“O mutirão regenerativo é o atalho que nos permite plantar essa rota apinhadas de árvores da regeneração, da ciência, dignidade e paz. E a floresta em pé não é obstáculo a ser vencido. É a estrada que nos conecta ao mundo”
Artigo de Alfredo Lopes e Mauricio Loureiro
Coluna Follow-Up
A Rota da Seda foi muito mais do que o avanço do comércio: foi a estrada invisível por onde circularam culturas, ideias e poder durante séculos. Agora, reeditada pela China como Iniciativa Cinturão e Rota, ela se impõe ao mundo como a maior plataforma de infraestrutura e comércio do século XXI. O Brasil, se quiser entrar nessa travessia, não pode ser passageiro de última classe. Precisa propor uma nova rota, não para a China, mas para o mundo: a Rota da Seda Verde.

Essa versão não se limita a portos, ferrovias e cabos digitais. É rota de bioeconomia, de energias limpas, de inovação da floresta em pé. É o Brasil dizendo que não nos interessa ser apenas exportador de soja, minério e petróleo. Interessa-nos ser coprotagonistas da nova economia global, onde biodiversidade é ciência, onde Amazônia é ativo estratégico e onde floresta se converte em poder de barganha.
As vantagens são óbvias. Capital internacional para financiar infraestrutura sustentável que o Ocidente não quer pagar. Inserção das cadeias amazônicas nos mercados mais dinâmicos do planeta. Transferência de tecnologia em biotecnologia, satélites e inteligência artificial aplicada à conservação. E, sobretudo, um soft power amazônico capaz de transformar biodiversidade em diplomacia.
Mas os riscos são reais. O primeiro é cair na armadilha da dependência, seja da China, dos Estados Unidos ou de qualquer potência. O segundo é reforçar a velha assimetria: commodities que saem, tecnologia que entra. O terceiro, mais grave, é a ameaça à soberania sobre a Amazônia, caso a pressa por obras ignore povos originários, territórios e ecossistemas. Sem falar na tentação de escolher lados, em um mundo onde Pequim já domina os investimentos em mineração, agropecuária e infraestrutura no Brasil, e Washington, em contrapartida, se distancia da região.
É aí que entra a lição de Samuel Benchimol: a Amazônia é um bem da humanidade, e todos devem pagar por sua conservação. Não se trata de preferir parceiros, mas de cutucar os grandes, todos eles, sem exceção. A floresta não pode ser peça de negociação bilateral, é pauta global, e o Brasil precisa usá-la como ativo civilizatório.
A Rota da Seda Verde pode ser também o caminho da brancura da paz. Não escolher categoricamente um lado é, sutilmente, se candidatar a aglutinador, promotor da opção inteligente da soma criativa, onde o desenvolvimento multiplica e a guerra divide. Entretenimento da divisão empobrece, mas a soma solidária enriquece. Nesse sentido, o Brasil pode oferecer ao mundo a Amazônia não como território de disputa, mas como laboratório da concórdia, capaz de reconciliar potências e agendas divergentes.

A Amazônia continua sendo um patrimônio para chamar de seu. Nada mais oportuno do que promover a partir dela um mutirão de reprodução de riqueza e de paz. Paulo VI, em sua encíclica Populorum Progressio, nos lembrou que “o desenvolvimento é o novo nome da paz”. Meio século depois, a floresta em pé e sua economia de futuro são o chamado mais eloquente para que a humanidade troque a lógica predatória da guerra pela inteligência cooperativa da vida.
É nesse ponto que a proposta de Denis Benchimol Minev encontra a nossa narrativa. Às vésperas da COP30, ele lançou a ideia de um mutirão regenerativo para a Amazônia: regenerar 50 mil hectares por ano com sistemas agroflorestais, formar 10 mil empreendedores e atrair R$ 50 mil de investimento por hectare, com retorno de 120% no mercado de carbono.
A meta é simples e ambiciosa: transformar a Amazônia em credora ambiental do mundo, demonstrando que carbono pode ser ativo econômico e financiar cadeias de bioeconomia com benefícios diretos para comunidades locais. O mutirão é a tradução prática da estrada verde — plantar o futuro, de modo que a floresta em pé financie escolas, hospitais, inovação e dignidade.
Se a floresta é laboratório vivo, as cidades amazônicas são campo de desafios urgentes. Denis defende que a inovação tecnológica seja aplicada para resolver problemas de mobilidade e infraestrutura urbana. De canoas autônomas a barcos voadores, de startups locais a parcerias com a Finep, sua visão é clara: ciência e tecnologia podem revolucionar o cotidiano da região, levando saúde, educação e dignidade a populações antes invisibilizadas. Aí está a ponte entre a Rota Verde e o chão amazônico: inovação não como espetáculo futurista, mas como ferramenta concreta para enfrentar a exclusão.
E, talvez, a frase mais lúcida de Denis seja a que marcou o NeoSummit COP30: ”O sucesso da COP não pode ser medido em novembro, mas em dez anos, quando tivermos empresas amazônicas de reflorestamento e agricultura regenerativa abrindo capital na B3”. Essa fala desloca o debate da vitrine diplomática para o compromisso estrutural. Belém pode ser palco de discursos, mas a verdadeira medida da COP será a existência, em 2035, de uma economia regenerativa sólida, listada na bolsa de valores e reconhecida como motor de prosperidade. É essa visão que transforma promessa em legado.
Se o Brasil propuser essa rota verde, precisa fixar premissas. Soberania como cláusula pétrea. Bioindústria como eixo. Infraestrutura de padrão ambiental elevado. Multipolaridade diplomática, para equilibrar China, EUA e Europa. Inclusão social para garantir que comunidades amazônicas não sejam espectadores, mas beneficiárias. E, acima de tudo, compromisso de longo prazo: não um show de novembro, mas um pacto que se revele em décadas.
É disso que se trata. Uma Rota da Seda Verde não é apenas mais um projeto chinês com carimbo brasileiro. É um pacto entre presente e futuro. Vantajosa se bem negociada, desastrosa se feita sem critério. Não é estrada de mercadorias: é caminho civilizatório. O mutirão regenerativo é o atalho que nos permite plantar essa rota apinhadas com as árvores da regeneração, ciência, dignidade e paz. E a floresta em pé não é obstáculo a ser vencido. É a estrada que nos conecta ao mundo.
Maurício Loureiro é conselheiro do Centro da Indústria do Estado do Amazonas e membro da Comissão da ESG
