O estudo observou que a presença de gado próximo de áreas de cobertura vegetal eleva os casos de leishmaniose cutânea ao aproximar vetores dos ambientes humanos
A expansão da pecuária em regiões amazônicas tem trazido impactos além do próprio desmatamento. Segundo um estudo recente, liderado por Tatiana Pineda Portella da USP, com colaboração da Unesp, UFABC e da Universidade de Lausanne (Suíça), o avanço da pecuária é a principal ameaça para o crescimento da incidência de leishmaniose cutânea em cidades da Amazônia, uma doença parasitária não contagiosa que provoca úlceras profundas na pele e nas mucosas.
Já era conhecido que a a leishmaniose cutânea, também chamada de leishmaniose tegumentar, é mais prevalente nos estados da floresta amazônica, uma região classificada como área de alto risco para epidemias. Isso se deve à diversidade de vetores envolvidos na transmissão, como moscas, mosquitos e mamíferos, e, principalmente, às elevadas taxas de desmatamento e degradação ambiental, especialmente no Arco do Desmatamento, que aproximam os vetores dos ambientes humanos.
A partir desse cenário, o estudo buscou entender quais formas de uso da terra mais contribuem para o aumento dos casos de leishmaniose cutânea na região. “Sabíamos, a partir de estudos sobre outras doenças tropicais, que essas regiões podem ser problemáticas. Quisemos investigar, especificamente, as eventuais correlações entre o desmatamento e a leishmaniose cutânea”, diz Roberto Kraenkel, pesquisador do Instituto de Física Teórica da Unesp, que participou do estudo. “Queríamos sair do âmbito do ‘achismo’ e obter informações precisas, especialmente sobre o aspecto ambiental.”

Avaliação da área
O estudo classificou o uso da terra na Amazônia Legal em cinco categorias, cada uma com potencial distinto de influenciar na incidência da leishmaniose cutânea. A primeira é a cobertura florestal, considerada o principal habitat natural dos vetores da doença, como os mosquitos-palha. Em seguida, as plantações permanentes, como cultivos de frutas e seringais, que também podem servir de abrigo e fonte de alimento para esses vetores.
As áreas desflorestadas foram identificadas como zonas críticas, onde o contato entre humanos e mosquitos tende a se intensificar devido à redução da vegetação nativa. Já as áreas de extrativismo representam ambientes de exposição direta, onde atividades como coleta e pesca colocam as pessoas em contato frequente com os vetores. Por fim, as áreas de pecuária, com grande quantidade de animais, oferecem alimento abundante para os mosquitos transmissores, contribuindo para a manutenção e expansão de suas populações.

“Observamos que a presença de gado próximo de áreas de cobertura vegetal eleva os casos de leishmaniose cutânea”, diz Kraenkel. A ocorrência de desmatamento no terreno se mostrou como o segundo fator com maior associação aos casos.
A partir disso, os pesquisadores chegaram à hipótese de que a proximidade entre o gado e a floresta proporciona ao mosquito maior oferta de alimento, na forma das cabeças de gado e, ao mesmo tempo, aumenta a interação entre mosquitos e humanos ao estimular a expansão da população nas regiões próximas das florestas, o que leva ao maior número de casos da doença. “Não estamos falando de áreas preservadas, mas de remanescentes da floresta que estão misturados a regiões de criação de gado. É aí que está o problema: nosso achado sugere que é a pecuária que irá determinar qual é o efeito da cobertura vegetal”, afirma o físico.
Embora o estudo traga tantas perguntas quanto respostas, seus resultados são considerados valiosos para orientar políticas públicas na região amazônica e fomentar uma reflexão crítica sobre os modelos de ocupação do território. “O mais óbvio de apontar é que, se existem áreas de fronteira entre floresta e gado, é preciso ter um cuidado aumentado. Nesses municípios deveriam ser feitas campanhas de conscientização sobre esse risco. Isso é uma política de saúde pública que pode ser adotada de forma imediata”, finaliza Kraenkel.