“Nesse sentido, o pacto federativo proposto depende, antes de mais nada, da vontade coletiva de todos nós que vivemos aqui. O progresso que almejamos precisa ser definido de forma clara, buscando, por exemplo, estreitar as cadeias produtivas da agricultura familiar para abastecer Manaus, que atualmente compra 80% dos alimentos que consome de outros estados”.
Por Nelson Azevedo
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A semana passada foi marcada pela presença do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Amazônia, com uma proposta que merece uma análise profunda: a criação de um pacto federativo entre União, Estado e municípios. Esse pacto tem como objetivo destravar a longa e sinuosa história de quase quatro décadas de idas e vindas na recuperação da BR-319, uma rodovia fundamental para nossa região. Com o agravamento dos problemas climáticos, especialmente as secas que nos afligem há dois anos e que, ao que tudo indica, poderão se tornar eventos recorrentes, a reabertura da BR-319 é uma demanda urgente. A situação de isolamento em que se encontra uma parcela significativa de nossa população não pode mais ser ignorada.
Turismo e interiorização do desenvolvimento
Entretanto, é preciso questionar: qual é o papel do Estado nesse processo? A indústria, por exemplo, contribui anualmente com R$ 3,5 bilhões, aproximadamente, para fomentar micro e pequenas empresas, além de promover o turismo e a interiorização do desenvolvimento. Esses recursos, no entanto, são historicamente repassados de forma muito parcial aos seus destinatários legais. Existe, portanto, uma oportunidade única para que esses valores também sejam mobilizados pelos municípios, otimizando sua aplicação e gerando impactos mais profundos no desenvolvimento regional.
Abordagem integrada
Um estudo recente de viabilidade, elaborado pelo professor Estevão Monteiro de Paula, doutor em Engenharia pela Universidade do Tenesse, um estudioso de materiais regionais para infraestrutura rodoviária, sobre a recuperação da BR-319, aponta que os benefícios totais anuais esperados com a plena funcionalidade da rodovia somam R$ 400 milhões, sendo R$ 180 milhões anuais de redução de custos de transporte, R$ 120 milhões anuais de aumento da eficiência logística, e R$ 100 milhões anuais de melhoria no acesso a serviços essenciais, como saúde e educação, alem de emprego e renda. Esses números não podem ser ignorados e reforçam a importância de uma abordagem integrada, que leve em consideração os impactos sociais e econômicos da rodovia para a região.
Resgate dos Tecnólogos
Uma das sugestões que trago, e que me orgulha ter sido parte ativa durante minha gestão na UTAM – transformada posteriormente em Instituto de Tecnologia da Amazônia e Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas UEA, é a retomada de iniciativas educacionais que visem qualificar nossa mão de obra local. Nos anos 1970 e 1980, promovemos cursos tecnólogos em diversas áreas de engenharia e tecnologia, além de termos lançado o primeiro curso de informática de nível médio na região Norte, durante o governo Gilberto Mestrinho. Um pacto federativo poderia reativar essas contribuições, preparando nossos jovens para o mercado de trabalho com a qualificação necessária.
Experiência da MotoHonda
Este pacto, no entanto, precisa ir além da educação. Ele deve se expandir para parcerias em todos os níveis, com foco na geração de empregos formais, que emitam nota fiscal e permitam que os recursos cheguem legalmente até os seus destinatários finais. A redução da dependência de consultorias externas é um ponto crucial, pois nossa região possui talentos excepcionais, plenamente capazes de resolver os desafios locais com competência e inovação. Vivi essa experiência fortemente quando dirigi a MotoHonda da Amazônia.
Custo e benefícios
Vale destacar que o custo total estimado para a recuperação da BR-319, incluindo as medidas mitigadoras ambientais e de manutenção, é de R$ 3,53 bilhões ao longo de 10 anos. Quando comparado com os benefícios projetados de R$ 4 bilhões, o saldo é positivo, com um valor final líquido de R$ 470 milhões. Isso significa que, ao longo de uma década, a recuperação da rodovia poderia gerar benefícios sociais e econômicos concretos, com um impacto duradouro para a região.
Presença do Estado
Recentemente, o professor José Alberto Costa Machado, da UFAM, liderou uma expedição que percorreu todo o trecho da BR-319, revelando diversas oportunidades de desenvolvimento ao longo da rodovia. A expedição destacou o espírito empreendedor de nossos ribeirinhos e indígenas, que, por iniciativa própria, ajudam a manter o traçado da estrada, ao mesmo tempo que combatem a invasão criminosa de desmatadores e depredadores. A formalização da presença do Estado, enquanto poder público gestor, serviria para ordenar essas atividades econômicas e integrá-las de forma sustentável ao projeto de desenvolvimento da região.
O turismo sustentável
No relatório do professor José Alberto, além das observações sobre o potencial empreendedor, há o registro de revoadas fantásticas de borboletas que ocorrem nesta época do ano. Esse fenômeno natural é um convite claro para o investimento em turismo, um setor que a indústria local tem patrocinado por mais de duas décadas. A Amazônia está presente no imaginário da Humanidade e criar condições para esse nicho de negócios sustentáveis é uma obrigação inadiável.
Mobilizar a vontade coletiva
Nesse sentido, o pacto federativo proposto depende, antes de mais nada, da vontade coletiva de todos nós que vivemos aqui. O progresso que almejamos precisa ser definido de forma clara, buscando, por exemplo, estreitar as cadeias produtivas da agricultura familiar para abastecer Manaus, que atualmente compra 80% dos alimentos que consome de outros estados. Isso é algo muito importante para o Norte mas não exclui programas sustentáveis de desenvolvimento da agricultura familiar.
Sim, nós podemos
A BR-319 gerida por um pacto de colaboração entre os entes federativos nos dá a oportunidade de demonstrar, mais uma vez, que somos capazes de gerar riqueza e proteger a floresta, como já fazemos há quase 60 anos com o modelo da Zona Franca de Manaus. Com determinação e união, podemos transformar essa estrada em um símbolo de progresso sustentável para a Amazônia.
Nelson é economista, empresário e presidente do sindicato da indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.
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