros lugares do Brasil. Investe-se no país para atender ao interesse estrangeiro. O interior Amazônico, o interior do Norte segue sendo negligenciado.
Está na hora de estudar as necessidades da Amazônia. Está na hora de fazer um Plano e ações para corrigir as desigualdades regionais. Está na hora de pesquisar e compreender a Amazônia com as pessoas da região. Não será pela Internet que entenderemos a Amazônia. Precisamos construir pesquisas para decifrar as hidrovias Amazônicas e construir portos e retroportos para mudar a dinâmica regional.