A retirada dos benefícios fiscais ameaça o abastecimento de gás de cozinha, utilizado pela imensa maioria da população amazonense. Em um estado onde o transporte fluvial é vital, a segurança energética está intrinsecamente ligada à operação da refinaria.
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
Há uma mobilização avançada no Amazonas para que não sejam vetados pela presidência da República os benefícios fiscais da Refinaria de Manaus, inseridos na legislação ordinária da reforma tributária por empenho do senador Eduardo Braga. Na Amazônia, como se sabe, por suas distâncias desafiadoras e precariedade da infraestrutura, nosso gargalo maior é a logística, preocupação e pauta de todo dia. E um dos pilares mais delicados é a segurança energética, intrinsecamente ligada ao desenvolvimento sustentável da Amazônia, à necessidade diária das pessoas representada pelo gás de cozinha e motores a combustível.
A eventual retirada dessa prerrogativa, conquistada após intensa negociação durante a reforma tributária, colocaria em risco não apenas a viabilidade econômica do setor, mas também a sobrevivência de um modelo logístico que sustenta milhões de amazonenses: a navegação fluvial. Estas ponderações revisitam as origens dessa política e destaca sua importância histórica, econômica e estratégica.
Benefícios fiscais como alicerce econômico
Desde sua fundação, a refinaria de Manaus desempenha papel determinante na logística de combustíveis do Amazonas. A navegação fluvial, essencial para a integração econômica e social da região, depende de diesel e gás de cozinha para abastecer populações ribeirinhas e cidades isoladas. Com uma infraestrutura rodoviária limitada e custos exorbitantes para transporte aéreo, a energia proveniente de combustíveis fósseis viabiliza atividades essenciais, como o transporte de alimentos e o funcionamento de serviços básicos.
A manutenção desses incentivos fiscais é uma questão de justiça histórica e pragmatismo econômico. Sem eles, os custos de operação da refinaria se tornariam insustentáveis, ameaçando a distribuição de combustíveis em um estado cuja vastidão territorial e peculiaridades logísticas exigem soluções diferenciadas.
Do colapso da borracha ao renascimento da economia amazônica
A história econômica do Amazonas oferece um paralelo oportuno. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os seringueiros que haviam contribuído para o esforço aliado com a produção de borracha foram abandonados à própria sorte. A economia da Amazônia mergulhou em uma estagnação, sem a infraestrutura necessária para sustentar o desenvolvimento. Essa experiência traumática evidenciou a importância de políticas públicas estruturantes para evitar novos colapsos.
Foi nesse contexto que empreendedores visionários, como Moysés Israel e Isaac Sabbá, entre outros pioneiros da saga judaica da Amazônia, emergiram como protagonistas do desenvolvimento regional. Nos anos 1950, com o colapso do segundo ciclo da borracha, o que se viu foi a constituição de 40 empresas de beneficiamento de produtos florestais, criando as bases para a transformação, que iria desembarcar na Zona Franca de Manaus (ZFM). Com apoio de figuras como Roberto Campos e Arthur Amorim, Moysés Israel e Isaac Sabbá, trouxeram dos Estados Unidos uma refinaria que, montada com os esforços da força de trabalho local, tornou-se um símbolo de resiliência e inovação.
Empreendedorismo amazônico
A mobilização colaborativa exemplifica o impacto transformador do empreendedorismo judeu na Amazônia. Em um momento de incertezas, sua visão antecipou a necessidade de adensar e diversificar a economia regional. A refinaria de Manaus supriu a carência energética da região, e também abriu caminho para o desenvolvimento de novos setores econômicos.
Esse legado evidencia a relevância de políticas públicas que valorizem iniciativas locais e reconheçam as peculiaridades regionais. Ao invés de enfraquecer as refinarias da Amazônia, é preciso ampliar o suporte a iniciativas que consolidem a soberania energética e a sustentabilidade econômica.
Riscos para a segurança energética
A retirada dos benefícios fiscais ameaça o abastecimento de gás de cozinha, utilizado pela imensa maioria da população amazonense. Em um estado onde o transporte fluvial é vital, a segurança energética está intrinsecamente ligada à operação da refinaria. Sem incentivos fiscais, a produção local poderia ser substituída por importações mais caras e menos acessíveis, agravando a dependência de combustíveis provenientes de outros estados.
Além disso, enfraquecer a refinaria de Manaus compromete os esforços de transição energética. A produção local pode ser adaptada para integrar combustíveis menos poluentes e biocombustíveis, alinhando-se às metas de sustentabilidade e redução de emissões de carbono. No entanto, para que isso ocorra, é indispensável preservar os incentivos que garantem a viabilidade econômica do setor.
Um futuro em jogo da refinaria de Manaus
A manutenção dos benefícios fiscais da refinaria de petróleo em Manaus transcende interesses setoriais. Trata-se de uma questão estratégica para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e para a segurança energética do Brasil. Relembrar as origens dessa política, no contexto da construção da ZFM e da atuação heróica de nossos antepassados, reforça a necessidade de consolidar um modelo de desenvolvimento que respeite as peculiaridades regionais e promova a inclusão social.
O presidente da República, ao avaliar os pleitos das entidades do setor produtivo do Amazonas, precisa considerar não somente os números fiscais, mas também os impactos sociais, logísticos e históricos dessa decisão. Sem incentivos, a refinaria de Manaus pode se tornar mais um capítulo de abandono na história da Amazônia, como se deu com a borracha por absoluta falta de visão dos gestores da época. Com eles, pode ser o alicerce de um futuro mais integrado, sustentável e próspero.
Coluna follow-up – sob a responsabilidade do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, e coordenação editorial de Alfredo Lopes, é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal do Comércio do Amazonas e no portal BrasilAmazôniaAgora.com.br
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora