Neste Dia de Finados, o BrasilAmazôniaAgora publica um relato introspectivo de Estevão Monteiro de Paula, um dos maiores cientistas e pensadores da Amazônia, que compartilha suas memórias de infância sobre este dia. Em seu relato, ele descreve as preparações familiares e a atmosfera da época, oferecendo um vislumbre das tradições que permeavam essa data significativa.
Por Estevão Monteiro de Paula
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Não sei pra vocês leitores, mas o dia de finados na minha época de criança era um evento. Minha mãe católica atuante, preparava tudo um dia antes. Ela mandava limpar e pintar os túmulos. Comprava velas e se preparava para comprar flores próximo da entrada do cemitério. Nos jornais anunciava-se como seria o trânsito, pois haveria engarrafamento e era difícil estacionar.
O prefeito mandava pintar e limpar o cemitério. Estava escrito no jornal como estaria sendo preparado para receber a população. O cemitério era lotado. Tinha polícia e todos os tipos de controle para deixar a coisa ordenada. Na entrada do cemitério havia uma corda separando o povo que entrava e o povo que saia. Era muita gente lá, era verdadeiro encontro de amigos, meus pais encontravam parceiros e trocavam ideia. Conversavam relativamente baixo, pois era um lugar de respeito e lembrança. Na praça Chile, em frente do cemitério, colocavam palanque onde tinha missa até a banda da polícia tocava em um horário preestabelecido.
No cemitério, nós íamos aos túmulos de tias e avós. Na frente do tumulo orávamos e cada um dos filhos colocava uma vela acessa (somos 4). Ainda tinha, não lembro bem, mas era um tumulo, ou só um monumento de uma pessoa, e todos ainda antes de sair visitava aquele local, oravam, colocavam a vela e saiam. O cemitério era quente; a caminhada lá dava para suar. Mas, era interessante que nas sombras daquelas inúmeras mangueira era agradável.
Depois vinha uma chuva, por vezes torrencial. Anunciava-se assim, o início do tempo dessa estação. Lembro-me que quando bem pequeno eu observei que no cemitério era cheio de casinhas e tinha escrito nas suas frentes a palavra Jazigo. Fui motivo de sarro porque falei para minha mãe que a família Jazigo era imensa pois o cemitério estava cheio deles.
O cemitério era lugar de respeito e de certo modo amedrontador para nós. Meus irmãos treinavam voleibol no Olímpico Clube que fica no fim do Boulevard Amazonas. Nos morávamos em Adrianópolis na Rua Belém. A rua ia da praça Chile (frente ao Cemitério) para Cachoeirinha. Então voltávamos do treinamento cerca de 9 e 10horas da noite. Na frente do cemitério passávamos correndo para que nós não fossemos mais uma vítima de lendas urbanas.
Depois do cemitério era hora de brincar. Se fosse possível, íamos para o Guanabara tomar banho no Mindú. Lá encontrava nossa turma e jogávamos futebol enquanto meu pai jogava vôlei. Que tinha praticamente só dois times; um que meu pai jogava e no outro lado o Milton Nogueira Marques montava. Sempre foi assim Milton x Edgar. Os dois eram grandes amigos, mas no jogo o pau cantava. Era divertido a discussão entre os dois: tipo se um tocou na rede ou não e coisas assim.
Milton era dono do Cartório Nogueira. Manaus inteira ia para lá assinar acordos etc. Uma figura baixa e magra, mas extremamente simpático. Aberto as conversas e atencioso com os filhos dos amigos. Seu filho Pedro foi conosco para os Estados Unidos. Era uma pessoa muito legal que de um minuto para outro mudou muito quando foi abatido por uma tragedia familiar. Daí seu Milton praticamente sumiu.
Lembro-me uma vez que minha mãe tinha colocado unhas. Era a moda, muito caro e difícil de conseguir na cidade. Esta unha caiu no campo de areia de futebol. Minha mãe chamou o meu pai e pediu para procurar sem falar para ninguém que ela usava as unhas. Chegou um momento que os dois times vasculhavam a areia procurando uma coisa vermelha. Meu pai não falava o que era e o pessoal insistia para saber, até que minha mãe anunciou que era a unha postiça dela. Finalmente, acharam e devolveram para minha mãe.
Assim eram os dias feriados e em especial o dia dos finados. Que Deus tenha piedade daqueles que já se foram.
Estevão Monteiro de Paula é engenheiro civil, mestre em Engenharia de Estruturas e Ph.D pela Universidade do Tennessee, coordenador de pesquisas do INPA e professor titular da Universidade do Estado do Amazonas
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