“PL da Devastação fragiliza: cláusulas ambientais; exigências de rastreabilidade; compromissos socioambientais da cadeia pecuária e agrícola”
Data: 27 de novembro de 2025
Brasil Amazônia Agora — Núcleo de Análises Estratégicas
1. Introdução
A derrubada de 56 dos 63 vetos presidenciais ao Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental — apelidado por pesquisadores, juristas e ambientalistas como “PL da Devastação” — representa a mais profunda desestruturação normativa do sistema ambiental brasileiro desde a década de 1990.
A decisão ocorre uma semana após a COP 30, em Belém, e contradiz frontalmente os compromissos climáticos assumidos pelo país diante da comunidade internacional.
Trata-se não apenas de uma derrota política para o governo federal, mas de um passivo ambiental, institucional e geopolítico que terá consequências duradouras para a imagem do Brasil, para o compliance das empresas e para a competitividade do agronegócio.
2. O que mudou na legislação (e por que isso importa)
2.1. Redução drástica dos controles ambientais
Com os vetos derrubados, foram fragilizados:
poderes de avaliação dos órgãos federais sobre empreendimentos de grande impacto; exigências de estudos ambientais prévios; proteções territoriais específicas para comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais; barreiras técnicas ao desmatamento legalizado.
2.2. Consolidação da LAC para obras de médio impacto
A derrubada do veto que restringia a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) abre caminho para licenciar, por mera autodeclaração: barragens; obras viárias; empreendimentos de mineração; complexos industriais de risco.
Brumadinho e Mariana são exemplos extremos de como estruturas classificadas como “médio potencial poluidor” podem causar tragédias humanas, sanitárias e econômicas irreversíveis.
2.3. Licenciamento Ambiental Especializado (LAE) monofásico
A suspensão temporária da análise do veto à LAE monofásica indica que setores do Congresso pretendem empurrar, adiante, um licenciamento em fase única, reduzindo drasticamente o escrutínio técnico.
3. Estragos institucionais e o colapso da credibilidade regulatória
3.1. Insegurança jurídica — ao contrário do discurso dominante
A flexibilização ampla: aumenta conflitos judiciais; gera passivo para investidores; eleva o risco de embargos internacionais.
Em vez de “segurança jurídica”, cria-se insegurança socioambiental, com impacto direto no custo do dinheiro, no risco regulatório e na previsibilidade das obras.
3.2. Enfraquecimento dos órgãos de controle
O novo arcabouço:
reduz a capacidade técnica do Ibama e do ICMBio; concentra decisões no ente licenciador local, nem sempre dotado de estrutura ou independência; dilui competências federais sobre áreas sensíveis (litoral, fronteira, terras indígenas).
4. Ameaça direta aos acordos multilaterais e às metas internacionais do Brasil
4.1. Descumprimento do Acordo de Paris
Ao facilitar desmatamento e obras sem controle:
o Brasil compromete o cumprimento das metas de redução de emissões; aumenta a pressão para aplicação de mecanismos de ajustamento de carbono na fronteira (CBAM, da União Europeia).
4.2. Risco concreto ao acordo Mercosul–União Europeia
O PL da Devastação fragiliza: cláusulas ambientais; exigências de rastreabilidade; compromissos socioambientais da cadeia pecuária e agrícola.
O resultado provável: congelamento ou retrocesso nas negociações, afetando especialmente: soja; carnes; biocombustíveis; produtos florestais.
4.3. Alinhamento negativo nas COPs e fóruns climáticos
A postura legislativa pós-COP 30 transmite ao mundo: incoerência climática; ruptura entre discurso e prática; retrocesso em governança ambiental.
O Brasil arrisca perder protagonismo em: financiamento climático; fundos de restauração florestal; parcerias de transição energética justa.
5. Impactos diretos para a Amazônia e para a população tradicional
5.1. Expansão do desmatamento e queimadas
O novo marco:
flexibiliza a abertura de rodovias e empreendimentos em áreas sensíveis; reduz mitigação e condicionantes ambientais; aumenta o risco de grilagem, avanço agropecuário e conflitos fundiários.
5.2. Violação de direitos territoriais
A supressão de salvaguardas atinge: povos indígenas; quilombolas; ribeirinhos; pescadores artesanais.
A insegurança territorial e o atropelamento de consultas prévias (Convenção 169 da OIT) tendem a se intensificar.
5.3. Saúde pública e poluição
A liberação de empreendimentos autodeclaratórios coloca em risco: cursos d’água; abastecimento urbano; qualidade do ar; áreas de pesca artesanal (quase 2 milhões de brasileiros dependem dessa atividade).
6. O tiro no pé do Agronegócio: riscos competitivos e comerciais
6.1. Perda de mercados de alto valor agregado
Diversos mercados premium (UE, Reino Unido, Japão, EUA) exigem: deforestation-free supply chains; rastreabilidade; comprovação de licenciamento robusto.
A flexibilização cria suspeição sistêmica sobre toda a produção brasileira, mesmo a legal.
6.2. Piora do risco-país ambiental
O rebaixamento pode afetar: linhas de financiamento verde (Green Bonds); investimentos privados externos; seguros agrícolas.
6.3. Pressão internacional contra commodities brasileiras
É provável: aumento de barreiras não tarifárias ambientais; auditorias internacionais obrigatórias; bloqueio de lotes inteiros, penalizando produtores regulares.
6.4. Reputação e ESG — o novo calcanhar de Aquiles
Agroindústrias dependem cada vez mais de: certificações; due diligence de cadeias; verificação independente.
Uma legislação permissiva invalida certificados e afeta diretamente exportadores, cooperativas e embarcadores.
7. Consequências geopolíticas internas e externas
7.1. Divórcio entre Congresso e Governo Federal
A sessão semipresencial e esvaziada, marcada mais por assessores que por parlamentares, reforça: protagonismo do Legislativo; isolamento do Executivo; erosão da coordenação institucional.
7.2. Reação de parceiros internacionais
É previsível: endurecimento de cláusulas ambientais nos acordos comerciais; vigilância ampliada sobre petróleo, portos, hidrovias e mineração na Amazônia; questionamentos diplomáticos sobre violações de direitos indígenas.
8. — Um retrocesso que amplia riscos e compromete o futuro econômico do país
O “PL da Devastação” não acelera o desenvolvimento — ele:
aumenta o risco estrutural para empreendimentos sérios; prejudica o agronegócio competitivo e legal; compromete compromissos internacionais; desorganiza o sistema de licenciamento; agrava vulnerabilidades de comunidades tradicionais e populações da Amazônia; mancha a credibilidade climática do Brasil.
A flexibilização ampla e mal calibrada se transforma, portanto, em um passivo econômico, ambiental, diplomático e reputacional de grandes proporções.
“O mundo já não compra irresponsabilidade. O Brasil não pode se dar ao luxo de vender devastação.”