A pandemia do coronavírus (COVID-19) reavivou desagradáveis lembranças da crise financeira global de 2008, trazendo projeções de recessão, queda nos mercados financeiros, desaquecimento da demanda e dificuldades nas cadeias de suprimento globais. Tal cenário econômico gera o aumento da incerteza e leva as empresas a postergarem decisões de investimentos, o que, por sua vez, tem impacto sobre o emprego e a renda
Visando mitigar os impactos econômicos, diversos governos estão realizando maciços investimentos em suas economias. Por exemplo, o Banco Central dos EUA, o Federal Reserve (Fed), aprovou um pacote de estímulo de US$ 2 trilhões, incluindo um fundo de US$ 500 bilhões em ajuda a indústrias afetadas com empréstimos3. A França lançou um pacote de € 45 bilhões com garantias de empréstimos de € 300 bilhões4. O Banco Popular da China liberou ¥ 550 bilhões, equivalente a US$ 79 bilhões de dólares. Além disso, o Banco Central Europeu está disponibilizando até € 3 trilhões, o Banco Mundial aumentou sua resposta para US$ 12 bilhões, enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem US$ 50 bilhões disponíveis para os países mais pobres5.
Verifica-se, no entanto, que a redução das atividades produtivas e do comércio, bem como o fechamento de diversas usinas de combustíveis fósseis, pode sugerir benefícios em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEE). O Observatório Earth da NASA6 divulgou recentemente imagens de satélite da China destacando a dramática redução na poluição, em particular no dióxido de nitrogênio (NO2), nos meses de janeiro e fevereiro deste ano em comparação ao ano passado. Relatório publicado pelo Carbon Brief7 mostrou que as emissões na China caíram pelo menos 25% em fevereiro, em comparação com o mesmo período de 2019. Os satélites da NASA e da Agência Espacial Europeia detectaram grandes quedas nas concentrações de poluição do ar, não apenas na China, mas também na Itália8 e em outros países da Europa, já que milhões de pessoas se encontram em quarentena com o objetivo de retardar a disseminação do vírus.
No contexto da redução das atividades econômicas e das demandas por diversos bens e serviços, verifica-se também uma significativa queda nos preços do carbono em muitos mercados pelo mundo. De acordo com dados do Banco Mundial, atualmente existem 27 iniciativas de mercado de carbono implementadas, cobrindo 5 GtCO2e, o que representa 9,8% das emissões globais de GEE9. Esta queda nos preços do carbono vem impactando mercados voluntários também, como o da California, que fechou o mês US$ 1610, queda de aproximada de 8,3% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Além disso, vem gerando um excesso de oferta de certificados de redução de emissões (EUA, European Union Allowance), o que impacta diretamente a eficiência do mecanismo de mercado, que deixa de cumprir seu papel de reduzir as emissões ao menor custo para a sociedade. A Figura 1 a seguir traz a variação dos preços dos certificados transacionáveis (EUA) no mercado europeu de carbono (EU ETS, European Union Emission Trading System), ao longo do período de março de 2019 a março de 2020 (a), bem como a variação dos preços apenas no mês de março de 2020 (b).
Figura 1. Preço dos EUA, em euros, no EU ETS
Fonte: Elaboração própria com base em Quandl
(a)
(b)
Conforme Figura 1b, a redução do preço nos EUA no início de março até o dia 23 daquele mês foi de 34,23%. As incertezas e a instabilidade deste mercado podem ainda minar os planos de eliminação gradual do consumo de energias fósseis, particularmente do carvão na Europa, um risco que a crise climática não permite. Além disso, é possível que ocorra uma redução das receitas provenientes dos leilões deste mercado, podendo ainda desacelerar os investimentos de baixo carbono. Por exemplo, em um sinal de queda na demanda, a bolsa europeia de energia (EEX, European Energy Exchange) cancelou um leilão de 3,1 milhões de licenças de carbono europeias. Ainda, alguns traders temiam que um leilão no Reino Unido de 5,7 milhões de licenças pudesse fracassar, mas o acordo foi de 16,11 euros por tonelada11. Isso foi menor do que outros resultados recentes de leilões acima de 20 euros.
Portanto, para evitar o atraso da descarbonização é fundamental que haja propostas para a estabilização do sistema de preços do carbono nos países e regiões que têm mercados de carbono em funcionamento. Particularmente olhando para EU ETS, cuja eficiência e sobrevivência foi colocada em xeque durante a crise financeira de 2008, é fundamental que esta preocupação esteja no topo da agenda da Comissão Europeia no durante e pós-COVID-19. Assim, como forma de conter a volatilidade dos preços, propõe-se que sejam consideradas faixas de preços, particularmente limites inferiores de preço de carbono, que garantirão a sobrevivência do EU ETS à fase IV (2021-2030). Propõe-se também o cancelamento do aumento da oferta de certificados em face da recente queda nos preços das EUA, conforme já realizado pela EEX. Além disso, propõe-se uma ação urgente da Comissão Europeia para antecipar a revisão da diretiva do EU ETS, prevista para junho de 2021, de forma a garantir o alcance das metas climáticas e o Acordo de Paris diante da crise econômica.
Há sérias preocupações quanto a crise econômica instaurada pela pandemia ter tirado os olhos dos políticos e dos governos da crise climática, bem como dos diversos instrumentos das finanças sustentáveis desenhados para enfrentá-la, tais como precificação de carbono e títulos verdes (green bonds). Ao se analisar os momentos de crise econômica na história, pode-se verificar que a queda nas emissões são temporárias, já que elas se recuperam previsivelmente quando as economias começam a se reaquecer, com o ressurgimento da atividade industrial, viagens e consumo mais do que compensando quaisquer benefícios de curta duração para o clima.
Dessa forma, propõe-se ainda que os pacotes de resgate econômico para lidar com o impacto do coronavírus também devem ter um viés ecológico. Os governos precisam e estão investindo muitos recursos na tentativa de sustentar a economia, a renda e os empregos. Decisões estão sendo tomadas sobre a possibilidade de gastar trilhões resgatando companhias aéreas, a indústria de petróleo e gás, entre outros setores fortemente impactos pela crise. Entretanto, embora a saúde das pessoas e o bem-estar imediato dos trabalhadores envolvidos na crise sejam de suma importância, se os pacotes de longo prazo não forem cuidadosamente projetados considerando os atuais riscos globais – como a mudança do clima –, pode-se reforçar a dependência de combustíveis fósseis na economia mundial, e a oportunidade do aprendizado terá sido nula. Propõe-se, logo, que os pacotes de recuperação econômica devam ser desenvolvidos com uma forte ênfase e preocupação com a agenda climática, exigindo dos beneficiários compromissos quantitativos com a redução das emissões, o que fortalece tanto a recuperação dos mercados de carbono regulados quanto os voluntários. A ameaça das mudanças climáticas é tão real quanto a do COVID-19, mostra a ciência, embora para muitos pareça distante ou mesmo inexistente.
Fonte: ClimaInfo
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