“A obra de Eliane Mezari se coloca na fronteira entre o humano e o espiritual, entre a denúncia e o anúncio, entre o silêncio e a revelação. Na Amazônia que a acolheu, sua arte pulsa como sinapse entre o belo e o mistério — convite a um novo tempo”
Artista plástica e psicóloga, Eliane Mezari vive há mais de três décadas na Amazônia e por ela se deixou envolver. Gosta de dançar e performar desde tenra infância e interpreta livremente a música com gestos. Seu trabalho transborda a condição de pintura para se tornar um gesto de acolhimento: estética e amorosa, sua arte abre espaço para que o observador se reconheça e encontre serenidade em tempos de ruídos e desassossegos.
“Não quero apenas oferecer um quadro para ser admirado, mas um espaço para o outro se reconhecer, se acolher”, diz. “A arte é uma forma de cuidado — estética, sim, mas sobretudo humana. É como se eu dissesse: venha, sente-se comigo, olhe para dentro de si e descubra o que pode florescer.”
Sua obra é atravessada pela filosofia da contemplação. A cada tela, Eliane propõe uma pergunta simples e desarmante: “O que eu sinto?”. Mais que uma questão estética, trata-se de um exercício de sabedoria. Formada em psicologia e com longa trajetória na dança, ela reúne na pintura as duas linguagens: a escuta e o movimento.

“Deslocação”
Releitura de uma obra de 2006, criada de forma livre e despretensiosa. Os tons terrosos e pastéis expressam serenidade e paz, minha meta diária. A obra busca movimento em harmonia com tudo que se move no planeta. Na “Interrogação”, enfatizo a dúvida como engrenagem do conhecimento. Obra: Deslocação, 87×87, acrílica sobre tela, geometria livre.

“Tudo e Nada”
Filosoficamente, tudo é tão amplo que se dissolve em nada. O vazio é espaço fértil de possibilidades e intuições. Alguns veem vida, conexões neurais ou o fundo do mar. A obra provoca inquietações e novas perspectivas. Obra: Tudo e Nada – 93×93, encáustica sobre lona, acervo pessoal.

“Mar Tropical”
Inspirada em praias tropicais que marcam nossa memória afetiva. Pigmentos terrosos evocam a areia e o sol que se despede. Talvez você perceba um novo dia nascendo no horizonte. A arte oferece liberdade para dialogar com seu imaginário. Obra: Mar Tropical – 100×90, técnica mista, @elianemezariart.
“O observador precisa se permitir sentir antes de compreender. A contemplação é uma filosofia viva — um treino de liberdade e sensibilidade.”
A Amazônia, onde vive, é sua escola e seu enigma. “Ela não se deixa capturar por inteiro. É sempre excesso e silêncio. Quando pinto, não busco reproduzir suas formas, mas decifrar seus enigmas. O verde, o barro, as águas — tudo isso me envolve e se torna cor, textura, respiro. A floresta me ensinou que a arte é, ao mesmo tempo, abrigo e mistério.

“Projeção”
A obra sugere o olhar através de uma caverna ou orifício em pedra. A linha horizontal simboliza o futuro; a água, a vida em movimento. A caverna pode ser o mundo interior, por onde vemos a arte e a vida. É um convite à reflexão e à liberdade plena de interpretação.Obra: Projeção – 100×100, técnica mista, 2025/1.

A liberdade dos dias findos”
Observar arte é exercício de sabedoria: ver além do óbvio. Cada forma, cor ou vazio toca de modo único e pessoal. O diálogo exige sensibilidade e harmonia com nossas experiências. A obra é convite para sentir e se redescobrir sem pressa. Obra: A liberdade dos dias findos – 80×80, acrílica + pastel seco, tons terrosos.

Sūrya”
A obra evoca a força simbólica do Sol e a poesia das dunas. Texturas rústicas sugerem a matéria e a terra, enquanto a luz central traz leveza. O Sol, em tons quentes, simboliza consciência, esperança e força divina. As dunas remetem às contradições humanas e à reconciliação interior. Obra: Sūrya – 200×100, técnica mista, vendida.
Essa busca pela essência se reflete em suas releituras. Em 2006, pintou Deslocação e Interrogação, obras vibrantes e cheias de energia. Ao revisitá-las, descreve o processo como entrar em um túnel do tempo.
“Hoje meus tons são terrosos, pastéis, mais silenciosos. A paz se tornou minha meta diária. Reler a mim mesma é um exercício de humildade: reconhecer que cada fase é única, mas que todas se entrelaçam como parte de uma mesma busca.”
Para Eliane, pintar é também um rito, uma liturgia íntima. “Cada obra nasce de um rito de silêncio e de entrega. A arte é um altar onde coloco minhas inquietações e minhas esperanças. É sempre um anúncio — de um novo tempo, de uma nova paz, de uma possibilidade de recomeço.”
Mas esse gesto não é apenas contemplativo. É também crítico. Em suas telas, a artista busca iluminar tanto as belezas quanto as mesquinharias humanas.
“A arte é revelação. Ao mesmo tempo em que mostra a beleza e o que pode florescer, também ilumina as sombras, as pequenas mesquinharias que nos corroem. O artista tem a tarefa de não se calar diante da dor, mas também de não se perder nela. O quadro é denúncia e anúncio: revela os maus fluidos, mas aponta para o caminho do belo, do justo, do amoroso.”
Assim, a obra de Eliane Mezari se coloca na fronteira entre o humano e o espiritual, entre a denúncia e o anúncio, entre o silêncio e a revelação. Na Amazônia que a acolheu, sua arte pulsa como sinapse entre o belo e o mistério — convite a um novo tempo.

Eliane Mezari é artista plástica e psicóloga