O negacionismo da seca

Como sociedade, precisamos retirar algum aprendizado e reconhecer os erros da caminhada até aqui, formulando novas políticas públicas para enfrentar a realidade, do incêndio e da falta de infraestrutura ou de capacidade técnica para obras emergenciais

Por Augusto Cesar Barreto Rocha
__________________

Eventos extremos são muito difíceis de lidar, porque costumamos adotar os referenciais passados, assumindo que o futuro será semelhante e, tipicamente, estaremos errados.

O negacionismo se apresenta caracteristicamente atacando instituições, especialmente tribunais superiores e a academia, como deliberado no Dicionário de Negacionismos no Brasil, de José Szwako e José Ratton, em um excelente texto publicado com vários termos associados com a Covid-19 e do difícil período que vivemos com ataques extremos às instituições, que reduziram, mas não foram superados em seu todo.

Passada a pandemia, temos outro evento extremo para lidar com ele que é o aquecimento global. Em setembro, o Oceano Pacífico Ocidental estava 1,6 graus centígrados além das médias entre 1991 e 2020, extrapolando o alerta de “severo” do El Niño e já se posicionando como um dos maiores da história. Quando observamos os gráficos da Copernicus C3S/ESCMWF, com dados desde 1940, o ano de 2023 será o mais quente da história e outubro foi o outubro mais quente, em uma sequência de quatro meses excepcionalmente quentes

fumaca de queimadas encobre ponte rio negro em manaus foto william duarte rede amazonica.png

Manaus coberta de fumaça – Foto: William Duarte/Rede Amazônica

Os gráficos do CPRM sobre a seca no Rio Negro e Rio Amazonas, que afeta a hidrovia que atende Manaus, segue em seus patamares mais baixos e o DNIT, que conduz a obra emergencial de dragagem, após contatos diários que fiz nas últimas semanas, segue se recusando a estabelecer prazo para liberar a hidrovia com 8m de calado.

O rio insiste em seguir baixo, não vemos chuva em Manaus, a fumaça segue a ocupar a cidade, nos deixando até sem segurança respiratória. Fábricas estão sem insumos, já conseguimos constatar mais de R$ 1 bilhão de gastos excessivos com transporte para a indústria e comércio de Manaus, segundo estudos preliminares meus e do Dr. André Costa

negacionismo

Porto Chibatão ( Foto: Alberto César Araújo – Drama vivido pelo Polo Industrial de Manaus

Por mais que os gráficos apresentem que a seca não acabou, há um grupo grande de lideranças que afirmam que a seca acabou ou estaria acabando. Acontece que nem o rio começou a subir de maneira clara, nem há chuvas abundantes, nem o calor reduziu. Estamos em um evento extremo e fica arriscado ter parâmetros na história recente, ainda mais quando há um referencial, indiretamente correlacionado, onde as empresas nunca usaram tanto a cabotagem para Manaus quanto agora.

No evento extremo anterior, a repartição modal era muito diferente. Não adianta ficar fazendo postagem no Instagram, nem em redes de WhatsApp, que isso não devolverá o calado para 8m. O que construirá isto será a chuva, pois parece que a obra é apenas para acalmar os corações e sentimentos, mas não para resolver o problema

Rio Madeira 1

Rios da Amazônia continua baixando Foto: Defesa Civil

Em meio ao cenário colocado, cargas de navios são transbordadas para aviões e caminhões, com empresas aprendendo a seguir as leis nestas novas alternativas logísticas e os governos ávidos por arrecadar, seja nos custos excessivos, seja nas multas por processos feitos errados, simplesmente pela falta de prática e planejamento para aquela rotina excepcional, subindo ainda mais os custos gerais. 

Como sociedade, precisamos retirar algum aprendizado e reconhecer os erros da caminhada até aqui, formulando novas políticas públicas para enfrentar a realidade, do incêndio e da falta de infraestrutura ou de capacidade técnica para obras emergenciais. Nas empresas, será importante repensar a repartição modal, reduzindo o peso da hidrovia na divisão dos sistemas de transportes. São muitas ações que devem ser feitas, antes do próximo evento extremo, que não parece distante, mas, o início do fim desta crise, não parece ser antes de dezembro ou janeiro, afinal não se sabe ao certo nem quantos contêineres estão retidos por aí.

12 270x300 1 1

Augusto Rocha é Professor Associado da UFAM, com docência na graduação, Mestrado e Doutorado e é Diretor Adjunto do CIEAM

Augusto César
Augusto César
Augusto Cesar Barreto Rocha é professor da UFAM

Artigos Relacionados

Senado aprova plano para proteger rios da Amazônia e expandir transporte hidroviário

O plano prevê ações como a dragagem de rios, a sinalização das vias fluviais para garantir mais segurança no transporte hidroviário, o monitoramento da qualidade da água e a criação de comitês de bacias hidrográficas.

ChatGPT consome uma garrafinha d’água a cada 100 palavras geradas – entenda por que isso importa para o futuro da IA

Até 2027, o setor de inteligência artificial, com plataformas como o ChatGPT, poderão consumir entre 4,2 e 6,6 bilhões de metros cúbicos de água.