Sustentabilidade, o emblema do desenvolvimento

Ao publicar a Encíclica Laudato Si, Louvado Seja, em italiano medieval, na semana passada, o Papa Francisco faz um apelo para a humanidade, em nome da vida, tanto das pessoas como do planeta. E chamou a atenção para o maior desafio desta civilização predatória: a questão dos resíduos. “A Terra, nossa casa, parece se transformar a cada dia em um imenso deposito de lixo”. O Papa comenta que sobre os equívocos no trato dos recursos naturais, sua exaustão e causa de outras guerras, sobretudo no tocante aos recursos hídricos. A Carta do Pontífice teve repercussão semelhante ao Relatório Brundtland (1987), da primeira-ministra da Noruega, “Our commom future”, Nosso Futuro Comum, onde o conceito de sustentabilidade foi consagrado como aquele “que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade de as futuras gerações atenderem as suas próprias necessidades”. Nesse contexto, referindo-se à Amazônia, o Papa alertou: “Quando estas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos, em poucos anos perdem-se inúmeras espécies, ou tais áreas transformam-se em áridos desertos”, ou seja, a “Perda de Biodiversidade”, um dos capítulos contundentes do documento, onde o pontífice louva as ações da sociedade civil e de entidades internacionais que sensibilizam as populações e colabora para que os países não se vendam “a espúrios interesses locais ou internacionais”. O documento afirma ser preciso buscar uma “nova definição de progresso”, que não se baseie apenas no desenvolvimento tecnológico e econômico, mas sobretudo nos valores humanos. Com o modelo Zona Franca de Manaus, instalada em 1967, no coração da floresta amazônica, o Brasil tem a chance de mostrar um modelo de desenvolvimento sem chaminés, gerando riquezas para criar um novo paradigma de progresso, socialmente justo, economicamente viável, ambientalmente equilibrado e politicamente correto. Por isso, não faz sentido o confisco de suas receitas, pois este modelo se baseia no conceito rigoroso de sustentabilidade.

Novos paradigmas

Essas preocupações com o clima, ora retomada num momento de seguidas e concomitantes tragédias ambientais, e num ano em que as recomendações da Rio-92, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, serão passadas a limpo, na Conferência de Paris, vale a pena rever as bases conceituais que antecederam à criação do CBA, o Centro de Biotecnologia da Amazônia – as premissas de uma nova relação entre desenvolvimento e meio ambiente, homem e natureza. A pedra fundamental foi lançada em 1999, sob as premissas de dois programas que buscavam – no contexto das exortações da Agenda 21 da Rio-92 – entender e aplicar o conceito de desenvolvimento atrelado à sustentabilidade para o futuro da Amazônia: o Genamaz, no âmbito da Sudam, Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia e o Programa Brasileiro de Ecologia Molecular da Amazônia, Probem. Aquele, visava a produção de insumos para o planejamento, na área de recursos genéticos e biotecnologia e previa apoio financeiro a projetos de pesquisas, voltados para a conservação e o aproveitamento socioeconômico de germoplasmas da Amazônia. O Probem era destinado a coordenar a instalação de um Polo Industrial Biotecnológico na Amazônia, contribuindo para a melhoria das condições socioeconômicas da região e para a conservação de seus ecossistemas. As atividades do Probem foram delegadas à Bioamazônia, uma entidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, qualificada como Organização Social por Decreto Presidencial, na virada do milênio, com CNPJ 02.825.616/0001-27. Esta era a certidão de nascimento da materialização do Programa destinada a instalar o polo de Bioindústria, com o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) e seu funcionamento foi entregue à Bioamazônia, que firmou um Acordo de Cooperação com a Novartis, para prospectar 10 mil fungos e/ou bactérias, algo equivalente a levar para o laboratório 50 quilos de terra da floresta. O objetivo do CBA era a realização de pesquisas voltadas à bioprospecção na Amazônia. Perdemos uma chance, que foi aproveitada por Cingapura, um país igualmente tropical, que acolheu o projeto e construiu uma biopolis, uma cidade de biotecnologia.

Xenofobia hipócrita

O cabotinismo e o nacionalismo estéril, instrumento nocivo de demagogia, em vez de negociar acordos com inteligência e transparência, rotularam o acordo de biopirataria, como se 20% dos medicamentos do planeta não tenham origem no bioma amazônico, sem que um centavo de royalties tenha caído na conta do Brasil ou das comunidades tradicionais. A implosão do acordo com a multinacional suíça, Novartis, privou o CBA de produzir medicamentos para doenças tropicais. Em vez de negócios, uma legislação caolha, uma medida provisória, a famigerada MP 2186-16, que fez a proeza de, dentre outras coisas, de criminalizar a pesquisa voltada à bioprospecção, transformar todo estrangeiro em potencial bandido e afugentar a chance da bioindústria. A oposição ao governo FHC, portanto, inibiu o surgimento de empresas que poderiam obter e comercializar produtos a partir da bioprospecção, uma xenofobia que se estende até hoje. A nova Lei, aprovada no mês passado, confirmou o baixo protagonismo às comunidades detentoras de valiosos conhecimentos tradicionais pela timidez e ambiguidade de seus artigos. A título de ilustração, o Brasil é um dos países com a maior biodiversidade do planeta, no entanto, até hoje, somente um fitoterápico à base de guaraná foi desenvolvido por uma empresa nacional. A nova Lei 13.123/2015 que “dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade”, não deixa de ser um avanço, pois cria um ambiente minimamente favorável para a bioindústria, para novas parcerias entre comunidades detentoras de conhecimentos tradicionais e grupos/empresas capazes de gerar produtos comercializáveis a partir destes conhecimentos, produzindo emprego e renda e contribuindo para o fomento a uma indústria de bioprodutos genuinamente nacional.

CBA, a improvisação tardia

Com a “entrega” – depois de 14 anos de indefinição – do CBA ao INMETRO, graças a insistentes articulações daquela autarquia, e a falta de compromisso na gestão federal dos interesses amazônicos, que resta comentar por parte da indignação geral anotada no seio da sociedade? O Inmetro desenvolveu um recente programa de qualificação de pesquisadores em biotecnologia, capitaneada pelo laureado professor Wanderley de Souza, uma autoridade em ameba e outros parasitas tropicais. É curiosa e, com certeza, sui generais a incursão da metrologia no campo da biotecnologia. Antes do infinito elas se encontrarão, não há dúvida, até porque a Ciência, aos poucos, reconhece a pobreza da compartimentação do saber. E é esta visão de totalidade que dá nexo à expectativa geral de administrar os dilemas do CBA e da Suframa, conjuntamente: duas entidades acometidas de parasitose devastadoras da omissão federal. O Inmetro, assim como Manguinhos, Butantã, Pasteur, Emílio Goeldi, Evandro Chagas podem se integrar como propunha a Bioamazônia há 15 anos – para atender as demandas dos bionegócios. E quais são elas? Não vai ser o Inmetro, nem a Suframa a decidir. Aquele está longe da floresta e seus alvitres e a Suframa está institucionalmente desmantelada. Em que medida interessa ao promotor dessa improvisação tardia as expectativas da indústria que pagou a instalação do CBA e o Estado que o acolhe, onde a união federal recolhe 54,42% da riqueza aqui produzida? Na Coluna de ontem, mencionamos uma iniciativa da Suframa e do Inpa para desenvolver ações conjugadas de pesquisa e desenvolvimento, coisa rara na ação federal regional. O CBA só terá sentido, ou poderá recuperar sua credibilidade, na medida em que atender as demandas de inovação do polo industrial, e dos esforços estaduais para criar novas matrizes econômicas, sobretudo na área de produção de alimentos, na aquicultura, na ração equilibrada, na produção de cosméticos, nutracêuticos, especialmente aqueles itens que a AFEAM, com verbas da indústria para as cadeias rurais, está fomentando. Por uma questão de decência e de inteligência…

Greve da Suframa, as últimas notícias

A greve que já ultrapassa 34 dias, indica sinais de aumento nos preços, escassez de produtos, acumulando o montante de 1.360 carretas à espera de desembaraço, que equivalem a 27.200 toneladas no valor aproximado de R$ 300 milhões. Além do custo financeiro envolvido, o risco de suspensão do embarque de novas carretas para o Amazonas já está colocado, em função do desbalanceamento da frota das transportadoras, que já causa um desbalanceamento da logística nacional. Aonde vamos chegar?

Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. 
Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
Alfredo Lopes
Alfredo Lopes
Alfredo é consultor ambiental, filósofo, escritor e editor-geral do portal BrasilAmazôniaAgora

Artigos Relacionados

Congresso derruba veto e mantém benefícios a pequenos geradores de energia renovável por mais 20 anos

A nova lei estabelece diretrizes para a geração offshore (em alto mar) no Brasil, incentivando o uso de fonte de energia renovável, como a eólica e a solar. 

Greenwashing, ESG e a Amazônia Industrial: hora de liderar com integridade

"A Amazônia Industrial não pode mais ser refém do silêncio ou...

Economia regenerativa: um novo caminho para o Amazonas

"61 municípios do interior do Amazonas poderão ter como...

Veneno que cura? Toxina de escorpião da Amazônia combate células do câncer de mama

O estudo identificou na toxina do escorpião da Amazônia uma molécula com ação eficaz contra células de câncer de mama, apresentando resultados comparáveis aos de um quimioterápico tradicional.

Estudante brasileiro cria produto biodegradável para substituir isopor com resíduos de mandioca e araucária

As novas bandejas feitas com resíduos de mandioca se destacam por sua rápida degradação: levam apenas um mês para desaparecer completamente na natureza