O ápice chegou. Não há nada de positivo nisso tudo. As notas de repúdio continuam sendo bem vindas, mas elas não são suficientes. Se a República e a democracia quiserem sobreviver devem enfrentar a situação. O diálogo é sempre bem vindo, mas segurança e garantia do Estado democrático de direito não são feitos com diálogo quando atacados.
Por Farid Mendonça Júnior
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A República e a democracia brasileira sangram. Os atos covardes contra as sedes dos três poderes no dia 08 de janeiro de 2023, em Brasília, entram para a história do Brasil como um lamentável e repugnante acontecimento que não se explica pelo acaso, mas sim pela recente tumultuada história do Brasil, fomentada desde 2018, já na campanha eleitoral, por Jair Messias Bolsonaro, seus filhos e asseclas.
O povo brasileiro de forma democrática tomou uma decisão e colocou no poder, em 2019, um político abertamente defensor da ditadura, a favor da tortura, contra as mulheres, negros, indígenas, minorias, e cujo filho bradava que para invadir o Supremo Tribunal Federal – STF bastava um soldado e um cabo.
A democracia brasileira e suas instituições passaram os últimos 4 anos (de 2019 a 2022) sob a égide de um maestro louco, desvairado, que professava ataques contínuos às Instituições do país. A cada ataque apareciam as notas de repúdio por parte das autoridades constituídas. Ensaiavam-se conciliações, aproximações, substituição de palavras duras por outras amenas.
Até o próximo ataque, e depois o próximo ataque. Num ciclo contínuo e que parecia interminável. Tínhamos praticamente um padrão na conduta do “meliante Presidente”. A intenção era clara, levar a crise para um tom mais elevado, esticando as cordas das instituições e anulando as diretrizes da Constituição Federal que prezam pela harmonia entre os Poderes.
Por muito pouco e mesmo com todo o uso que foi feito do poder da caneta e da máquina pública o país não reelegeu Bolsonaro. E para a tristeza e revolta dos que perderam e não aceitam os resultados democráticos que sobrevieram das urnas, tem-se os acampamentos em frente aos quartéis e os atos de invasão e depredação de edifícios públicos.
Chegou, portanto, o dia em que “o soldado e o cabo invadiram o STF”. Na verdade, uma multidão enlouquecida, identificada como bolsonaristas e que pregam Deus, Pátria, Família e Liberdade, palavras ou valores estes que tenho dificuldade de encontrar nas ações destes manifestantes.
Eu acredito num Deus de amor e união, e não em um Deus da violência. Portanto, não acredito que Deus aprovaria esta violência toda.
A Pátria não foi exaltada e respeitada. A Pátria foi humilhada, degradada, desnunada pela selvageria destes atos covardes.
A Família brasileira não foi respeitada. Em pleno domingo, não acredito que os atos que ocorreram em Brasília sejam adequados para a programação familiar. Pais não devem pregar aos seus filhos a violência como forma de resolver os problemas em sociedade.
Por fim, não vi nada de liberdade. Até porque a liberdade pressupõe fazer o que quiser desde que isso não prejudique o direito do próximo. E, como se sabe, os manifestantes degradaram bens públicos, atacaram policiais, colocaram fogo no Congresso, quebraram vidraças, entre outras condutas.
Bolsonaro conseguiu implantar um “ISMO” no Brasil. Sim, os “ISMOS” sempre são um problema. Nazismo, fascismo, comunismo, socialismo. Acrescenta-se agora o bolsonarismo. São ideologias que nascem, transformam-se em movimento, com organização, objetivos e geralmente levam milhares e/ou milhões a seguirem de forma cega a causa e as instruções dadas pelo líder ou líderes, e na maior parte das vezes muitos acabam morrendo, com a sociedade se dividindo e se desgastando.
Como é de conhecimento público, Bolsonaro saiu do país e decidiu passar uma temporada nos Estados Unidos. O líder do bolsonarismo não está presente no país. Mas quem disse que é preciso que ele esteja presente para que o movimento continue? Afinal, uma das grandes vantagens da modernidade são as redes sociais. De onde você estiver é possível arregimentar de forma online o rebanho ignorante e faminto em busca de confusão.
Mas também é interessante notar que grande parte deste rebanho bolsonarista já se sente órfão de seu líder, tendo considerado-o traidor por não ter conseguido desfechar o golpe e por ter saído do país. Este rebanho órfão, independente do “maledito Jair”, brada em favor de as forças armadas aplicarem o golpe, depor o Presidente eleito e fechar o Congresso e o STF. Portanto, grande parte do movimento, os órfãos de líder, já funcionam nesta dialética.
Quem não tinha a minima desconfiança de que os ataques às Instituições Democráticas ocorreriam? Quem não poderia prever, ainda mais depois da invasão à sede da Polícia Federal semanas antes da posse, que outros ataques viriam? A sociedade como um todo já esperava por isso. Era questão de tempo. E estes ataques foram premeditados. Dezenas de ônibus chegando à Brasília. Juntando-se aos manifestantes acampados na frente do QG do Exército. Estrutura, logística e financiamento. A oportunidade fez a ocasião e “num domingo tranquilo”, quando menos se esperava, o ataque veio.
E a conduta desta multidão bolsonarista não entende outra linguagem que não seja a violência e a depredação. Um verdadeiro vale tudo na arena democrática desguarnecida que encontraram nos edifícios sede dos poderes em Brasília.
A multidão saiu enlouquecida para “dar o golpe” com o uso da violência, mas se esqueceram de constituir o poder, para o bem do Brasil.
E isso me lembra os eventos que se sucederam na revolução francesa. No começo a população tinha seus ideais, suas causas e seus objetivos. Depois era apenas uma briga pelo poder entre grupos diferentes e que tinham como meio eficaz a bruta violência em guilhotinar a cabeça das pessoas em praças públicas. Um dos expoentes na utilização da guilhotina na época da revolução francesa foi Robespierre, tendo instaurado a época do grande terror, onde qualquer um poderia ter sua cabeça guilhotinada.
É exatamente este último ponto o sentido de tudo isso, a exaltação, a lacração nas redes sociais, os troféus erguidos, a porta arrancada do gabinete do Min. Alexandre de Morais, ou seja, “a cabeça guilhotinada”. Robespierre manda lembranças ao Brasil.
O ponto é que o movimento não tem mais sentido do ponto de vista ideológico. Eles perderam o sentido. O sentido é apenas a violência, “a cabeça ensanguentada erguida na estaca do manifestante” no vídeo da lacração nas redes sociais.
O ápice chegou. Não há nada de positivo nisso tudo. As notas de repúdio continuam sendo bem vindas, mas elas não são suficientes. Se a República e a democracia quiserem sobreviver devem enfrentar a situação. O diálogo é sempre bem vindo, mas segurança e garantia do Estado democrático de direito não são feitos com diálogo quando atacados.
O único meio de combater a “guilhotina ensanguentada do rebanho louco” é com guilhotina, ou seja, com a força. A força das forças constituídas. Se as notas de repúdio continuarem a dar as cartas juntamente com o movimento de “empurrar com a barriga”, a próxima etapa previsível pode ser uma guerra civil.
Além disso, os ataques ocorridos em Brasília abrem uma nova possibilidade de união e harmonia entre os poderes, e a efetiva vontade política de isolar, marginalizar e impedir legalmente o retorno de Jair Bolsonaro ao poder nas próximas eleições. Se a direita e os insatisfeitos quiserem um representante para disputar as eleições democráticas em 2026 sem problema nenhum, desde que o escolhido seja alguém civilizado, respeite as regras do jogo e não atente contra o Estado Democrático de Direito.
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