“Hoje, com 45 anos de serviço, Mesquita é o que se pode chamar de engenheiro da floresta em pé: alguém que desenha com a mente, constrói com as mãos e inspira com o exemplo. Sua trajetória não cabe em palavras, mas merece cada uma delas. Por isso esta homenagem é apenas o início. O próximo passo será transformar esse percurso em livro, em legado e em bússola para os que virão”
Alfredo Lopes homenageia os 45 anos de serviço público de Antônio de Lima Mesquita – 1º de agosto de 2025
Conheci Antônio de Lima Mesquita nos anos 1980, nos corredores do então Instituto de Tecnologia da Amazônia, o saudoso ITA-AM — embrião da atual Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Ali nasceu uma amizade que resistiu às décadas e se fortaleceu ao redor de uma causa que nos une desde sempre: o compromisso inegociável com a floresta em pé como critério de desenvolvimento.
Mesquita é um desses irmãos do século passado que atravessaram o tempo sem abrir mão dos princípios. E hoje, 1º de agosto de 2025, completa 45 anos de serviço público, quatro décadas dos quais dedicados à docência, à pesquisa e à gestão universitária com foco ininterrupto na sustentabilidade como missão.
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Do angelim ao ecopainel
Formado em Biologia pela UFAM e tecnólogo florestal pela UTAM, Mesquita aprofundou sua trajetória acadêmica com um doutorado sobre fibras do açaí para fabricação de ecopainéis — um trabalho que antecipou os temas da bioeconomia muito antes de se tornarem modismo ou jargão institucional.
Mas a ciência, para ele, nunca foi uma torre de marfim. Em sua carreira, o laboratório sempre dialogou com o campo. Foi assim nos planos de controle ambiental da BR-319, no projeto do Shopping Manauara, na construção das reservas de desenvolvimento sustentável, na formulação do plano de ecoturismo para o Estado do Amazonas, no plano de manejo florestal do Rio Juruá. Sempre com os olhos postos na floresta, mas os pés firmes nas trilhas do povo.
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Inventário de carbono e a nascente dos serviços ambientais
Em plena ebulição do pensamento ambientalista global pós-Rio 92, Mesquita esteve na linha de frente de uma iniciativa que mudaria para sempre a forma como o Amazonas e o Brasil pensam seus ativos florestais: a elaboração do primeiro inventário de carbono do Estado do Amazonas, sob orientação do cientista Niro Higuchi.
Esse trabalho seminal deu origem ao que viria a ser o núcleo expandido do Laboratório de Manejo Florestal do INPA, com linhas de pesquisa orientadas à dinâmica do carbono, regulação climática, sequestro de gases e serviços ambientais prestados pela flora amazônica. A ciência amazônica começava ali a traçar as bases técnicas do que hoje se chama de “precificação da natureza”.

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O PP G7 e o saneamento ecológico do Sul do Amazonas
Em outro momento igualmente decisivo, Mesquita integrou — sob a batuta de Estevão Monteiro de Paula — a equipe técnica do projeto de Saneamento Econômico e Ecológico do Sul do Estado do Amazonas, financiado pelo emblemático Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PP G7).
Foi esse projeto que propôs um novo modelo de ocupação e governança para as áreas mais vulneráveis do sul do Estado, onde a fronteira agropecuária avança sobre o manto verde com voracidade. A ação reuniu diagnósticos ecológicos, mapeamentos socioeconômicos e propostas de integração entre cadeias produtivas sustentáveis e políticas públicas. Sem saber, ou sabendo muito bem, Mesquita e sua equipe estavam abrindo caminho para as políticas de REDD+, PSA e fundos climáticos que hoje circulam nas conferências globais.
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O educador das margens e das fibras
Seus alunos — centenas, talvez milhares — o reconhecem pela generosidade em ensinar. Não apenas conteúdos técnicos, mas o gosto pela observação da natureza, o senso de urgência climática, o valor da ética no serviço público e a coragem de inovar. Professor titular da UEA, orientador incansável e mentor de projetos premiados, “Mesquita participou ativamente da modernização e da definição da visão estratégica da Agência de Inovação Tecnológica da Universidade, espaço onde pesquisa, mercado e território se encontram.”
Veja um pouco sobre o projeto da fibra:
Seu trabalho com os chamados “resíduos” amazônicos — da fibra do açaí à bacaba, passando por folhas, cascas e estipes de palmeiras — tornou-se referência em economia circular e biomateriais. O que muitos viam como lixo, ele transformou em matéria-prima e cidadania.
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Referenciais de vida e ciência
Ao longo de nossa convivência, algumas pessoas foram citadas com frequência — e quase sempre com comoção — como referenciais vitais e companheiros de viagem intelectual e afetiva na trajetória de Antônio de Lima Mesquita. Destacam-se, com gratidão e reverência, os mestres e parceiros de pesquisa Dr. Gwillean Prance, Dr. Ricardo Secco, Dr. Estevão Monteiro de Paula, Dr. Rupert Barneby e Dr. Scott Mori, do Jardim Botânico de Nova York — orientadores nos idos de 1983. Com ternura, são lembradas figuras inesquecíveis como Dra. Marlene Freitas da Silva, Dra. Graziela Maciel Barroso, Dra Margarida Fiuza de Melo, Dr. João Murça Pires (in memoriam), Prof.Dr. Geraldo Mariz, Dr. Francisco Rocco e finalmente o Prof. Hugo Menezes dos Santos ( meu 1º diretor da antiga UTAM). cujas contribuições reverberam na ciência e na memória afetiva. E, acima de todos, Mesquita aponta com emoção sua mãe, dona Edith Mesquita, como sua maior inspiração: mulher de sabedoria empírica sobre as plantas amazônicas e mestra intuitiva da botânica cotidiana.
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Um brother da Amazônia: entre a memória e o futuro
Há uma dignidade silenciosa no ofício de quem planta sementes de árvores cujo fruto talvez não verá. Antônio de Lima Mesquita é esse tipo de homem. Seu currículo — extenso, denso, técnico, internacionalizado — é, ao mesmo tempo, apenas uma superfície. Por trás de cada artigo, cada orientação, cada laudo ambiental, pulsa a paixão por uma Amazônia pensada para durar.
Hoje, com 45 anos de serviço, Mesquita é o que se pode chamar de engenheiro da floresta em pé: alguém que desenha com a mente, constrói com as mãos e inspira com o exemplo. Sua trajetória não cabe em palavras, mas merece cada uma delas. Por isso esta homenagem é apenas o início. O próximo passo será transformar esse percurso em livro, em legado e em bússola para os que virão.
Porque a floresta — como a memória — precisa de guardiões.